sexta-feira, 4 de maio de 2018


O LIMBO DAS FUTILIDADES
João Eichbaum
Entre os inúmeros fenômenos que intrigam a quem gostaria de levar a espécie humana a sério, um se salienta: pessoas comuns se negam a si mesmas, deixam de viver sua vida, de passear, de fazer um amor gostoso, para desperdiçar seu tempo com coisas alheias.
Dias atrás, não houve veículo de comunicação no mundo inteiro que não se ocupasse do nascimento de mais um primata humano na família monárquica da Inglaterra. Matéria de primeira página nos jornais, o assunto foi tratado como se toda a humanidade dependesse dele.
O que provocava desdenhoso sacudir de ombros em quem tem a cabeça no lugar e só empresta valor às coisas de que se possa tirar algum proveito, para outros foi motivo de orgasmo fora dos lençóis: impávidos aduladores se aglomeravam na frente do palácio, com o celular na mão, para fotografar um monte de panos que embrulhavam um ser humano, que em nada é ou será diferente das demais criaturas deste planeta.
Haverá algum psiquiatra ou psicólogo que tenha capacidade de dissecar essa tendência, que a maioria dos homens têm, de se diminuir, de se desvalorizar, de abrir mão de seu próprio ego, para canalizar suas emoções na direção de outro ente, feito de carne e osso e sujeito a todas as misérias da natureza, como qualquer animal?
O que leva uma população inteira, como a da Inglaterra, a admitir e a assimilar essa farsa milenar que privilegia alguns seres humanos, dispensando-os até dos fracassos, quando a realidade da vida mostra a outra face, a da miséria, a da fome, a da escravidão, a da tortura, a do aniquilamento moral e físico de outros?
A tão combatida desigualdade social tem aí sua nascente. É o próprio povo que se submete, que escolhe a parte de baixo do estrato social, onde se entoca, para de lá se deslumbrar com o esplendor de seus ídolos de barro: reis, rainhas, príncipes, princesas, papas, e outras majestades menores.
Não fosse a admiração ou a idolatria que lhes é votada, não haveria ídolos. Ídolos ignorados não se criam, não se desenvolvem, continuam na sombra do desconhecimento público. A fama é que os endeusa, que os leva aos estratos superiores e deixa, para os que ficam nos andares de baixo, o consolo de viverem felicidades menores, no hiato de seus grandes problemas.


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