terça-feira, 15 de maio de 2018


E NÓS, SUSTENTANDO TUDO ISSO
João Eichbaum
O funcionário, um senhor graúdo, com mais idade para avô do que para noivo de primeiro casamento, metido num terno preto, de gravata, calçando sapatos também pretos e bem lustrosos, com o queixo apoiado numa das mãos, parece dormitar.
Abaixo da foto dele e do amontoado de papéis, a legenda da revista Veja dessa semana, ilustrando matéria sobre o Supremo Tribunal Federal diz: “funcionário vigia a multidão de papéis que será distribuída aos ministros para a sessão plenária do dia”.
A revista só não diz há quanto e por quanto tempo o funcionário estará a ali, com a missão de “vigiar papéis”. Há três, quatro, cinco horas? Terá velado a noite inteira?
Isso é trabalho? Poder-se-á chamar de trabalho o vazio, as horas mortas, o nada por fazer, a simples espera pelo escorrer do tempo, na solidão de uma sala, onde parece mais importante uma montoeira de papéis do que a presença da criatura humana? Não. Não se pode chamar de trabalho a modorra que abriga o nada e faz a cabeça a pesar, atendendo às necessidades do sono.
Não. Não se pode chamar de trabalho, aquilo que é verdadeiramente uma tortura. Enroscar o corpo e a mente de alguém nas horas do vazio que não passa, antes de merecer o nome de “trabalho” sugere o peso da solidão, do isolamento que maltrata.
Sim, senhores, em pleno século XXI, na era dominada pela tecnologia, se engessa a postura de uma criatura humana, confiando-lhe a missão imbecil de vigiar papéis. Haverá algum perigo rondando os autos dos processos? Poderá algum malfeitor fugir com eles, adulterar-lhes o conteúdo? Mas, como assim? Não há serviço de segurança do prédio, porteiros? Qualquer um pode entrar nas dependências do Supremo Tribunal Federal, sem se identificar, sem dizer a que vem e dar de mão nos processos?
Pior ainda: os funcionários do tribunal, os que têm acesso a todas as áreas, que precisam andar pra cá e pra lá, não merecem confiança, são suspeitos?
Ou será que os ministros não leem os processos, não anotam os aspectos importantes para o julgamento, não trabalham o seu voto, não o abrigam nos arquivos do computador? Se coisas simples assim são tratadas no STF sem o menor senso prático, divorciadas das maravilhas da inteligência, o que nos sobra para confiar naquele tribunal?


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