O
POÇO SEM FUNDO DA INTOLERÂNCIA
João
Eichbaum
Chegamos
ao fundo do poço? Não. Que esperança! Esqueçam que o poço tem fundo. Enquanto
houver animais humanos sobre a face da terra, tudo será possível. Toda a sorte
de barbaridades contidas nessa manta densa, incorpórea e difusa da
insensibilidade, prevalecerá sobre os tênues fios de sensatez que privilegiam
alguns indivíduos da espécie “homo sapiens”.
Isso
é da natureza. Um dos elementos básicos do instinto de conservação, que garante
a propagação da espécie animal, é o egoísmo. Sem ele, não haveria instinto de
sobrevivência.
O
instinto é sempre mais forte do que a vontade. E é o instinto e não a vontade
que desperta e alimenta o egoísmo. Por isso, a virtude da sensatez é rara: ela
deve ser trabalhada, forjada pela vontade, desafiando a lei da natureza,
segundo a qual a sobrepujança deve ser do instinto. Mas faz uns volteios e
torna à origem: o egoísmo.
Sim,
senhores. O homem sensato, que foge da briga, dos xingamentos, das dissensões
violentas, assim age, porque gostaria que todos os homens fossem como ele. Sem
se dar conta disso, outra coisa ele não faz, senão oferecer o seu ego como
molde da construção humana, como qualquer outro egoísta.
O
monge que abraça a vida conventual, que renuncia aos prazeres do mundo e se
entrega à oração e à meditação, o que deseja? Ora, bolas: a salvação de sua
alma. Ou seja, ele cuida do seu ego, antes de mais nada.
Resumo
da ópera: o egoísmo faz parte da natureza animal. O ego está na frente de tudo.
Disfarçado em sensatez ou em amor à divindade, ele não larga a criatura humana,
embora nessas circunstâncias seja um ego desarmado, avesso à agressão e à
violência.
Infelizmente,
a sensatez e a religiosidade profissional são exceções. O que predomina na
maioria absoluta dos homens é a insensibilidade, provocada pela exacerbação do
egoísmo. As redes sociais que o digam. Nelas, o ego é onisciente e onipresente.
O mais corriqueiro é a grosseria. Mesmo os cristãos, que
deveriam “amar ao próximo como a si mesmos”, se servem de execráveis adjetivos,
para desqualificar a quem não pensa como eles. E a intolerância é alimentada
todo o dia, a toda a hora: um poço sem fundo.
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