COLUNA DO PAULO WAINBERG
MEA MAXIMA CULPA
Paulo Wainberg
De arrependidos o inferno está cheio.
Ou, como se diz em iídiche, mas eu só sei em português, desculpa, desculpa, mas o buraco ficou, buraco aí significando o dano e a injustiça.
Dizem os penalistas que é preferível dez culpados soltos do que um inocente preso. E estão absolutamente certos porque o Direito Penal, como ciência social, não tolera a injustiça.
Dias desses, contra todos os meus princípios, enviei uma crônica defendendo a pena de morte.
Ainda bem que não acredito em inferno, senão para lá iria, de tão arrependido que fiquei.
Como pude eu ir assim tão frontalmente contra os meus princípios, contra todas as coisas que sempre defendi e preguei?
A pena de morte é o homicídio oficial, institucional, prática viciosa e hipócrita.
Além de não resolver o problema da criminalidade é instrumento catalisador do sadismo de diretores de prisão, carcereiros e, acima de todos eles, o carrasco, o que aperta o botão da eletricidade, solta a corda da forca, libera o conduto de gás ou faz cair a guilhotina.
O carrasco é, sem eufemismo, o legítimo assassino profissional. Ganha salário para matar de forma legítima porque uma lei assim determina.
Entretanto eu, este cidadão que vos fala, pai de família, vacinado, inscrito no CPF e com razoável formação, ousei defender a pena de morte.
Só tenho a alegar que agi motivado por violenta emoção, o que diminui a pena, mas não me absolve.
O que me faz lembrar O Drama de Jean Barois, romance de Roger Martin Du Gard, um dos tantos escritores franceses que fizeram definitivamente a minha cabeça.
Jean Barois era ateu. Radicalmente ateu. Durante sua vida lutou contra a idéia da existência de Deus, fundou revistas com publicações das teses materialistas em voga na época, participou de debates, um legítimo ativista anticlerical.
Então sucedeu que, ao atravessar uma das ruas de Paris, perdido em seus profundos pensamentos, não percebeu que em desabalada carreira uma carruagem vinha em sua direção. Segundos antes de ser atingido gritou: - Meu Deus, me ajude!
Ainda no hospital, recuperando-se do atropelamento, não lhe saia da mente o socorro que buscara, diante da morte iminente. Justo ele, tão fervorosamente certo da inexistência de Deus, para ele apelara na hora crucial como se fora o mais comezinho dos crentes.
Com o conflito assim escancarado, matutou, matutou e viu recrudescer sua certeza: apelara a Deus por medo que, como não cansava de afirmar, era a origem primeira da fé.
Com efeito, entre os mais definitivos argumentos para provar a inexistência de Deus, estava o medo da morte que originava a necessidade de inventar o ser poderoso e criador.
Não! Ele não iria sucumbir àquilo que considerava a mais grave das imbecilidades humanas. Com férrea vontade e disposição de espírito, mal saiu do hospital e retomou sua luta ateísta.
Foi além: em testamento, que publicou em sua revista, afirmou categoricamente que não acreditava em Deus. Enquanto vivesse essa era a sua posição e autorizava desde já sua internação em um hospício caso, em qualquer etapa de sua vida, mudasse de pensamento.
Em resumo: Jean Barois, mentalmente sadio, era ateu. Jean Barois crente seria um louco a ser internado.
Seguiram-se os dias e, apesar de suas convicções, o episódio do acidente não lhe saia da cabeça.
O romance se desenvolve até atingir um clímax quase insuportável, tamanha a tensão que vai acometendo os leitores. Por isso recomendo fortemente a leitura desse livro para que você, que ainda não leu, viva a magnífica experiência e descubra você mesmo como o livro termina.
Como se verá, a vida imita a arte frase que eu mesmo disse numa das crônicas do meu livro de estréia que, por modéstia, não vou revelar que se chama Conversa de Verão.
Eu sei, eu sei, de almas arrependidas o Diabo se alimenta. Inclusive costuma celebrar os arrependimentos num almoço anual em que, dentro do caldeirão fervente estão as próprias.
Eu sei, desculpa, desculpa, mas o buraco ficou.
E em assim sendo, fazendo minhas algumas palavras de Jean Barois, desde já declaro que sou cabal, visceral, carnal e, na falta de palavra mais forte, furuncularmente CONTRÁRIO à pena de morte.
Se algum dia eu disser coisa oposta, como fiz em outra crônica, estão todos autorizados a me colocar num quarto fechado, com paredes acolchoadas, preso numa camisa de força e sedado com tranqüilizantes para cavalo. Mais do que isso: autorizo que me submetam a uma lobotomia frontal.
E, como prova definitiva do meu arrependimento e da certeza de minha convicção, se um dia mudar de idéia, passo a torcer para o... argh... Grêmio.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2008
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