quarta-feira, 19 de junho de 2024

 

A IMORALIDADE DA INSTITUCIONALIDADE

Não foram as redes sociais, mas o jornal O Globo que noticiou em primeira mão: “Toffoli assistiu o jogo entre Real Madrid e Borussia Dortmund, no estádio Wembley, em Londres, junto do empresário Alberto Leite”. Levantada pela lebre da notícia, a caça não pode fugir da perseguição de inquisidores, focas e repórteres e passou a ser alvo do “desaforo tirânico”, que ameaça a “integridade” da democracia concebida sem pecado pela imaculada dona Carmen Lúcia.

A caça, ops, o senhor Toffoli não pode escapulir, não conseguiu se evaporar do mundo trevoso das fofocas, que correm pelas línguas soltas das redes sociais. O cercadinho de sua toga, produto com selo da alta costura do “notório saber jurídico”, não foi suficiente para livrá-lo de explicações. Então, para resguardar sua conduta ilibada, aquela que a Constituição exige, mas só os metidos das redes sociais cobram, ele pegou o chão firme das suas finanças, mão enroscada na barbicha, para dizer que as despesas de viagem e hospedagem foram custeadas pelo seu bolso. Dessa forma, Sua Excelência exorcizou maldosas especulações de relações espúrias, que poderiam dá-lo como devedor de alguma coisa para seu acompanhante, o tal de empresário Alberto Leite.

Mas, como não é segredo de Justiça, todo mundo sabe que os intrépidos, intimoratos ministros nunca andam sem um segurança musculoso, espadaúdo e bem forrado de peito a tiracolo. Aí, alguém descobriu que não era uma suspeita vaga, nem conjectura de quem nada tem a fazer na vida: o senhor Toffoli havia levado para a bela Londres um de seus anjos da guarda de carne e osso. Como o resguardado ministro omitira tal circunstância, a imprensa cobrou explicações de Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal. Embretado na pergunta, Barroso procurou justificar o pagamento do segurança na viagem recreativa do Toffoli, dizendo que “a agressividade e a hostilidade contra membros do STF são gravosas à institucionalidade”.

Mas, nenhum jornalista ousou perguntar: “e o artigo 37 da Constituição Federal, que ordena obediência aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade nos atos da administração pública de qualquer dos Poderes da União, não vale nada”?

A “Instrução Normativa 291/2024” do Supremo Tribunal Federal, que autoriza gastos com segurança para ministros “em viagens internacionais” é o avesso do artigo 37 da Constituição federal. “Instrução Normativa” não pode criar direitos, porque não é lei. Sua validade se esgota na regulamentação de direitos já criados por lei. A “legalidade” de que trata o art. 37 da Constituição Federal é a que emana do Poder Legislativo. A função dos ministros é exercida apenas dentro do país. “Missão institucional” de juízes fora do país, não passa de fantasia bacharelesca, que vale tanto quanto botar pingo em “y”. A segurança é destinada à pessoa e não à instituição para a qual eles prestam serviços. A pessoa não se transforma em instituição, nem a instituição se dilui na pessoa do servidor. E viagem pessoal, recreativa, posta na conta do contribuinte, só pode ser um aborto praticado, por náuseas, pela moralidade...

quarta-feira, 12 de junho de 2024

 PALAVRAS FORA DE LUGAR

“A mentira espalhada pelo poderoso ecossistema digital das plataformas é um desaforo tirânico contra a integridade das democracias. É um instrumento de covardes e egoístas. Se não rompermos o cativeiro digital, chegará o dia em que as próprias mentiras nos matarão”.

Não. Não é o que vocês estão pensando. Não se trata de um poema de metáforas mórbidas, obra de um poeta sorumbático, abatido por vertigem que o deixa de mal com o mundo. Não são exortações de algum tipo que se alimenta de gafanhotos e mel silvestre, um novo João Batista, anunciando o fim dos tempos. Nem são expressões de terror extraídas de alguma obra de reflexões apocalípticas, da lavra de algum profeta. Não. Nada disso.

Por mais cândida que seja a interpretação do leitor, jamais lhe ocorrerá tenham sido tais palavras caídas da boca de uma pessoa de peso, colocada em posição preponderante nos píncaros do Judiciário brasileiro.

Pois quem excluiu tal hipótese, se enganou redondamente. Essa diatribe partiu de ninguém menos do que de uma senhora chamada Cármen Lúcia Antunes Rocha. Dona Cármen, professora de Direito Constitucional, foi colocada no Supremo Tribunal Federal, por obra e graça do torneiro mecânico por profissão e político por eleição Luiz Inácio Lula da Silva. Na semana passada, a referida madame foi empossada, pela segunda vez, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral. O excerto que encabeça o presente texto, embora nada tenha a ver com eleições, faz parte do seu discurso naquela solenidade. Mas, não se pode ignorar o teor condenatório, encharcado de exaltação, que o estigmatiza como uma sentença antecipada: “desaforo tirânico... instrumento de covardes e egoístas”. Trata-se de um juízo de valor exarado em instância desapropriada e sem a temperança que, mesmo fora da jurisdição, é exigida por ordem da credibilidade do Poder Judiciário.

O alvo dessa contundência, ou seja, as rés, fora do processo, do tempo e das circunstâncias que uma solenidade exige, são as chamadas plataformas digitais. O tema que diz respeito a tais empresas está sujeito a disputas judiciais. Dona Cármen Lúcia já antecipou o seu voto, salpicando-o com adjetivos que ninguém gostaria de ouvir: “covardes, egoístas”...

Mas, além do teor do discurso, o que surpreende a qualquer leitor com conhecimentos mínimos de Teoria do Estado, é a relação da “mentira” com a “integridade das democracias”.

A democracia é um sistema de governo. Ela não tem outra natureza senão aquela que define sua essência: a participação do povo, através do voto. E o voto, segundo a Constituição Federal, que a dona Cármen Lúcia, como professora de Direito Constitucional supostamente conhece, é “direto e secreto, com valor igual para todos” (art. 14 da CF). O povo pode votar como quiser, resguardado pela liberdade de consciência, assegurada indistintamente, a mentirosos e autênticos. Onde dona Cármen foi cavoucar a ideia de que a democracia depende só dos puros de coração  ou dotados de outras refulgentes virtudes exaltadas no Sermão da montanha, não se sabe. Talvez a Faculdade Católica, onde ela leciona, tenha  catecismo constitucional próprio.

quinta-feira, 6 de junho de 2024

 

O POVO E O ESTADO

 

O Informe Especial da Zero Hora é um espaço que funciona como caleidoscópio. Ali giram notícias, comentários, gratuitos encômios, alguma cantilena poética ou filosófica, e até preleções sobre o comportamento humano.

Na semana passada, a responsável pela referida página se debruçou sobre procedimentos da plebe no curso da avassaladora enchente que desgraçou o Rio Grande do Sul. “Assim que a água subiu, cobrindo áreas extensas, inclusive zonas urbanas populosas nunca antes atingidas, duas frases viralizaram no mundo virtual e no mundo real: “civil salva civil” e “o povo pelo povo”- escreveu ela, à guisa de premissa para uma dissecação  do comportamento do povo nas redes sociais.

Como não poderia criticar as ações de solidariedade às quais se entregou considerável parcela da população, a jornalista acenou primeiro com ligeira apologia. Assim: “O heroísmo e a força dos voluntários foram e continuam sendo imensos. Sem o apoio dessas pessoas, em sua maioria gente anônima movida pelo desejo genuíno de ajudar, a tragédia que vivemos seria, com toda a certeza, muito pior”. Mas, a seguir, travestida de preceptora, considerou os frequentadores das redes sociais como um povo que se deixa governar pelo juízo de sofismas mal colocados: “só que, por trás das frases lacradoras, que fazem tanto sucesso nas redes sociais, há uma armadilha retórica”. E advertiu: “palavras têm força”. A partir daí, a comentarista se entrega a um raciocínio exegético certamente mais consentâneo com a linha editorial ou financeira do jornal: “quando alguém repete, de peito estufado, em uma live, ou seja lá onde for, que ‘civil salva civil’ está, de certa forma, dizendo que o Estado não é só desnecessário como não é bem-vindo”.

Qualquer pessoa ligeiramente alfabetizada sabe que “civil” é uma denominação usada em oposição a “militar”. E ninguém ignora as reflexões desafáveis, que pululam nas redes sociais, sobre as Forças Armadas. Como consectário, a expressão “civil salva civil” significa que as Forças Armadas não eram tidas como efetivas, entre os que procuravam salvar os arruinados na sorte.

Só alguém banido do controle de suas faculdades mentais, diria que o Estado é “desnecessário” ou “não é bem-vindo”. Em lugar nenhum do planeta se dispensa o Estado, seja qual for o regime que o sustenta. A interpretação enviesada da jornalista a impede de ver, na manifestação mencionada, candente crítica à incapacidade do Estado em administrar uma catástrofe de tamanhas proporções, como essa. Tanto assim é que os cidadãos desarmados foram os que, desde a primeira hora, se empregaram na espinhosa missão de salvar o próximo. Com eles, bombeiros voluntários e bombeiros de outras regiões do país aqui aportaram com a técnica e os instrumentos adequados para tal missão, porque os bombeiros mal remunerados do Estado gaúcho não seriam suficientes em número para prestar assistência plena a todas as vítimas.

 O Estado propriamente dito, essa instituição representada por pessoas eleitas com a finalidade explícita de administrar o bem comum, fez somente o que tais pessoas sabem fazer sempre: discursos, promessas de verbas, abraços e beijos...

 

 

quarta-feira, 29 de maio de 2024

 

QUANDO A JUSTIÇA FUNCIONA POR CALIDOSCÓPIO

Num abrir e fechar de olhos, o Tribunal Superior Eleitoral negou provimento, por unanimidade, ao recurso interposto contra a decisão do TRE  do Paraná, que julgara improcedente o pedido de cassação de mandato do senador Sérgio Moro. Até o presidente do TSE causou estupefação nos mais incrédulos: Alexandre de Moraes, votou a favor de Moro.

Sérgio Moro, como todo mundo sabe, era alvo de um projeto vital de vingança da parte do Lula. Com palavra de baixo calão, o torneiro mecânico, hoje presidindo a República, expressara publicamente esse ânimo de vindita, dizendo que não descansaria, enquanto não realizasse tal propósito.

Coincidentemente, dispondo de instrumentos legais, a Federação Brasil de Esperança, que englobava o PC do B e o PT, ao lado do PL, ingressou com o pedido de cassação do mandato do Moro, atribuindo-lhe abuso do poder econômico. A concubinagem do seu partido com o PL não espantou o Lula, que esperava dela a cria de sua vingança.

Partindo da cassação do Deltan Dalagnol, que dirigira toda a investigação da Lava Jato, enjambrando a inclusão de Lula numa rocambolesca denúncia, a grande imprensa e os cochichos políticos davam como certo o mesmo destino para Moro. Em favor dessa suposição pesava a voz de trovão do Gilmar Mendes. Desvencilhando-se dos princípios da circunspecção e da reserva, que se esperam de um magistrado, ele afiara suas palavras com acintosa picardia. Assim: “a Lava Jato foi o maior escândalo judicial da história”, que “terminou como organização criminosa”, se recheando com “abusos de autoridade, desvios de dinheiro e violação de uma série princípios”, além do envolvimento de Deltan e Moro em movimento político”.

Mas, acima dessa suspeita de que, assim como aconteceu a Deltan, seria decretado o desterro político de Sérgio Moro, por tempo suficiente para que fosse esquecida sua figura de herói, havia outra indagação: não seria um desrespeito à vontade de dois milhões de eleitores do Paraná a cassação do senador, ex-juiz? Não seria isso uma cravada de lança na democracia, defendida com ênfase pelo Judiciário? Não seria uma contradição comprometedora para a Justiça que, usando métodos semelhantes aos da Lava Jato, está condenando sem misericórdia a quem lhe parece como figurante ativo de depredações ocorridas a 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes? Não seria esse o momento apropriado para o Poder Judiciário desfazer a má imagem que lhe vota a população brasileira e abala sua credibilidade até perante instituições de outros países?

Na semana passada desceu o pano de mais um ato dessa pantomima político-jurídica que entorpece o país. Conveniências adversas se acasalaram. A cria da “ménage à trois” entre PT, PCdoB e PL, tão esperada pelo Lula, sofreu aborto. Sérgio Moro continuou senador. Os crimes atribuídos a José Dirceu sumiram na areia movediça da prescrição. Contaminada por desinteria jurídica, a prova produzida na confissão de Marcelo Odebrecht, se esvaiu no ralo fétido das nulidades. E com ela se foi o nó das entabulações do “amigo do amigo do pai” do referido Marcelo...

quinta-feira, 23 de maio de 2024

 

DEMAGOGIA, GRAÇAS À DESGRAÇA

A Unisinos serviu de palanque eleitoral para Lula, projetando sua imagem e semelhança num senhor chamado Pimenta, “anunciar uma série de medidas para as pessoas físicas recuperarem o que elas perderam”.

O governador Eduardo Leite – segundo o jornal Zero Hora – “anunciou, em coletiva de imprensa, o repasse de R$ 12 milhões para melhorar as condições dos abrigos que estão recebendo as famílias afetadas pelas enchentes”.

É assim que eles governam: anunciando. Para tais governantes, os verbos “anunciar” e “administrar” são sinônimos. E, com suas atitudes, nos concedem o direito de imaginar que assim costumam agir, acalentados pela certeza de conquistar o aplauso do povo. Lula veio ao Estado, pela terceira vez, só para anunciar medidas. Para quem não sabe, ou não se lembra: Lula tem, no seu cortejo de acompanhantes, um auxiliar encarregado da “comunicação social da Presidência da República”, distinguido com o pomposo cargo de Ministro.

Não é na palavra que se esgota o dever de administrar. É na ação. Os governantes são eleitos para agir, para se cercarem de auxiliares qualificados, preparados para enfrentar e resolver problemas. Não basta acenar com dinheiro.

É disso que o povo empilhado em abrigos precisa? De anúncios, de promessas? De anúncios que precisam passar pela esteira enferrujada, sempre emperrada, da burocracia, para se tornarem realidade? Fará bem aos ouvidos desse povo o som pomposo do anúncio de R$ 12 milhões? Parecerá a esses infelizes que estão ouvindo o som da felicidade, com tanta moeda tilintando? Isso substituirá o direito constitucional à privacidade? Amenizará seu desconforto, aquela sensação de serem servidos com ações benéficas, afagos, como se fossem animais de estimação?

Conceitos primários de democracia ensinam que o poder emana do povo e esse delega poderes a determinadas pessoas para que elas administrem os interesses da comunidade. Mas aqui, no torvelinho mortal de uma catástrofe sem precedentes na história, é o próprio povo, através de gente compelida pelo amor ao próximo, comprometida com a virtude da solidariedade que, assumindo riscos para a própria saúde, está enfrentando de fato todos os percalços possíveis e imaginários, a fim de resgatar vidas e oferecer condições mínimas de sobrevivência aos despojados da sorte.

Ninguém exige dos governantes que se joguem na água com suas sunguinhas de franjas douradas enfiadas no rego, para mostrar serviço, para serem vistos como heróis, para provar que não são menos corajosos. Não, nada disso. O que se deseja é que eles ponham o que de melhor há na máquina estatal a serviço de quem precisa ser poupado dos turbilhões da desgraça: soldados, bombeiros, marinheiros, mergulhadores, forças terrestres, navais e aéreas, mão de obra qualificada e preparada para enfrentar o pior. Além desses, são imprescindíveis técnicos, engenheiros, hidrólogos, geólogos, meteorologistas, gente que saiba prevenir desastres, evitando o desperdício de dinheiro para arrumar o desarrumado. Esse é o dever dos governantes. A isso se chama administração. Para tanto, não são necessários anúncios, promessas, discursos movidos a cifrão e gastos com o dinheiro público para aproveitar a desgraça como cabo eleitoral.

 

terça-feira, 14 de maio de 2024

 

CATÁSTROFE PEDAGÓGICA?

Em seus textos, dois colunistas da Zero Hora resolveram qualificar o comportamento do homem, passada que seja essa desgraça que assolou o Rio Grande. Não se sabe se o fizeram como profetas enviados por alguma dessas divindades inventadas pelo homem, ou se foi falta de melhor inspiração para ornar suas colunas com algum pensamento que surtisse efeito agradável.

Para um deles, “sairemos maiores”. Para o outro, “sairemos melhores”. São dois adjetivos distintos, não são sinônimos, mas foram empregados no mesmo sentido: que os homens assimilarão a massacrante lição das águas e se tornarão criaturas mais virtuosas, mais valiosas, ou menos animalescas.

No decorrer desses tempos catastróficos nos deparamos, isso sim, com o melhor e o pior das criaturas. Nenhuma lição nova sobre os homens dessas plagas gaúchas proveio da gigantesca enchente. Vimos criaturas que mostraram desprendimento, coragem, e amor ao próximo. Mas os comportamentos foram ditados por motivos distintos.  

Em muitos  a nobreza da caridade cristã triunfou sobre o ego. Mas houve também quem viu, nessa ajuda ao próximo, a ocasião de sair do anonimato, para promover sua própria realização. Ou seja, uns por autêntico amor ao próximo; outros, pelo amor natural a si mesmo, que o ego de todo mundo exige.

Objetivamente, não houve diferença na eficácia dos atos de uns e de outros, porque todos tiveram em mira, na realidade, o bem das pessoas atingidas pelo violento fenômeno das águas. E isso é o que realmente importa: que, entre as criaturas humanas, sempre haja alguém disposto a dar o melhor de si, para quem está a braços com dificuldades de monta.

Na outra ponta, houve a amostra contrária: a do criminoso, do mau elemento, do marginal, daquele que assenta seus objetivos na violência, na ameaça, e procura desse modo tirar proveito tanto do bem, quanto do mal. Não faltaram cenas de assalto e de furto, tanto contra quem ajudava as vítimas da enchente, como contra essas indefesas criaturas.

Em que base da realidade, da vida vivida, da história do mundo e do homem, poderia assentar essa afirmação de que sairemos dessa “maiores” ou “melhores”? A enchente que assolou o Rio Grande do Sul foi apenas uma das incontáveis e violentas catástrofes que já atingiram os habitantes do planeta terra: guerras, naufrágios, acidentes aéreos, pandemias, incêndios, erupções vulcânicas, e todo o tipo de perdas pessoais. E nada disso mudou o comportamento humano, por uma razão muito lógica: seus hábitos, enquanto animal humano, não sofreram modificações de monta.

O homem de hoje não é diferente do homem da mitologia bíblica, a começar por Adão e Eva. A atitude de Caim para com o próprio irmão nunca deixou de existir. Pelo contrário, se multiplicou. A expulsão do paraíso, que poderia ser a maior lição, para tornar o homem “maior” ou “melhor”, não deu em nada, nesse sentido. A imolação de Jesus Cristo, com o fim de melhorar a humanidade, nunca passou de pedagogia sangrenta e ineficaz para o fim proposto.

A enchente de 1941 produziu outro tipo de homem?

 

domingo, 5 de maio de 2024

 

PUDOR? O QUE É ISSO? 

“Está faltando pudor”. Sob esse título, o Estadão, em editorial publicado no dia 28 último, comenta, como aguda crítica, a participação de ministros do STF, STJ e TSE, assim como outros figurões da república do Lula, num tal de “1º Forum Jurídico Brasil de Ideias”.

Sucede que o tal Forum, segundo o jornal, foi realizado no Hotel Península, em Londres, com diárias que, convertidas em moeda brasileira, vão de seis a sete mil reais. A empresa que organizou tal façanha se chama, por estranha coincidência, “Voto”, uma palavra transformada em dogma de fé pela Justiça Eleitoral, que não admite contestações.

Sendo uma empresa desconhecida pelo público, é natural que, ao calcular o montão de reais despendidos para levar figurões a Londres, o leitor corra ao Google, para obter maiores informações sobre esse leviatã de eventos internacionais, o tal de “Grupo Voto”. Ali diz que esse grupo, presidido pela empresária Karim Miskulin, “trabalha na interlocução entre o setor público e o privado, através de relacionamento, comunicação e conexão de poder de construção numa nova cultura política e empresarial”.

Sim, é isso mesmo que vocês estão lendo: uma junção de palavras que não transmite uma ideia clara do que se trata. Parece até aquele “enrolês” obscuro, sinuoso, corrente em juízos e tribunais. De todo o palavrório, se extrai uma certeza: em se tratando de “conexão de poder”, a dona Karim obtém imbatível sucesso. O grupo que ela juntou para levar a Londres mostra isso: políticos e juízes que pensam da mesma forma. Entre eles estão os juízes que cassaram o Deltan Dallagnol, os que cavaram motivos para restabelecer os direitos políticos do Lula, os que estão afastaram desembargadores do TRF da 4ª Região e os que estão tratando de cassar o Moro. E com eles, no tal de Forum Brasil de Ideias, os políticos que buscam exatamente a mesma coisa.

Mas, na hora de dizer quem é que está bancando essa “conexão de poder” em Londres, a custo de libras esterlinas, a empresa da dona Karim deu de ombros, não abriu o bico. Então, a conclusão lógica, em primeiro lugar, é essa: a falta de transparência é um dos objetivos da “nova cultura empresarial” a que se propõe o “Grupo Voto”. E deve ter sido por isso que o evento por ela organizado foi realizado em Londres.

O “Grupo Voto” e o silêncio dos magistrados só não contavam com a tenacidade do jornalismo investigativo. Era bico absolutamente fechado, quando se tratava de esclarecer donde vinha o dinheiro que rolava para remunerar o “notório saber jurídico” de suas excelências. O Alexandre de Moraes chegou a dizer que “nem a pau” iria conceder entrevistas.

Mas, o curioso e refinado faro jornalístico descobriu que empresas de grande porte, encrencadas em questões a serem decididas no STF e no STJ, estão entre os patrocinadores do evento.

Moral para o “1º Forum Jurídico Brasil de Ideias”: não pode ser digno de respeito o que se esconde atrás de uma cortina de impudicícia.