TEXTOS QUE RESSUSCITAM A
ARTE
João Eichbaum
Como tudo na vida, o modo
de fazer literatura mudou. Já não há lugar, na imprensa e nas editoras, para o
texto refinado, fruto do talento e da erudição. Esses espaços, outrora ocupados
pela escrita como arte, hoje mais servem como canais de desabafo para
interesses ou sentimentos pessoais, sem qualquer compromisso com a estética.
Quer dizer: a escrita
deixou de ser arte, manifestação de talento, criação literária. E com a
facilidade do “copia” e “cola”, oferecida pelo computador, as coisas pioraram.
A linguagem jurídica, por exemplo, que ontem servia de inspiração para Rui
Barbosa, hoje não passa de um destrambelhado ajuntamento de palavras, usadas
tanto pelo advogado de porta de cadeia, como pelo do ministro do Supremo.
A ganância comercial de
revistas e jornais leva tais veículos de comunicação a oferecerem colunas para
“famosos” de público garantido e empresários generosos em publicidade,
emprestando-lhes o título de cronista ou articulista “convidado”. Aécio Neves,
até há pouco tempo, era um deles, na Folha de São Paulo. Deixou de ser
“famoso”: esfarelada a tietagem, perdeu o espaço
Na verdade, o
empobrecimento estético da arte da escrita está ligado ao estupefaciente
acréscimo de analfabetos funcionais: quem não sabe ler, lê qualquer coisa,
principalmente coisas escritas por gente medíocre que se tem por especial.
Mas, como tudo o que
acontece de repente, um dia a gente depara com um texto inteligente, as frases
concatenadas, os adjetivos e substantivos se acasalando com musicalidade, a linguagem
escorreita, com sujeito, predicado e complementos definidos.
O texto encara um assunto
batido há séculos e séculos. Um assunto que, da pieguice broxante à poesia de
infinito deleite, é o tema preferido no fim do ano: o Natal. Mas, a autora
consegue lhe dar feição atualíssima, tecendo-lhe uma nervura de bom humor capaz
de desatar lágrimas provocadas pelo riso ininterrupto, sem perder o foco de uma
sóbria mensagem social.
Dias depois, a mesma
autora, se debruça sobre questões do feminismo, com a mesma linguagem musicada
de bom humor e temperada por uma ironia tão elegante quanto sutil. Ela enxuga o
texto pela renúncia a inúteis advérbios e pelo jeito leve, mas convincente, de
dizer as coisas. E ainda o enriquece com a eloquência dos detalhes, que vão
criando acasos e costurando a ironia.
“E Aí, Sobreviveu ao
Natal?” e “Por mais Lolas Peludas: um manifesto feminista” são crônicas de Mariléia
Sell, publicadas em nosso Visão do Vale. São obras de quem pontifica nas
letras, porque sabe lhes emprestar erudição, mesmo com a linguagem despojada
dos tempos modernos. E sabe também prender a respiração do leitor até o fim do
texto. Ufa! Nem tudo está perdido!
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