terça-feira, 3 de outubro de 2017

O PODER ACIMA DA LEI
João Eichbaum

A maioria da 1ª Turma da Suprema Corte desta pátria amada, que é varonil e tem um céu de anil, pisou na jaca e fez cacaca, naturalmente. Pessoas que foram metidas em toga de ministros por serem, supostamente, dotadas de notório saber jurídico, deixaram no ar uma dúvida sobre seus imensos e respeitáveis saberes.

Não foi a primeira vez e, certamente, não será também a última. Os homens, antes de serem sábios, são homens. E homens são dotados de fraquezas, pendores, enxaquecas, menopausas, maus momentos, e de todo um infinito rol de defeitos, pelos quais responde sua natureza animal.

Pior já tinha feito Teori Zawaski, quando mandou prender o então senador Delcídio Amaral. Já que não tinha jeito de enquadrar como flagrante as conversas fiadas do senador, Teori engendrou um minotauro processual, metade flagrante, metade prisão preventiva, para meter Delcídio na cadeia.

Dotados, porém, com baixa taxa de criatividade, Fux e seus companheiros Barroso e Rosa Weber, folharam a Constituição Federal e nela nada encontraram que lhes amainasse as cócegas do poder. Além de preservar, através do § 2º do art. 53, a rodela dos parlamentares contra os abusos dos outros encarcerados, a Constituição  nada fala sobre suspensão de mandato.

Mas não ficaram felizes e sossegados o Fux, o Barroso e a Rosa Weber enquanto não encontraram uma saída fora das regras, para tratar o neto de Tancredo Neves como um guri safado, que gosta tanto de brincar de senador como de balada.

Para não parecerem descarados e insolentes, pularam uma parte da Constituição e foram direto para o Código de Processo Penal, em cujo art. 319 deram de cara com as medidas cautelares de “suspensão do exercício de função pública e recolhimento domiciliar no período noturno”.

 No dito art. 319 está escrito que tais medidas são“diversas da prisão”. Seduzidos, então, pela letra da lei, através de uma leitura divorciada do ordenamento jurídico, concluíram: não podemos prender, mas podemos aplicar essas medidas no Aécio.

Nos seus tempos de faculdade de certo ninguém lhes ensinou que questões envolvendo princípios constitucionais, como o da independência e da harmonia entre Poderes, não podem ser resolvidas com o olhar voltado exclusivamente para a lei ordinária. A regra que preside a hermenêutica, em tais casos, é a da hierarquia das leis, em cujo topo se encontra a Constituição Federal.

Que um juiz novato não saiba administrar a parte que lhe toca na partilha do poder, até se compreende: falta-lhe a sabedoria, cuja solidez só é abastecida pela experiência. Mas de um ministro não se perdoa o deslumbramento com o poder, que pode ser confundido com insuficiência de saber jurídico.

Ao partirem da lei ordinária, para desdenhar o espírito das normas constitucionais, os ministros praticaram uma ominosa inversão: perverteram suas funções de guardiães da Constituição, lançando sobre os autos um olhar simplório de pretor criminal obcecado pelo poder.

Resultado: desandaram uma colite nervosa nas instituições e deixaram a Carmen Lúcia em apuros, sem saber o que fazer para salvar a honra da pensão, ops, do Judiciário.




Nenhum comentário: