O PODER ACIMA DA LEI
João Eichbaum
A maioria da 1ª Turma da
Suprema Corte desta pátria amada, que é varonil e tem um céu de anil, pisou na
jaca e fez cacaca, naturalmente. Pessoas que foram metidas em toga de ministros
por serem, supostamente, dotadas de notório saber jurídico, deixaram no ar uma
dúvida sobre seus imensos e respeitáveis saberes.
Não foi a primeira vez e,
certamente, não será também a última. Os homens, antes de serem sábios, são
homens. E homens são dotados de fraquezas, pendores, enxaquecas, menopausas,
maus momentos, e de todo um infinito rol de defeitos, pelos quais responde sua
natureza animal.
Pior já tinha feito Teori
Zawaski, quando mandou prender o então senador Delcídio Amaral. Já que não
tinha jeito de enquadrar como flagrante as conversas fiadas do senador, Teori
engendrou um minotauro processual, metade flagrante, metade prisão preventiva,
para meter Delcídio na cadeia.
Dotados, porém, com baixa taxa
de criatividade, Fux e seus companheiros Barroso e Rosa Weber, folharam a
Constituição Federal e nela nada encontraram que lhes amainasse as cócegas do
poder. Além de preservar, através do § 2º do art. 53, a rodela dos
parlamentares contra os abusos dos outros encarcerados, a Constituição nada fala sobre suspensão de mandato.
Mas não ficaram felizes e
sossegados o Fux, o Barroso e a Rosa Weber enquanto não encontraram uma saída
fora das regras, para tratar o neto de Tancredo Neves como um guri safado, que
gosta tanto de brincar de senador como de balada.
Para não parecerem descarados e
insolentes, pularam uma parte da Constituição e foram direto para o Código de
Processo Penal, em cujo art. 319 deram de cara com as medidas cautelares de “suspensão do exercício de função pública e recolhimento domiciliar
no período noturno”.
No dito
art. 319 está escrito que tais medidas são“diversas da prisão”. Seduzidos,
então, pela letra da lei, através de uma leitura divorciada do ordenamento
jurídico, concluíram: não podemos prender, mas podemos aplicar essas medidas no
Aécio.
Nos seus tempos de faculdade de certo ninguém
lhes ensinou que questões envolvendo princípios constitucionais, como o da
independência e da harmonia entre Poderes, não podem ser resolvidas com o olhar
voltado exclusivamente para a lei ordinária. A regra que preside a
hermenêutica, em tais casos, é a da hierarquia das leis, em cujo topo se
encontra a Constituição Federal.
Que um juiz novato não saiba administrar a parte
que lhe toca na partilha do poder, até se compreende: falta-lhe a sabedoria,
cuja solidez só é abastecida pela experiência. Mas de um ministro não se perdoa
o deslumbramento com o poder, que pode ser confundido com insuficiência de saber
jurídico.
Ao partirem da lei ordinária, para desdenhar o
espírito das normas constitucionais, os ministros praticaram uma ominosa
inversão: perverteram suas funções de guardiães da Constituição, lançando sobre
os autos um olhar simplório de pretor criminal obcecado pelo poder.
Resultado: desandaram uma colite nervosa nas
instituições e deixaram a Carmen Lúcia em apuros, sem saber o que fazer para
salvar a honra da pensão, ops, do Judiciário.
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