SEM
AMOR
João
Eichbaum
“Os pais de Alyosha (Matvey Novikov), um
menino calado de 12 anos, não se entendem mais. A mãe, Zhenya (Maryana Spivak),
apaixonou-se por um homem rico. O pai, Boris (Aleksey Rozin), envolveu-se com
uma mulher grávida. Durante o complicado processo do divórcio, Alyosha
desaparece sem deixar pistas.
Não é apenas a pequena série de imagens
cortantes de Alyosha, triste ou chorando compulsivamente, que nos chama a
atenção para o mal-estar. Vemos isso em praticamente qualquer cena que mostre
duas ou mais pessoas em algum tipo de interação.”
Basta essa excelente resenha de Sérgio
Alpendre, na Folha de São Paulo de ontem, abordando o filme russo “Sem Amor”,
para que um caroço nos suba à garganta.
Andrei Zvyagintsev é o diretor russo que chama
a humanidade às falas, com essa obra que, no dizer de Sérgio Alpendre, é
marcada “por uma indiferença mais poderosa que mil ofensas verbais”. E
acrescenta Sérgio: “não há trégua, não há nem sequer vestígio de felicidade que
não seja muito breve e até injustificável”.
Aí está, em forma de arte, o retrato das
relações humanas no mundo moderno. O egoísmo e a animalidade, que algumas
religiões, como o cristianismo, conseguiram reprimir no homem por algum tempo,
hoje voltam à tona com força redobrada.
O descarte da paixão antiga, que parecia única,
insubstituível, insuperável, é exigência dessas duas propriedades que
acompanham o ser humano, desde que ele nasce: o egoísmo e a animalidade.
O egoísmo exige a felicidade, e a animalidade
impulsiona freneticamente essa exigência. Tal é o círculo vicioso que comanda
as relações humanas. E a ilusão de uma nova felicidade passa a ser construída
com a massa amorfa da infelicidade de alguém.
Direitos iguais para machos e fêmeas é algo
muito bonito e desejável. Mas a conquista dessa igualdade tem o seu preço,
graças às construções filosóficas e religiosas que, por muitos séculos, a
impediram. Hoje, nessa sociedade igualitária em que se vive, as oportunidades
de felicidade são iguais para todos. E as conseqüências são inumeráveis.
Poucos, muito poucos, se dão conta de que a
criança, esse animalzinho sensitivo e inteligente, apreende desde cedo o
sentido de família e o assimila como um valor indestrutível. Em conseqüência
disso, a ruptura do grupo familiar sempre terá efeitos negativos, em maior ou menor
grau.
O diretor russo se debruça sobre um desses
efeitos multifários, com a maestria e o desembaraço de quem tem autoridade para
dispensar teologia e filosofia, quando o assunto é humanidade. Condensados na
paixão, o egoísmo e a animalidade, respondem pelos rastros inimagináveis de uma
transa.
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