terça-feira, 23 de dezembro de 2008

COLUNA DO PAULO WAINBERG

O JANTAR
Paulo Wainberg

Dizem que todos os anos, em Dezembro, Belzebu, Mefistófeles e Lúcifer se reúnem para um jantar de avaliação sobre o ano que passou e o planejamento para o ano seguinte.
O cardápio é elaborado pela alma penada de Chef de Cuisine cozinheiro que, após preparar e servir o jantar de Maria Antonieta, na noite de 14 de julho de 1789, no Petit Trianon do Palácio de Versailles, tirou o avental e o chapéu de mestre-cuca e aderiu ao povo na grande tarefa de derrubar a Bastilha.
Para evitar discussões sobre hierarquia, a mesa do jantar tinha a forma de um triângulo eqüilátero para que todos ocupassem simultaneamente a cabeceira.
Belzebu era o encarregado das almas dos políticos, assessores, jornalistas, jogadores, comentaristas e repórteres de futebol, flanelinhas, telefonistas de call centers, juízes de todos os tribunais, delegados de todas as polícias, promotores públicos, chefes de repartição e encarregados de almoxarifado.
Mefistófeles administrava as almas dos empresários, especuladores, banqueiros, garçons irritados, pregadores, vendedores de consórcios, economistas, motoristas de táxi, motoqueiros, gerentes de financeiras, arquitetos de interior, pichadores e organizadores de passeatas.
Lúcifer geria almas do resto da população, como os infratores de pecados, capitais e veniais, vendedores de churrasquinho de gato, críticos de arte, literatura, música e cinema, executivos, radialistas chatos, eminências pardas, vendedores de rede na praia, agentes funerários, publicitários, pessoas que ocupam os dois espaços em escadas rolantes, gente que para nas portas dos edifícios, operadoras de celular que ligam para saber se está tudo bem e mil outras.
Para quebrar o gelo inicial e dar boas gargalhadas tinham combinado há milênios que durante a refeição, falariam exclusivamente sobre a seção brasileira do Inferno.
Deixavam os assuntos sérios para os licores e charutos.
Belzebu era o mais animado de todos, pois havia superlotado seu setor naquele ano. Milhares de vereadores e deputados, todos os senadores e milhões de candidatos haviam assinado o Pacto. Também era infinito o número de assessores signatários e o Presidente está ali, ali para assinar, seduzido pela promessa de uma possível re-eleição. Belzebu tinha enorme esperança de trazer sua alma para as profundezas, um lucro extraordinário na sua contabilidade além da expectativa de boas conversas.
Aumentara suas doses de sedução cooptando almas das outras seções para alimentar a ambição do Presidente, fornecendo números e estatísticas deslumbrantes, tirando o Presidente da linha de frente dos escândalos sucessivos e inserindo-lhe a sensação de invencibilidade. Tinha Belzebu certeza de que, se não fosse neste, no ano que vem o Presidente pingaria sua gota de sangue no Pacto.
Mefistófeles também exultava. Usando as almas dos executivos, administradas por Lúcifer, conseguira deflagrar uma crise financeira mundial de tal proporção que as almas sob sua gerência não pensavam duas vezes em assinar o Pacto com o próprio sangue.
Os três desabaram numa gargalhada infernal que ressoou em todo o território do Inferno, quando Mefistófeles referiu que seus gerenciados no Brasil se diziam tranqüilos e que a crise não era com eles. Quando relatou algumas das frases de economistas e vendedores de consórcios, Belzebu e Lúcifer engasgaram de tanto rir e tiveram que cuspir os pedaços de ovos de cardeal acebolados, servidos como entrada. Para aquele ano não sobrava mais espaço na sua seção e ele já providenciara no novo anexo para o ano seguinte.
Lúcifer era o menos entusiasmado. Embora o setor de aproveitadores de tragédias tivesse crescido bastante nos últimos meses, estava enfrentando uma forte e ferrenha concorrência celestial. Ao que lhe constava, há muito os céus haviam desistido das almas gerenciadas por Belzebu e Mefistófeles, concentrando suas energias no contingente dele, Lúcifer. Guardava uma mágoa mal-disfarçada, considerando que por trás de tudo havia um favorecimento velado aos outros dois. Enquanto Mefistófeles e Belzebu haviam conseguido quase dois bilhões de assinaturas novas no Pacto, Lúcifer mal atingira a marca do bilhão.
- O meu setor – reclamou Lúcifer, engolindo um delicioso pedaço do prato principal – está muito visado e as adesões ao Pacto estão diminuindo em ordem geométrica. Preciso pensar em novas estratégias para o próximo ano – concluiu, pegando outra fatia.
Mefistófeles, com o tridente, serviu-se de generosa porção de intestino grosso de caçadores ao molho pardo, prato infernalmente conhecido pela perfeição com que Chef de Cuisine o preparava, adicionando molhos exóticos como salsaparrilha e quistos sebáceos.
- Eu não posso reclamar – falou Belzebu, mastigando um olho de advogado em conserva. Ainda hoje à tarde colhi a assinatura do presidente do Supremo Tribunal de Justiça e do Chefe da Polícia Federal. Eles querem, imaginem só, que o povo acredite na versão deles no caso do DD.
Nova gargalhada ribombou nas profundezas.
- O problema que estou enfrentando – continuou – é conciliar as garantias que dei, em troca da assinatura do Pacto, ao TG, JS e DR que eles seriam eleitos. Mas – e gargalhou novamente – eles são brasileiros, desde quando acreditam em promessas?
- O mais engraçado aconteceu comigo – ponderou Mefistófeles. Desafio vocês a contarem caso mais divertido. Coisa bem de brasileiro. E quáquáquáquá. Foi tão forte a gargalhada que duas pontes móveis de uma senhora que tomava cafezinho em um boteco de Veneza se soltaram. Mandei meus demônios oferecerem duplicação de estradas, redução do valor de pedágios, recuperação de lagos e rios, construção de túneis e viadutos e o fim do mosquito da dengue. Eles obtiveram a assinatura de ministros, secretários de estado, todos os executivos, donos de empreiteiras, fiscais da saúde e os caras acreditaram! Faço isso todos os anos com os novos que estão ocupando os postos e eles acreditam. Eu garanto o que prometo a eles: grana, muita grana. Ficam ricos lá em cima e depois são descobertos, presos, perdem tudo e depois descem, direto para os meus braços. Eu me divirto caras, me divirto muito com essa gente. Acho que nunca vão aprender.
- O meu problema – disse Lúcifer – é que os pecados capitais são cada vez menos pecados. Lá em cima estão perdoando a torto e a direito. Marido de um com a mulher de outro não faz nem cosquinhas. Os publicitários, que antes enchiam meus porões, são absolvidos a torto e a direito. Os chatos já nascem perdoados senão o céu ficaria vazio, e assim por diante. Honestamente, acho que as religiões lá em cima estão sofrendo um forte afrouxamento moral. Assim não é possível! Se a situação não mudar vou ter que pedir a convocação de uma Convenção Integral!
- Ó! – exclamaram Belzebu e Mefistófeles. – Uma Convenção Integral? Com a presença dos Dois?
- Exatamente – disse Lúcifer, servindo-se da sobremesa: mousse de cérebros da estação. Com a presença dos Dois!
Eles sabiam o que aquilo representava. Apenas uma vez, desde a queda, se realizara uma Convenção Integral: quando houve forte pressão lá de cima, encabeçada por sacerdotes vaticanenses, para absolver os nazistas. E fora terrível!
Um Debate Infinito que mudou as estruturas da superfície e exigiu arranjos apressados tanto em cima quanto em baixo. As profundezas saíram vitoriosa, uma vitória que custou caro, pois tiveram que, na contrapartida, abrir mão da elite russa, dos agentes da CIA e das almas de GV, CL, LCP, todos brasileiros e gozando, para a eternidade e injustamente do ponto de vista infernal, as delícias celestiais.
Ardilosamente o Inferno criou novo mercado para compensar as perdas, uma nova fonte de almas: os terroristas.
As configurações da superfície foram de tal modo abaladas que até para o espaço os humanos foram, em busca de novos lugares para corromper.
E agora vinha Lúcifer propor uma nova Convenção Integral com todas as respectivas e imponderáveis conseqüências!
- Calma, calma, companheiros, é apenas uma idéia. Ainda não decidi porque pretendo recuperar o terreno perdido. Já não existe, por exemplo, um único agente funerário que não tenha assinado o Pacto. A quase totalidade dos vendedores de rede na praia já assinou.E o pessoal da televisão, sem exceção, em troca da promessa de audiência.
Estou programando uma forte investida, ano que vem, nos pesquisadores de opinião, nos médicos em geral e ali, no Brasil, nas pessoas que enviam crônicas pela internet. Com estes não terei perdão.
Mais calmos Mefistófeles e Belzebu terminaram a sobremesa e foram para o salão de fogo fátuo. Sentaram confortavelmente em suas poltronas enquanto o capuchinho, café preparado com borra de fígado de freis capuchinhos, era servido por Chef de Cuisine em pessoa, que foi muito cumprimentado pelo jantar oferecido.
Quando chegaram os licores e charutos os três, sabendo que tinham pouco tempo até o dia 31 para apresentarem pessoalmente os relatórios e projetos ao Diabo, passaram a discutir os assuntos sérios.
Sem mais delongas Mefistófeles perguntou a Belzebu:
- Então, meu caro, quando Barack Obama assinará o Pacto?

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