E NÓS, SUSTENTANDO TUDO ISSO
João Eichbaum
O funcionário, um senhor graúdo, com mais idade para avô do que
para noivo de primeiro casamento, metido num terno preto, de gravata, calçando
sapatos também pretos e bem lustrosos, com o queixo apoiado numa das mãos,
parece dormitar.
Abaixo da foto dele e do amontoado de papéis, a legenda da
revista Veja dessa semana, ilustrando matéria sobre o Supremo Tribunal Federal
diz: “funcionário vigia a multidão de papéis que será distribuída aos ministros
para a sessão plenária do dia”.
A revista só não diz há quanto e por quanto tempo o funcionário
estará a ali, com a missão de “vigiar papéis”. Há três, quatro, cinco horas?
Terá velado a noite inteira?
Isso é trabalho? Poder-se-á chamar de trabalho o vazio, as horas
mortas, o nada por fazer, a simples espera pelo escorrer do tempo, na solidão
de uma sala, onde parece mais importante uma montoeira de papéis do que a
presença da criatura humana? Não. Não se pode chamar de trabalho a modorra que
abriga o nada e faz a cabeça a pesar, atendendo às necessidades do sono.
Não. Não se pode chamar de trabalho, aquilo que é
verdadeiramente uma tortura. Enroscar o corpo e a mente de alguém nas horas do
vazio que não passa, antes de merecer o nome de “trabalho” sugere o peso da
solidão, do isolamento que maltrata.
Sim, senhores, em pleno século XXI, na era dominada pela
tecnologia, se engessa a postura de uma criatura humana, confiando-lhe a missão
imbecil de vigiar papéis. Haverá algum perigo rondando os autos dos processos?
Poderá algum malfeitor fugir com eles, adulterar-lhes o conteúdo? Mas, como
assim? Não há serviço de segurança do prédio, porteiros? Qualquer um pode
entrar nas dependências do Supremo Tribunal Federal, sem se identificar, sem
dizer a que vem e dar de mão nos processos?
Pior ainda: os funcionários do tribunal, os que têm acesso a
todas as áreas, que precisam andar pra cá e pra lá, não merecem confiança, são
suspeitos?
Ou será que os ministros não leem os processos, não anotam os
aspectos importantes para o julgamento, não trabalham o seu voto, não o abrigam
nos arquivos do computador? Se coisas simples assim são tratadas no STF sem o
menor senso prático, divorciadas das maravilhas da inteligência, o que nos
sobra para confiar naquele tribunal?
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