João Eichbaum
I
O advogado vestiu a toga e tentou falar com eloqüência: para agradar, elogiou a justiça gaúcha, como se o mundo se interessasse por ela e puxou, com solenidade, o saco dos desembargadores.
Nem era preciso – pensei eu - seu cliente estava preso há oito meses. A lei processual, respeitando a Constituição, não tolera tanto tempo de prisão preventiva, porque resguarda os direitos individuais da liberdade e da inocência presumida.
Oito meses preso, sem sentença. É barbada – comentei com um dos botões frouxos do meu sobretudo de advogado pobre – ninguém pode ficar tanto tempo preso, à espera de uma instrução processual. A lei estabelece prazos, que devem ser cumpridos, principalmente quando o réu está preso.
Concluí, então, que o paciente seria libertado. Afinal, a regra é o direito à liberdade, assegurado pela Constituição Federal e reforçado por outra garantia, que é a da presunção de inocência. A prisão preventiva é exceção.
Aí aconteceu o que nenhuma pessoa, com formação em direito, poderia esperar.
“É verdade - reconheceu o relator, nos parcos e descarnados argumentos de seu voto escovado pelos assessores - que o réu está preso há oito meses”. Mas – acrescentou, manietado pelo limite de seus neurônios - o excesso de prazo deixou de existir, porque agora o juiz já marcou a audiência, o processo não vai estagnar, e não existe mais ilegalidade por excesso de prazo.
Os oito meses que o réu passou trancafiado foram o mesmo que nada para os desembargadores da Terceira Câmara Criminal. O que contava para eles era o futuro: a designação da audiência é muito mais importante do que o tempo que o paciente está preso. Não é o direito à liberdade que conta. O principio constitucional da inocência presumida perde completamente o sentido diante da designação de uma audiência.
E assim, se sentindo cada vez mais egrégios, como se estivessem sempre com a boca cheia de verdades, os desembargadores mandaram às favas o direito individual e deram de ombros para a Constituição Federal. Ombros sobre os quais estavam penduradas suas luzidias togas. Como num cabide.
II
O despreparo intelectual, a falta de responsabilidade, o descompromisso para com a consciência e o desprezo pelo ser humano que implora por justiça não para por aí.
Vá até a Secretaria do Setor Processual Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e você lá vai deparar com o seguinte aviso: “AGUARDE SENTADO NAS CADEIRAS”.
Isso. Aguarde sentado pela justiça, senão, você cansar, esperando. Nas cadeiras. Não sente em cima do balcão, não sente no colo dos funcionários: só é permitido sentar “nas cadeiras”. Não se pode aguardar de pé. Só se pode aguardar sentado e só se pode sentar nas cadeiras. É ordem do TJRGS. Está lá escrito, para quem quiser ver.
III
Estava eu, cumprindo a ordem e aguardando, portanto, sentado na cadeira. E aí vi a cena.
Era uma moça esbelta, de corpo sensual, desenhado pela apertadíssima calça jeans, a blusa ligeiramente separada da calça, numa faixa estreita, mas suficiente para mostrar o piercing no umbigo. Ela dançava e rebolava com a sensualidade de uma “striper”, exibindo uma bundinha que não era de se jogar fora, contemplada por dois marmanjos, um de pé e outro sentado na frente de um computador, e atrás de uma pilha de processos.
Exato. Não se tratava de uma boate. Estávamos na Secretaria do Setor Processsual Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nós, os advogados, aguardando, sentados em cadeiras, como ordenava o aviso, enquanto a moça rebolava, ali na nossa frente, como se estivesse despertando a sensualidade de freqüentadores de cabaré para um belo programa de cama.
Mas convenhamos, entre o rebolado da funcionária e a jurisprudência da Câmara Criminal, não há muita diferença: decepciona os advogados, mas fornece boa matéria para os cronistas.
Nem era preciso – pensei eu - seu cliente estava preso há oito meses. A lei processual, respeitando a Constituição, não tolera tanto tempo de prisão preventiva, porque resguarda os direitos individuais da liberdade e da inocência presumida.
Oito meses preso, sem sentença. É barbada – comentei com um dos botões frouxos do meu sobretudo de advogado pobre – ninguém pode ficar tanto tempo preso, à espera de uma instrução processual. A lei estabelece prazos, que devem ser cumpridos, principalmente quando o réu está preso.
Concluí, então, que o paciente seria libertado. Afinal, a regra é o direito à liberdade, assegurado pela Constituição Federal e reforçado por outra garantia, que é a da presunção de inocência. A prisão preventiva é exceção.
Aí aconteceu o que nenhuma pessoa, com formação em direito, poderia esperar.
“É verdade - reconheceu o relator, nos parcos e descarnados argumentos de seu voto escovado pelos assessores - que o réu está preso há oito meses”. Mas – acrescentou, manietado pelo limite de seus neurônios - o excesso de prazo deixou de existir, porque agora o juiz já marcou a audiência, o processo não vai estagnar, e não existe mais ilegalidade por excesso de prazo.
Os oito meses que o réu passou trancafiado foram o mesmo que nada para os desembargadores da Terceira Câmara Criminal. O que contava para eles era o futuro: a designação da audiência é muito mais importante do que o tempo que o paciente está preso. Não é o direito à liberdade que conta. O principio constitucional da inocência presumida perde completamente o sentido diante da designação de uma audiência.
E assim, se sentindo cada vez mais egrégios, como se estivessem sempre com a boca cheia de verdades, os desembargadores mandaram às favas o direito individual e deram de ombros para a Constituição Federal. Ombros sobre os quais estavam penduradas suas luzidias togas. Como num cabide.
II
O despreparo intelectual, a falta de responsabilidade, o descompromisso para com a consciência e o desprezo pelo ser humano que implora por justiça não para por aí.
Vá até a Secretaria do Setor Processual Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e você lá vai deparar com o seguinte aviso: “AGUARDE SENTADO NAS CADEIRAS”.
Isso. Aguarde sentado pela justiça, senão, você cansar, esperando. Nas cadeiras. Não sente em cima do balcão, não sente no colo dos funcionários: só é permitido sentar “nas cadeiras”. Não se pode aguardar de pé. Só se pode aguardar sentado e só se pode sentar nas cadeiras. É ordem do TJRGS. Está lá escrito, para quem quiser ver.
III
Estava eu, cumprindo a ordem e aguardando, portanto, sentado na cadeira. E aí vi a cena.
Era uma moça esbelta, de corpo sensual, desenhado pela apertadíssima calça jeans, a blusa ligeiramente separada da calça, numa faixa estreita, mas suficiente para mostrar o piercing no umbigo. Ela dançava e rebolava com a sensualidade de uma “striper”, exibindo uma bundinha que não era de se jogar fora, contemplada por dois marmanjos, um de pé e outro sentado na frente de um computador, e atrás de uma pilha de processos.
Exato. Não se tratava de uma boate. Estávamos na Secretaria do Setor Processsual Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nós, os advogados, aguardando, sentados em cadeiras, como ordenava o aviso, enquanto a moça rebolava, ali na nossa frente, como se estivesse despertando a sensualidade de freqüentadores de cabaré para um belo programa de cama.
Mas convenhamos, entre o rebolado da funcionária e a jurisprudência da Câmara Criminal, não há muita diferença: decepciona os advogados, mas fornece boa matéria para os cronistas.
Um comentário:
Excepcional o texto. Reli várias vezes. O pior de tudo é que isto aconteceu, salvo em relaçao ao corpo da moça, que não testemunhei. E mesmo que estivesse visto não poderia confirmar, por razões óbvias (especialmente para preservar minha integridade física). Irei divulgar o texto.
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