A
MIGRANTE PERDIDA
João
Eichbaum
Sem
sexo não há vida e sem vida não há sexo. Esse círculo vicioso preside a
existência do gênero animal. É a regra básica, sem a qual a natureza animal
estaria fadada ao aniquilamento. Para gáudio de toda a humanidade, sexo é,
antes de tudo, uma exigência biológica, sacanagens à parte.
Para
quem não sabe: a migração das andorinhas, por exemplo, é movimentada pelo sexo.
As gônadas (glândulas sexuais) nelas se desenvolvem, se inturgescem, na
primavera. Fantástico: a energia da primavera, que produz florescência no
gênero vegetal, produz tesão nas aves. Aí, elas migram para reproduzir. Depois
fogem do outono, prenúncio do inverno, que lhes nega condições de procriar.
Aqui
no Rio Grande do Sul, já a partir de fins de janeiro elas costumam marcar o
ponto para a viagem: sentem os ajustes metabólicos proporcionados pela glândula
hipófise, anunciando iminente mudança da estação. Então se juntam nos fios de
luz, no litoral, numa espécie de ensaio do cerimonial da longa viagem.
A
gente se encanta com aquela organização, com aquela disciplina, com aquele
espírito gregário. Primeiro, juntam-se poucas. Três, quatro, meia dúzia, com
seu voo coreográfico, antes de pousarem nos fios. Mas, em pouco tempo, o grupo
cresce e elas precisam ocupar muitos fios de luz.
De
repente, um belo dia, nem sinal mais das andorinhas. Partiram, antes do raiar
do dia, obedecendo às ordens da natureza, porque não têm deuses lhes
apresentando tábuas de leis divinas, nem Igrejas, nem levitas a lhes soprar nos
ouvidos que “sexo é pecado”, nem convenções sociais que lhes viram a cara.
Mas,
como todas as regras, as da natureza também têm exceções. Aquela andorinha solitária
que, ao cair da tarde, veio pousar no fio, onde suas companheiras se reuniam,
tinha perdido o trem e parecia não ter se dado conta disso. Ficou ali, entregue
ao abandono, imóvel, como uma criança perdida. E, quando dois pássaros de outra
espécie sentaram no mesmo fio, ela, apavorada, voou, sem sequer bater as asas.
Voou,
deixando no vazio a incerteza do seu destino. Voará sozinha? Terá forças para
suportar a solidão de uma viagem sem fim? Desiludida da vida, por disfunção de
suas gônadas, irá se entregar à própria sorte? Ou terá seu amor voado com
outra, na direção daquele azul, onde o céu se confunde com o mar?
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