terça-feira, 26 de maio de 2009

COLUNA DO PAULO WAINBERG

CRÕNICAS SAFADINHAS


CARTAS AO OSMAR



Com muita frequência envio cartas ao Osmar e ele nunca responde. Se puser em linha reta a quantidade de cartas que enviei chegaria, no mínimo, a Coritiba.
Osmar é um correspondente que não corresponde e não responde, mas não desisto.
Nunca vi o Osmar, imagino que ele seja barrigudo e careca, deve ter entre quarenta e sessenta e dois anos, solteiro convicto, não é gay, seu prato favorito é espaguete ao pesto e é grande bebedor de cerveja.
Reconheço que ele tem bons motivos para não me responder e, talvez, o principal deles seja o fato de que ele é apenas uma personagem que acabei de inventar.
Voilás!
Mas vamos a mais uma carta:
Querido Osmar.
Mal baixou a temperatura e as mulheres saíram às ruas com suas calças justas, blusas apertadas e botas de cano longo e salto alto.
Assim, quem viu uma, viu todas.
Qual é o método, querido Osmar, que elas usam para saber como devem se vestir? A impressão que dá é que existe um sistema secreto de comunicação feminina: Esfriou, a roupa é esta.
Eu sei que a moda é ditatorial, mas também sei que nem tudo o que está na moda é bonito o que, no caso, não é verdade porque essa moda das calças justinhas é muito, Osmar, muito bonita..
O fenômeno é impressionante e foi apreciado, no última fim de semana, por milhares de pessoas.
Você sai à rua e percebe que as sandálias, decotes e saias curtas de verão não existem mais: Elas transformaram a metamorfose, redundantemente falando, numa técnica universal, como se utilizassem sensores cerebrais, chips neuróticos, transmissão de pensamento, telepatia avançada, combinando entre si e sem pedir nossa opinião.
Esfriou? Lá vem elas com suas calças justas, nádegas sobranceiras, botas de cano, salto alto e blusa apertada, seios perfunctórios, redondos, pontiagudos, agressivos, aconchegantes, chamativos, repelentes, grandes, imensos, pequenos e mínimos e, nos rostos, a afirmação categórica: pode olhar, mas não vem que não tem. Acesso interditado!
Elas passam por você, Osmar, com o nariz empinado e requebrado, sobre os saltos da botas. É claro que você se vira e vê bundas magras, gordas, pequenas, grandes, formatadas, mal-formatadas, bundas sumárias e bundas barrocas, balançando ou sacudindo, mostrando que há uma perfeita osmose entre a carne comprimida e o tecido da calça justa.
Mal dá tempo para olhar uma e outra já vem passando, Osmar.
Você está no engarrafamento das seis e elas passam pelo seu carro, sem desviar os olhos e o rumo.
As coxas estão ali, modeladas, modelares, coxas após de coxas, nem na procissão do Divino você viu tanta coxa junta. Mas não olham para você, simplesmente passam, o sinal abre e você tem que ir adiante...
Você, Osmar, não se queixa, é claro. Você saboreia. Afinal, por sorte sua, você mora num clima temperado, você mora onde faz frio no outono e no inverno. Graças a ele você ganha um alívio, um alento, uma distração e um nicho de fantasia e ilusão que a primavera e o verão desnudam, com seus decotes alentados, seus biquínis bundeáticos e pulseiras nos tornozelos.
Você sabe disto e não se queixa, Osmar, observando o passarinhar dos corpos femininos comprimidos pelos justíssimos panos.
Nesta época do ano você sonha, você imagina, você calcula que aquela ali, solta e a mercê das próprias carnes, deve desabar tal qual geléia, aquela outra, tão firme e tão rija, desprovida dos anteparos, sacode mais do que gelatina. Mas, em compensação, esta aqui, toda durango, deve ser uma loucura, por dentro e por fora.
Por um momento você se apieda dos habitantes de regiões tropicais. Pensa nos cariocas e na sua eterna confrontação com o corpo desnudo, nos nordestinos à mercê das temperaturas tropicais. E percebe que lá a imaginação tem pouco espaço, lá está tudo á vista, pobres coitados.
Você, Osmar, é da sorte, você pode prevaricar com você mesmo, você tem material para supor, para duvidar e para ocupar noites insones, solitárias e adequadas ao manuseio.
Como é que elas se organizam tão rapidamente? Com certeza isto vem de longe, vem dos tempos quentes, um planejamento eficaz, prevenindo qualquer margem de erro: abaixo de tantos graus, meninas, a roupa é esta!
O que me deixa em frangos, meu caro Osmar, é saber como você lida com tudo isto.
Por acaso você não se rebela?
Em nenhum momento você se sente injustiçado?
Como é que você faz, valente Osmar, para manter essa calma toda? Como você agüenta, placidamente, esta fila alucinada de corpos justos movendo-se diante de você, na porta do banco? Saindo do elevador? Acenando para o táxi? Falando no celular?
Será que elas se movem à mercê de algum instinto gregário? Será que elas reagem a um comando transcendente? Será um caso típico de inconsciente coletivo?
Veja, querido Osmar, o que aconteceu com o clássico “de nada”. Antanhamente você pedia: - Senhorita, pode me alcançar o sal? – Pois não. – Muito obrigado. – De nada.
Hodiernamente você pergunta: - Senhorita, sabe onde fica a rua Xexéu? – Claro, é a segunda esquina, à direita. – Obrigado. – Imagina.
“Imagina”, Osmar. Não é mais “de nada”, é “imagina”. Você agradece e ela pede para você imaginar. Imaginar o que, Osmar?
E todas elas, motivadas pelo mesmo instinto gregário, falando do mesmo jeito, querendo que você imagine alguma coisa, toda vez que agradece um favor.
Não sei você, Osmar, mas para mim é uma espécie de resumo, súmula, uma aférese ou coisa que o valha, de uma frase maior que ela me dedica, quando agradeço: Imagine que faço tudo o que você me pedir, na hora que você quiser. Eu ali: - Muito obrigado. E ela: - Imagina, é só me pedir que eu dou o que você quiser, meu bonitão...
E não poderão me acusar de indelicado, inadequado ou, na melhor hipótese, tarado. Ela me manda imaginar, eu imagino. Cumpro ordens.
Bem, Osmar, por hoje era isto. Espero que você esteja bem e que sua cerveja esteja gelada.
Se não for pedir muito, responda, desta vez.

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