sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018


SEM AMOR
João Eichbaum
“Os pais de Alyosha (Matvey Novikov), um menino calado de 12 anos, não se entendem mais. A mãe, Zhenya (Maryana Spivak), apaixonou-se por um homem rico. O pai, Boris (Aleksey Rozin), envolveu-se com uma mulher grávida. Durante o complicado processo do divórcio, Alyosha desaparece sem deixar pistas.

Não é apenas a pequena série de imagens cortantes de Alyosha, triste ou chorando compulsivamente, que nos chama a atenção para o mal-estar. Vemos isso em praticamente qualquer cena que mostre duas ou mais pessoas em algum tipo de interação.”

Basta essa excelente resenha de Sérgio Alpendre, na Folha de São Paulo de ontem, abordando o filme russo “Sem Amor”, para que um caroço nos suba à garganta.

Andrei Zvyagintsev é o diretor russo que chama a humanidade às falas, com essa obra que, no dizer de Sérgio Alpendre, é marcada “por uma indiferença mais poderosa que mil ofensas verbais”. E acrescenta Sérgio: “não há trégua, não há nem sequer vestígio de felicidade que não seja muito breve e até injustificável”.

Aí está, em forma de arte, o retrato das relações humanas no mundo moderno. O egoísmo e a animalidade, que algumas religiões, como o cristianismo, conseguiram reprimir no homem por algum tempo, hoje voltam à tona com força redobrada.

O descarte da paixão antiga, que parecia única, insubstituível, insuperável, é exigência dessas duas propriedades que acompanham o ser humano, desde que ele nasce: o egoísmo e a animalidade.

O egoísmo exige a felicidade, e a animalidade impulsiona freneticamente essa exigência. Tal é o círculo vicioso que comanda as relações humanas. E a ilusão de uma nova felicidade passa a ser construída com a massa amorfa da infelicidade de alguém.

Direitos iguais para machos e fêmeas é algo muito bonito e desejável. Mas a conquista dessa igualdade tem o seu preço, graças às construções filosóficas e religiosas que, por muitos séculos, a impediram. Hoje, nessa sociedade igualitária em que se vive, as oportunidades de felicidade são iguais para todos. E as conseqüências são inumeráveis.

Poucos, muito poucos, se dão conta de que a criança, esse animalzinho sensitivo e inteligente, apreende desde cedo o sentido de família e o assimila como um valor indestrutível. Em conseqüência disso, a ruptura do grupo familiar sempre terá efeitos negativos, em maior ou menor grau.

O diretor russo se debruça sobre um desses efeitos multifários, com a maestria e o desembaraço de quem tem autoridade para dispensar teologia e filosofia, quando o assunto é humanidade. Condensados na paixão, o egoísmo e a animalidade, respondem pelos rastros inimagináveis de uma transa.

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