segunda-feira, 5 de março de 2012

TERROR NOTURNO

Paulo Wainberg




Acordei com o um ruído e acendi a luz. Dei de cara com um enorme morcego, pendurado no teto, suas asas sinistras esparramadas.
Ele entrara pela janela que deixei aberta devido ao calor. Olhei o relógio, quatro e meia da madrugada.
         O que fazer? Ali é que eu não ia ficar, com aquele monstro pendurado sobre mim. Também não ia me movimentar, eis que ele me atacasse.
Um princípio de pavor me acometeu: E se fosse um vampiro, o Drácula em pessoa? “Bobagem”, pensei, “ o que o Drácula ia querer com um pé rapado como eu?”.
         Mas podia ser um dos seus enviados, qualquer um sabe que Drácula possui centenas de acólitos que ele transforma em vampiros só para servi-lo.
Não lembro como foi, mas quando vi, estava fora do quarto e batendo a porta com estrondo.
         Em seguida estava na rua, que era o meu lugar, abandonando definitivamente aquela pensão barata onde fui passar a noite. A velha bruxa, que alugava quartos e camas, que resolvesse o problema do morcego.
         Embora eu estivesse naquela situação, por assim dizer, na pior, eu tinha certa origem. Meu pai era funcionário dos Correios de minha mãe professora primária numa escola pública. Eu mesmo tinha estudado até completar o segundo grau e, nem sei bem como, virei vagabundo.
         Ganhava a vida fazendo pequenos trabalhos, lavador de carros numa garagem, porteiro de um puteiro da pior espécie, no pior lugar da zona, entregador de pizza e até pedindo trocados, nas sinaleiras.
         O faturamento era baixo, mas suficiente para descolar um maço de cigarros, um sanduíche e uma cama para dormir. Às vezes dormia na rua mesmo, outras dentro de algum carro, num estacionamento onde o segurança era meu amigo.Não me dei bem com bebida e maconha, só por isto não virei viciado, apesar do meu desejo. Bastava um gole ou uma pegadinha e meu estômago embrulhava de um jeito que passava dois dias vomitando e cagando como um condenado.
         Caminhava pela avenida quando um carro escuro se aproximou, andou vagarosamente ao meu lado e parou um pouco adiante.
         Noite estranha, aquela, primeiro um morcego, agora aquele automóvel, ninguém que fosse dono de um carrão daqueles iria querer alguma coisa de mim.
         Portanto segui em frente e, quando passei pelo carro, a porta traseira se abriu. Fiquei intrigado, parecia um convite. Me aproximei, olhei para dentro, ninguém no banco. A parte da frente estava totalmente encoberta por um vidro escuro, era impossível distinguir o motorista.
         Um voz, que parecia vinda do além, me disse para entrar.
         Além da minha vida inútil, eu não tinha nada a perder, mesmo, então entrei. Imediatamente a porta fechou e o carro acelerou. Os vidros eram tão opacos que não conseguia ver nada, do lado de fora.
         Não tinha relógio, mas acho que andamos por mais de uma hora, até que o carro parou e a porta se abriu, novamente.
         Desci quando a noite já perdia sua escuridão e os contornos de uma enorme mansão ficavam cada vez mais nítidos.
         Na porta, a mulher mais linda que já vi na vida. Ela era morena e seu cabelo parecia elétrico. Trajava um roupão preto que a cobria até os pés, e mostrava um decote  que descia até o umbigo, mostrando as suaves curvas dos seios.
         Quase caí de quatro, diante daquela visão sublime e demoníaca.
         – Entre, ela me disse, sem sorrir.
         Escura como breu, iluminada apenas pelo fogo dançante de velas longas, a casa lembrava um filme de terror.
         A mulher caminhou à minha frente e entramos numa sala, uma espécie de gabinete, tão escuro quanto o resto.
         – Finalmente encontrei você, meu príncipe. – Ela falava mas seus lábio mal se moviam.
         Diante do meu olhar, ela continuou:
         – Não se surpreenda, há dois séculos espero você?
         Cada vez mais espantado, ouvi que eu era descendente em linha reta do Conde Drácula, filho incestuoso dele com sua irmã. Que, segundo a profecia, eu seria adotado por uma família de classe média, no século vinte e um, e estava destinado a gerar uma grande descendência de vampiros, junto com ela, Isabel.
         De repente senti uma sonolência, um torpor irreal e mal percebi quando ela se aproximou, com seus lábios carnudos rumo à minha boca. Não senti dor quando ela cravou seus dentes em meu pescoço, ao contrário, foi o maior prazer que já tive na vida, um prazer que eu queria que nunca mais acabasse.
         Perdi os sentidos como quem adormece e, quando despertei, ela estava ao meu lado, com uma taça de sangue tinto, a coisa mais apetitosa que já vi na vida.
         Sentia uma fome canibalesca e sorvi o sangue que ela me ofereceu, com voracidade.
         Refrescante e saboroso, o sangue me proporcionou uma alegria inusitada, senti vontade de cantar, dançar e pular como uma criança.
         – Bem vindo ao futuro, meu amor – disse Isabel. O mundo espera por nós.
         Bateram à porta e entrou Jonas, o motorista que me levara até ali.
         – Jonas é o responsável por encontrar você, meu amor, graças a ele você está aqui e estamos, finalmente juntos.
         – Então...
         – Sim, o morcego que entrou no seu quarto...
         – E eu posso, também, me transformar em morcego?
         – Sim, meu amado, você pode isto e muito mais.

         E é por isto que estou aqui no seu quarto, escondido nas dobras da cortina. Você deve saber que você foi minha primeira escolha para iniciar minha dinastia e isto é uma grande honra.
         Quando você adormecer, irei proporcionar o mesmo prazer que senti, será mais do que um orgasmo, será a sublimação, quando meus dentes se enterrarem no seu doce pescoço. E quando você acordar, estarei ao seu lado, com uma taça de sangue tinto, o néctar dos vampiros, a alegria dos deuses.
         Boa noite, até à morte. Nos veremos na eternidade    




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