sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018


VIVER TANTO, PARA QUÊ?
João Eichbaum
Em sua coluna de terça-feira última, na Folha de São Paulo, a jornalista Mirian Goldenberg refere o cientista inglês Aubrey de Grey que, segundo ela, “pretende criar, nos próximos 20 anos, medicamentos e tratamentos para reduzir ou reparar os danos provocados pelo envelhecimento”. A ideia de Aubrey é de uma longevidade de até mil anos.
Mirian então partiu para uma enquete pessoal, indagando às pessoas se elas gostariam de viver até mil anos. Resultado: metade não quer. E a jornalista cita um colega seu, de 63 anos, cujo nome não divulga, que dá suas razões para não se entusiasmar com Aubrey de Grey.
 “Deus me livre – diz o entrevistado por Mirian. Já vivi bastante, já está bom. Tenho tantos problemas com filhos, trabalho, família que não quero viver muito mais. Tudo tem limite, um ponto de saturação. As pessoas estão muito chatas, eu também estou muito chato. Se eu chegar aos 80, com boa saúde e dinheiro suficiente, já está bom demais. Mesmo assim vai ser difícil aguentar tanta burrice, violência e roubalheira."
Resumo perfeito da vida, no que concerne ao animal humano. Se os demais seres orgânicos têm sua limitação imposta pela natureza, que razões teria o animal humano para escapar de tal regra?
Animal essencialmente social que é, o homem, em razão disso, não tem absoluta liberdade para decidir sobre si mesmo. Há inúmeros vínculos que o prendem ao grupo, principalmente necessidades cujo suprimento depende desse grupo.
A fim de não onerar o grupo, se quiser viver até mil anos o homem terá que manter sua capacidade produtiva. Sem isso, não haverá previdência suficiente para mantê-lo no ócio. Mais sensível é o ponto de saturação no grupo do que no indivíduo. E quando chega a esse ponto, entra em vigor a lei do predador, imposta pela natureza. No caso do homem, seu predador é o próprio homem e o instrumento predatório será a desintegração social.
A longevidade nos tempos de hoje, que não é lá essas coisas, já dá mostras desse fenômeno. A celeridade da evolução, produzida pela tecnologia e somada à mudança de costumes, vai deixando os velhos de escanteio, desconectados da nova realidade, ou gerando neles a insatisfação, a revolta contra “tudo isso que aí está”. São os sintomas da desintegração social, que não permitirão uma vida digna até mil anos.

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