quarta-feira, 16 de abril de 2025

 

DA IMORALIDADE E SUAS CIRCUNSTÂNCIAS

O vídeo que circula nas redes sociais mostra a figura de um homem de cenho cerrado, aquela cara que todo mundo faz quando tem incômodos com os intestinos, o boné puxado até o meio da testa e vestido com a camiseta do Corinthians. Dizem que é Alexandre de Moraes, vendo o jogo Corinthians x Palmeiras.

A notícia que saiu nos jornais é de que o dito senhor Alexandre teria se utilizado de um avião da FAB para assistir àquele jogo. Nenhum desmentido apareceu da parte dele ou da instituição a que ele pertence, o Supremo Tribunal Federal. A única notícia conhecida, referente ao assunto, é de que a Procuradoria Geral da República arquivou o pedido de investigação, formulado por um advogado, a fim de ser apurado uso de avião da FAB, para se submeter a catarses futebolísticas.

No artigo 2º do Decreto 10.267, de 5 de março de 2020, que dispõe sobre transporte aéreo de autoridades em aeronaves do comando da Aeronáutica, não constam como beneficiários dessa mordomia os ministros do STF. Só seu presidente poderá requerer o transporte, nos casos especificados no artigo 3º do referido decreto: emergência médica, segurança, viagem em serviço. Esse Decreto, assinado por Bolsonaro, revoga decretos anteriores e proíbe uso de aeronaves para viagens aos municípios de residência das autoridades.

Mas, segundo informação de Marina Verenicz do InfoMoney 25, desde 2023 Lula autoriza ministros do STF a se utilizarem de aeronaves da Força Aérea Brasileira, apesar de não estarem eles incluídos na regulamentação vigente, “para deslocamentos frequentes, principalmente entre São Paulo e Brasília”. Acrescenta a jornalista que “parte da lista de passageiros permanece sob sigilo por até cinco anos, com a justificativa de proteger a integridade dos magistrados”.

Para quem não sabe: decreto não é lei. O decreto não passa de mero ato administrativo. E, nos termos do artigo 37 da Constituição Federal, os atos da administração direta da União, Estados e Municípios devem obedecer aos princípios da impessoalidade, moralidade e publicidade.

Até hoje ninguém arguiu a inconstitucionalidade dessa mordomia, desse repulsivo privilégio. E se foi arguida, provavelmente  obteve recusa imediata, por motivos que só a imoralidade poderia explicar.

“Todos são iguais perante a lei”. Para esse “todos” a que se refere o artigo 5º da Constituição, não há, nem pode haver, diferenças. O cargo público não transfigura o animal humano, não o torna superior. “Emergência médica” e “segurança” são problemas inteiramente pessoais, sem qualquer distinção:  todo e qualquer cidadão está sujeito a tais necessidades. E não pode haver “imoralidade” maior do que se servir do dinheiro do contribuinte para resolver problemas pessoais.

A imoralidade que está no Decreto contamina a conduta de quem o aproveita em benefício próprio.

Na escala descendente do “ruim” só existe o “pior”. Foi o que o Lula fez: além da impessoalidade, ele varreu a transparência, tapando a imoralidade com o sigilo.

Isso só acontece num país onde, por causa de suposto golpe revolucionário com batom, crianças são condenadas à dor da ausência da mãe.

 

sexta-feira, 4 de abril de 2025

 

O DOUTOR DAS EXCLAMAÇÕES

O único brasileiro que avacalhou desassombradamente um ministro do STF, chamando-o de juiz de me*da,  foi Saulo Ramos. Mas nem por isso foi xingado, ameaçado de prisão, ou processado.

Nesse momento de indignação, vivido por milhões de brasileiros em razão do tratamento dado por Alexandre de Moraes e seus acompanhantes a Débora dos Santos, a cabelereira que pichou com batom o monumento de Thêmis, vem à tona a lembrança do livro “Código de Vida”, onde Saulo Ramos deixou registrada a fétida qualificação de Celso de Mello como juiz. Para deixar claras as razões dessa lembrança: Saulo Ramos foi quem apadrinhou Celso de Mello, indicando-o para o STF.

Na semana passada, Celso de Mello, lançou purulento desabafo, recebido como “artigo” por alguns órgãos de imprensa, no qual ele festeja a imposição de 14 anos de prisão para aquela senhora.

Para quem não sabe, o mencionado senhor, cuja personalidade foi comparada àquela matéria expulsa dos intestinos através do cólon, sempre foi tido como respeitabilíssima figura e honorável mentor das demais Excelências do STF.

Ora, segundo práticas e opiniões prevalecentes, os discípulos são formados à feição de seu mentor. Então certamente foi para confirmar a ascendência sobre os pupilos, que ele fez jorrar na tela do seu computador um desperdício de pontos de exclamação, que acabaram transformando seu rançoso desafogo numa chuva de frases e orações exclamativas: 21 pontos de exclamações e apenas 2 pontos finais, num texto de 702 palavras...

O texto desse senhor permite supor seu desconhecimento de regras primárias de redação, como a de que, numa oração afirmativa, o enunciado se encerra com ponto final, e não com ponto de exclamação. Vejam só: “é totalmente falaciosa (e absolutamente divorciada da realidade do processo penal contra ela instaurado) a afirmação de que a punição a 14 anos de prisão se deveu, unicamente, ao fato de a ré haver passado batom em uma estátua!!!”

Ele está contradizendo uma versão, ou seja, está desenvolvendo uma objeção, e não exprimindo um sentimento. A finalidade do ponto de exclamação é a de reforçar, reproduzir, por meio de um sinal, a emoção registrada na frase.

Além de ignorar as funções do ponto de exclamação, ele desconhece também a finalidade do parêntesis. A expressão “e absolutamente divorciada da realidade do processo penal contra ela instaurado” é, ou deveria ser, para não empobrecer seu discurso dialético, o argumento que lhe sustenta a tese de falácia. Quer dizer, a base de sua refutação foi tratada como mera referência explicativa. Mas é refutação falsa. A “realidade do processo penal” consiste apenas em operações genuinamente processuais, através das quais se desenvolve o processo. A realidade do processo é uma; a realidade dos fatos que o desencadearam, é outra.

Para demonstrar a falsidade da versão que atribui unicamente ao uso de batom a condenação de Débora a 14 anos, Mello deveria mencionar pelo menos algumas das infrações por ela praticadas. Mas, de seu cérebro o que mais vasou foram exclamações...

 

 

quarta-feira, 26 de março de 2025

 

        SUPREMA CONTRADIÇÃO

Não é sempre, nem em todo lugar, que a Justiça se destina aos fins mais nobres. Nem sempre ela emana da axiologia jurídica, porque os aplicadores da lei podem usar o Direito como patrocinador dos próprios caprichos.

Em mais uma de suas excelentes crônicas, José Roberto Guzzo traça um impiedoso retrato da Justiça atual no Brasil, tendo como referência tribunais como do Congo, da Ruanda, de países da África em guerra, do Al-Qaeda, do Exército Islâmico. Diz ele, na crônica intitulada “A Lei Morreu”: “onde não existe Justiça em nenhum dos casos o Estado nacional e quem tem a força bruta respeitam o que está escrito nas leis, ao tomarem suas decisões. Os magistrados não cumprem o que as leis mandam fazer, ou cumprem para uns e não para outros, ou cumprem hoje e não cumprem amanhã. Dão sentenças opostas para as mesmas questões. Não aplicam a lei – usam a lei. Decidem segundo o caso, a pessoa envolvida e os seus interesses políticos ou financeiros”.

A prova mais viva de que a Justiça no Brasil também cumpre as leis hoje, mas não as cumpre amanhã, ou aplica decisões que contrariam decisões anteriores em questões idênticas, está no paralelo “Lava jato” e “Inquérito do Fim do Mundo”.

Na operação Lava Jato foram criados caminhos sinuosos para que desembocassem na jurisdição do juiz Sérgio Moro, em Curitiba, casos de corrupção ocorridos na Petrobrás, mas costurados e avençados em Brasília. Tais casos acabaram levando Lula, Marcelo Odebrecht e outros figurões para a cadeia.

Mas, aí apareceu Luiz Fachin, escrevendo: “trata-se de questão que agora vem de ser exposta no habeas corpus impetrado em 3.11.2020 em favor de Luiz Inácio Lula da Silva, no qual se aponta como ato coator o acórdão proferido pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça nos autos do Agravo Regimental no Recurso Especial n. 1.765.139, no ponto em que foram refutadas as alegações de incompetência do Juízo da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento da Ação Penal n. 504651294.2016.4.04.7000, indeferindo-se, por conseguinte, a pretensão de declaração de nulidade dos atos decisórios nesta praticados”.

Se alguém tentar decifrar o sentido que se esconde nesse palavrório, perderá o fôlego e acabará não entendendo patavina. Mas foi com ele, um período de noventa e seis palavras e arrematado com estupefaciente erro de sintaxe, que começou o fim da Lava Jato.

Essa redação coleante, vergastada por erros de vernáculo, é um excerto do relatório do acórdão de Fachin que, arredando a competência do foro de Curitiba, anulou o também coleante processo que botou Lula, corruptos e corruptores para a cadeia.

Mas, para pasmo geral da nação, o mesmo STF que anulou a competência criada a fórceps em Curitiba, agora está usando o Inquérito do Fim do Mundo, como Foro competente para qualquer questão que o bestunto dos ministros assopre.

Ah, e a “prova” mais usada, nos processos com jurisdição fisgada pelo STF, também é a mesma da Lava Jato: a língua do alcaguete.

   

 

terça-feira, 18 de março de 2025

 

                       O PREÇO DA HONRA

Se não ultrapassasse os limites da circunspecção, da compostura discreta, do recato, as mais sublimes virtudes que a função jurisdicional exige de um juiz, o Judiciário atual se circundaria de uma aura de merecido respeito. Não estaria sujeito a críticas, exposto como um Judas maleado, vilipendiado, desvalorizado.

Ao abandonar a reserva, a discrição, a parcimônia, para assumir o papel de protagonista de uma história política, o Judiciário se põe como alvo de apupos ejetados pelos intestinos.

Nos últimos dias, teve ampla divulgação na imprensa e nas redes sociais a sentença proferida por uma juíza de Brasília, condenando um brasileiro que, numa cafeteria em Lisboa, gravara um vídeo em que destilava essa minicatilinária: “Gilmar, você já sabe, mas não custa relembrar. Só dizer que você e o STF são uma vergonha para o Brasil e para todo povo de bem. Só isso, tá? Infelizmente, um país lindo como o nosso tá sendo destruído por pessoas como você”.

Claro, o vídeo foi parar nas redes sociais e dali a se transformar em objeto de ação indenizatória ajuizada por Gilmar Mendes foi questão de pouco tempo.

Entre outras considerações, diz a sentença que “a conduta do requerido resultou em violação à honra, gerando também comentários negativos angariados e amplificados em razão das circunstâncias em que a declaração foi apresentada (filmagem em local de ampla circulação de pessoas)”. E em tom conclusivo afirma a magistrada de Brasília que houve “abuso de direito e violação indevida da imagem do autor, provocando uma lesão aos direitos de personalidade do requerente, notadamente a dignidade e a vida privada, nos termos do artigo 187 do Código Civil, motivo pelo qual se impõe a condenação do demandado a ressarcir os prejuízos extrapatrimoniais causados ao demandante”.

Nos termos do artigo 186 do Código Civil, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. E o artigo 187, citado pela juíza na sentença, assim reza: “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Nenhum desses artigos menciona “lesão aos direitos de personalidade”, vistos como tais a “dignidade e a vida privada”. Somente o artigo 12 do Código Civil menciona lesão a “direitos de personalidade”.

A sentença mistura “direito de imagem” com “violação à honra”, aludindo a “comentários negativos angariados e amplificados em razão das circunstâncias”. Mas nenhum comentário sobrou para o artigo art. 953 do Código Civil, segundo o qual “a indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido”.

Então a gente não fica sabendo se os 30 mil reais são o preço da honra ou da imagem do Gilmar Mendes. E se lhe pespegassem coisas tipo “você é uma pessoa horrível, mistura do mal com o atraso, com pitadas de psicopatia”, em quanto estaria orçada sua honra, no mercado das ações indenizatórias?

 

terça-feira, 11 de março de 2025

 

       MUDANDO OUTRA VEZ

A instituição religiosa conhecida como Igreja Católica Romana é produto de um cisma. Jesus Cristo, em cuja doutrinação se inspirou e se enraizou o cristianismo, era genuinamente judeu, educado segundo os ritos do sistema político-religioso judaico, desde a circuncisão. Sua condenação à morte no lenho foi motivada pelas pregações que ele fazia, interpretadas como infensas à doutrina religiosa judaica. Em outras palavras, foi condenado como herege, na visão do sistema judaico.

Pilatos, o interventor nomeado por Roma, não viu em Jesus Cristo qualquer ato que o denunciasse como subversivo contra o Império Romano. Simplesmente mandou-o ao sacrifício só para atender à sanha da plebe.

Sem condições para crescer no território judaico, o grupo dos seguidores de Cristo foi buscando adeptos em outros territórios. Assim, de pequena seita que era, o cristianismo se tornou uma grande força político-religiosa, graças às lideranças de Saulo de Tarso e do imperador Constantino.

Mas ela não conseguiu fugir à regra de que todo o poder é cimentado por ambições pessoais ou de grupos. Por isso, sua história é construída em ziguezagues, aclives e declives. Só o cisma provocado por Lutero a obrigou o retorno às origens, não sem antes manchá-las com as torturas e assassinatos da Inquisição.

Sendo a marcha da evolução humana implacável, as instituições não conseguem se manter imunes às mutações exigidas por esse curso evolutivo. Não querendo se manter parada no tempo, a Igreja, através de dois concílios, chamados Vaticano I e Vaticano II, procurou se modernizar, mudar os ares. Primeiro, introduziu alterações nos ritos, na liturgia. Substituiu o latim pelo vernáculo usado em cada país. Mudou a posição do celebrante na missa, popularizou a liturgia.

Coincidentemente, nesse mesmo período, começaram a surgir novas seitas. O sucesso financeiro alcançado por Edir Macedo, fundador da Igreja Universal, mostrou uma face que a maioria do povo desconhecia no florescimento das religiões: o lado comercial.

Ao mesmo tempo, a pedofilia clerical ocupava boa parte dos noticiários internacionais, despertando outra coincidência: a redução das chamadas “vocações” religiosas. Paulatinamente se foram esvaziando conventos, mosteiros e seminários. Grandes edificações, destinadas à formação sacerdotal ou outras profissões religiosas, que outrora abrigavam centenas de meninos ou meninas, foram sendo transformadas, aos poucos, em hotéis, estabelecimentos de ensino comuns, ou entregues ao deus-dará, sem qualquer finalidade.

No curso dessas mudanças que alteraram o enredo de seculares histórias, estatísticas internacionais começaram a revelar o declínio de instituições religiosas tradicionais. Em países como a Alemanha, que pode contar com dados concretos, mercê do imposto eclesial, a cada ano se acentua esse declínio. Aqui no Brasil, com uma simples visita a templos religiosos de instituições multisseculares, se pode constatar o reduzido número de jovens durantes as celebrações litúrgicas.

Também no Brasil, a Igreja fundada para “pregar o evangelho de Cristo” (Marcos, 16:15-18) deu uma guinada para a esquerda, por obra da CNBB, que passou a rezar pelo catecismo do Alexandre de Moraes, se empenhando em salvar, não as almas, mas a democracia...

É mais um ziguezague de uma história mal contada...

 

terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

 

UMA VISITA INÚTIL

Pela difusão enganosa ou enganada de noticiários e comentários sobre a vinda de um colombiano, como representante da OEA, para atender a denúncias dando conta de desmandos judiciais e políticos que estão violando direitos humanos no Brasil, se chega à conclusão de que poucos, ou quase ninguém, têm a mais capenga ideia sobre a instituição acima referida.

A Organização do Estados Americanos é uma de várias instituições que outra coisa não são senão cópias da ONU, Organização das Nações Unidas. A começar por seus estatutos, que não são estatutos, mas Cartas. Carta nunca foi sinônimo de regulamento, lei, mandamento, ou qualquer coisa que implique digestão de ordem, imperativo, dever. A melhor ideia que se pode extrair das “Cartas” da ONU, da OEA, e de outras Instituições semelhantes é a de intenção, plano, propósito, desígnio, etc.

Assim reza o “Artigo 1” da Carta da OEA: “Os Estados americanos consagram nesta Carta a organização internacional que vêm desenvolvendo para conseguir uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência. Dentro das Nações Unidas, a Organização dos Estados Americanos constitui um organismo regional”.

 

Puro blablabá. A começar pela redação: “consagram nesta Carta a organização que vêm desenvolvendo”. Como é que se pode “consagrar” uma “organização”? Ora, só tornando-a sagrada, ou oferecendo-a para uma divindade.

 

Consagrar é um verbo transitivo direto, etimologicamente formado pelo verbo latino “sacrare” que, por sua vez, tem origem no adjetivo “sacer”, cujo significado é “sagrado”. A essência de seu significado, sua estrutura original, é, portanto, religiosa. Somente em sentido figurado esse verbo se torna reflexivo, sendo empregado para designar uma ação com afinco: dedicar-se, empregar-se, empenhar-se. Mas é impossível extrair da redação do tal “artigo 1” esse sentido figurado, porque o referido verbo ali é transitivo.

 

 E segue o mesmo artigo: “A Organização dos Estados Americanos não tem mais faculdades que aquelas expressamente conferidas por esta Carta, nenhuma de cujas disposições a autoriza a intervir em assuntos da jurisdição interna dos Estados membros”.

 

Ora, seria necessário chover no molhado, afirmando que a OEA “não tem mais faculdades” senão as expressas na referida Carta? Para que serviria a Carta se cada país signatário pudesse fazer e valer o que desse no bestunto de seus governantes?

 

Na verdade, a OEA não passa de um Clube de Estados, destinado à proteção dos “direitos” dos Estados membros, entre os quais se ressalta a soberania. E é por isso que, na parte final do seu “Artigo 1”, a Carta deixa claro que nenhuma de suas disposições “a autoriza a intervir em assuntos da jurisdição interna dos Estados membros”.

 

Isso, minha gente, quer dizer que, se em algum Estado membro, há funcionários de alto coturno, com um furo no cérebro, lhe permitindo vasar, por entre as nádegas, decisões absurdas, ordens que violam direitos fundamentais dos cidadãos, a OEA só faz teatro.

 

Viram o quanto estavam enganados os que pensavam que o colombiano aquele viria fazer e acontecer?

 

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

 

HARMONIA ENTRE COCHICHOS

A foto publicada no Estadão é o retrato do descalabro institucional em que foi mergulhado o país. Barroso e Lula: os ombros de um e de outro se roçando, as respectivas cabeças separadas por milímetros, ambos com as mãos na frente da boca, para fugirem à leitura labial.

Nem haveria necessidade dessa última providência, porque o povo não fala o idioma que os dois dominam perfeitamente: o enrolês. Mas que segredos trocavam essas figuras? O que é que eles falavam, que o povo não pode saber?

Ah, sim, nenhum dos dois domina o latim. E por não conhecerem o idioma de Cícero, ignoram o sentido da palavra “república”. Eles não sabem que o vocábulo república é formado pela junção do substantivo latino “re” ao adjetivo “publica”, que significa “coisa pública”. O artigo 37 da Constituição ordena o respeito à coisa pública com esse substantivo: publicidade.

Em magnífico artigo publicado no Estadão, o não menos magnífico J. R. Guzzo encara jocosamente a patacoada governamental: “o Presidente do Supremo Tribunal Federal, José Roberto Barroso, convidou o presidente da República e mais um lote de gatos gordos do seu governo para um jantar entre eles. Nenhum membro do Congresso Nacional foi convidado. Você então – nem pensar - seu papel se limita, como sempre, a pagar a conta”.

Então ficamos sabendo apenas que Judiciário e Executivo se reuniram numa esplêndida comezaina, a ser paga pelo povo, mas sem o povo. Sem o povo propriamente dito e sem o povo representado por deputados e senadores. Um regabofes nada democrático, um acinte à indigente realidade social brasileira.

Ao estabelecer, no artigo 1º, os fundamentos do Estado Democrático de Direito da República Federativa do Brasil, a Constituição é claríssima, no parágrafo único: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente...”

 

Sem a participação do povo diretamente, ou através de seus representantes, qualquer reunião de figuras políticas não passará de conversa fiada, cochichos de compadrio, quando não uma fusão combustível dos apetites pelo poder. Mas o povo não paga impostos para patrocinar conversas fiadas. Pior ainda, quando figuras públicas, participantes de convescotes desse tipo, escondem suas palavras com a mão na frente da boca. E mais, sendo independentes por ordem constitucional, Legislativo, Executivo e Judiciário não têm autorização legal para tratar assuntos de governo em conjunto. No verdadeiro Estado Democrático de Direito, cada Poder deve exercer suas funções de conformidade com as atribuições que lhe são conferidas pela Constituição.

 

A Constituição tem duas finalidades: estruturar juridicamente o Estado e instituir, perante esse, os direitos dos cidadãos. Sua natureza jurídica é, portanto, de Direito Público, devendo seguir a ordem do axioma latino “jus publicum privatorum pactis mutari non quit”.  O Direito Público não pode ser mudado por pactos privados, nem por conversas fiadas.

 

O Lula, que não sabe bulhufas de Direito e pensa que só o gogó resolve tudo, vá lá. Mas, quem se alcandora nos galhos mais altos do Judiciário deveria conhecer um mínimo de hermenêutica constitucional.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2025

 

DO LOBO FRONTAL

Do juiz, mais do que de qualquer outro servidor que exerça funções estatais, o mínimo que se pode esperar é que seu lobo frontal esteja em perfeito funcionamento.

Como se sabe, o lobo frontal, por estar associado às funções cognitivas superiores, é o responsável, entre outras funções, pela linguagem, pela tomada de decisões, que envolvem planejamento, motivação e atenção. São esses atributos que revelam a personalidade. E da personalidade do juiz depende, mais do que de outros fatores, a confiança na Justiça.

A reserva, a sobriedade, a circunspecção são virtudes, são qualidades que conduzem à serenidade determinada aos juízes, pelo art. 35 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, quando aplicarem o Direito. E em que consiste a serenidade? Mais do que uma simples anestesia emocional, a serenidade, nesse caso, outra coisa não é, senão o ajuste entre os instintos animais do homem e a excelência do cargo por ele exercido. E é por isso que a mesma Lei, no mesmo artigo, exige dos juízes “conduta irrepreensível na vida pública, como na vida privada”.

Não se exige que os juízes sejam criaturas perfeitas, imunes aos defeitos que comprometem a personalidade dos animais humanos. O que exige a natureza do cargo, no qual eles foram investidos, é um constante exercício de domínio dessas fraquezas, enquanto estiverem debruçados sobre os problemas confiados à sua decisão. E que eles, levados pela circunspecção, não permitam que suas opiniões saiam fora do lugar onde foram lançados os problemas: os autos do processo.

 Mas, quando certos homens, tomados como presa pelos desajustes do seu ego, recebem as chaves do poder, é impossível encontrar neles as virtudes e qualidades que o cargo de juiz exige. São capazes de ser dominados pela loucura de dominar o mundo, manipulando consciências, sem levar em conta a diversidade dos animais humanos, as tendências pessoais de cada um. Serão incapazes de entender as lições do Gênesis, onde está muito claro que nem todos os homens são iguais: Abel era virtuoso, Caim, um delinquente nato. E ambos eram filhos dos mesmos pais, Adão e Eva, cujo pecado fora unicamente a desobediência, que efeito outro não teve, senão mostrar que quem os havia criado não era dono de um poder absoluto, cuja vontade era bastante para que todos a ela se submetessem.

A Constituição é chamada Lei Maior porque, para tornar possível a convivência social, é necessário estabelecer uma linha de princípios. A Constituição brasileira é clara no seu preâmbulo, ao afirmar os objetivos que a impelem: “assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social”,,,

Os primeiros mandamentos a que deve obediência o juiz, são os direitos do cidadão perante o Estado, alinhados no preâmbulo da Constituição. Se desrespeitar esses direitos e contraditoriamente exigir “respeito às instituições”, o problema está no seu lobo frontal. E a solução só pode ser encontrada em consultório psiquiátrico.

 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

 

RETRATO FALADO

A velha imprensa não abandona os hábitos que definem sua idade. Talvez o vocábulo “hábitos” não seja o substantivo perfeito, apropriado para definir certos comportamentos, menos arraigados por virtude do que por interesses ou necessidades. Mas, vá lá, hábitos. Afinal, a sabedoria popular recolhe ensinamentos da convivência social e os transforma em provérbios. Já diziam os romanos: manus manum lavat, ou jocosamente, asinus asinum fricat. Quer um, quer outro desses sábios provérbios populares, uma mão lava a outra, um burro coça outro burro, têm como fonte a troca de favores que é comum nas relações sociais.

Na edição do dia 29, ocupou a coluna “Direto da Redação” da ZH o senhor Antônio Carlos Macedo, que ali, usando o menoscabo como método, assolou uma personalidade.

“O megalomaníaco se julga dono da verdade. Ele rejeita críticas e opiniões sinceras, preferindo cercar-se de apoiadores incondicionais, os populares puxa-sacos. Vozes dissidentes são descartadas porque acredita na infalibilidade de suas ideias e planos. A arrogância e a prepotência são traços marcantes dessa gente, que também não hesita em recorrer à mentira na falta de fatos que justifiquem suas atitudes. Uma pessoa com tais características é perigosa e pouco confiável em qualquer ambiente”...

Qualquer brasileiro atento aos noticiários políticos e – porque não dizer? – aos comentários das redes sociais, não deixaria de ver, no texto de Antônio Carlos Macedo, o retrato do Lula, uma radiografia fidelíssima da personalidade de Luiz Inácio Lula da Silva, o atual governante do país.

Só não enxerga o Lula nesse retrato falado, quem já perdeu a capacidade de reagir aos estímulos lógicos, ou quem se entrega, por devoção, à sociedade secreta dos políticos corruptos, ou dos debiloides que se embriagam com o poder.

Ou alguém, neste Brasil, se julgará mais dono da verdade do que ele, o egocêntrico autor dos direitos autorais da frase “nunca, na história deste país...”? Alguém, alguma vez, ouviu do próprio Lula uma confissão de erro? Alguém, alguma vez, teve a oportunidade de ouvir dele, alguma retratação, admitindo engano, para evitar a mentira? Alguém, alguma vez, ouviu dele algum argumento forte e aceitável para justificar “suas atitudes”? Haverá alguém que, não fazendo parte do seu cordão de puxa-sacos, acredite “na infalibilidade de suas ideias”?

Enfim, nada, nenhuma qualificação, nenhum dos atributos que circulam pelo texto intitulado “Mau Exemplo” é estranho à personalidade do Lula. Tamanha evidência obrigou o articulista a tirar o do Lula da reta: “estou falando de Donald Trump”.

Não poderia ser diferente. A velha imprensa não usaria diatribe tão venenosa para mostrar que o país está sendo governado por “uma pessoa perigosa e pouco confiável em qualquer ambiente”. Então, mais uma vez, sobrou para o Trump um julgamento sumário, irrecorrível, mais um dos vários, a que ele foi submetido pela imprensa amiga do Lula.

Haveria outro propósito, nesse doesto que verte aversão e repulsa aos borbotões, a não ser a demonstração de fidelidade ao governo atual, lhe emprestando, em tom subserviente, uma aterradora voz de trovão, que as relações diplomáticas internacionais não permitem?

 

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

 

ELOGIOS BARATOS

O Estadão teceu uma coroa de louvores ao senhor Luiz Fachin, lhe atribuindo postura judicial essencialmente ética. Numa manifestação, o ministro teria ornado com retórica uma advertência supostamente dirigida a seus pares: “ao Direito o que é do Direito; à política o que é da política. É a filosofia do óbvio, própria para o consumo de plateias que guardam pouca intimidade com a erudição. No caso, são belos dizeres no conteúdo, mas absolutamente destoantes da obra de quem os proferiu. Diante delas não há quem não se lembre de um velho ditado: “façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço.”

Foi Fachin que, armando a seu jeito um artifício jurídico, preparou a volta do Lula para a política, donde esse, por força de sentença condenatória, havia sido ejetado. Fachin usou o avesso do Direito de tal modo, que a operação acabou botando Lula na disputa eleitoral.

Se conhecesse as lições do Direito Romano, que definem o Direito como “suum cuique tribuere”, Luiz Fachin teria dado realmente a cada um o que é seu: o Direito ao Direito; a política à política.

Mas, não foi o que aconteceu. Graças a um amálgama, que lembra mistura de urtiga com violeta, Fachin e sete de seus pares mudaram a história. Sim, oito ministros do STF, que se inflam à primeira grandeza de mestres do Direito, ignoraram solenemente o ABC das normas processuais penais às quais se submetem o instituto do Habeas Corpus e a exceção de incompetência. Então, declarando a incompetência do juizado de Curitiba, anularam os atos decisórios do processo a que lá respondia o Lula, incluindo a sentença condenatória, evidentemente. Em outras palavras: puxaram o Lula para fora do arrastão da Lava Jato, conduzida pelo então juiz Sérgio Moro.

Assim reza o artigo 111 do Código de Processo Penal: “As exceções serão processadas em autos apartados e não suspenderão, em regra, o andamento da ação penal”.

Isso quer dizer que a arguição de incompetência do juízo, sendo uma exceção, não se mistura com o conteúdo principal do processo, o mérito. Então ela deve ser julgada em separado, com todos seus trâmites independentes, inclusive os recursos.

A conclusão é extremamente simples: a incompetência só pode ser declarada por sentença no próprio processo e não em outro procedimento.

Há duas espécies de incompetência: a absoluta e a relativa. A primeira se torna indiscutível pela obviedade. Por exemplo, um juízo criminal julgando causando trabalhista. Já a incompetência relativa não é óbvia: ele depende de provas, exames, discussões, que demonstrarão qual, entre dois ou mais juízos, é o competente para a matéria.

Jamais a questão de incompetência relativa poderá ser resolvida mediante habeas corpus, porque nesse instituto só cabe exame de direito líquido e certo. A incompetência no processo do Lula era relativa, porque envolvia controvérsia sobre dois juízos: o de Curitiba e o de Brasília. O habeas corpus não era o lugar próprio para decidir o Direito. Ou seja, não foi dado ao Direito o que era dele,

 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

 

         EXPLICANDO O INEXPLICÁVEL

Na primeira infância, não há criança que, recriminada por algum mal feito, reconheça prontamente o erro e dê a mão à palmatória. Se houver, será uma raríssima exceção, porque a criança, que ainda não consegue raciocinar, obedece unicamente à lógica dos sentimentos. Quer dizer, são os sentimentos que lhe ditam todas e quaisquer respostas, quando inquirida ou instada a falar, expondo razões.

Bem servido foi, com tais pensamentos, o humor de quem leu, no Estadão, um artigo da lavra de Luís Roberto Barroso, intitulado “O STF que o Estadão não mostra”.

Para quem não sabe, ou não se lembra, o autor é o atual presidente do STF. Pois, o que aconteceu foi exatamente isso: recriminado o referido tribunal em vários editoriais do Estadão, mercê de atitudes, pronunciamentos ou decisões que soam mal, quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista da deontologia judiciária, veio a público o senhor Barroso dar suas explicações, em nome da instituição por ele presidida.

No espaço deixado pela escassez de razões, sobram sentimentos. O primeiro deles é o da injustiça, estampado no título do artigo “O STF que o Estadão não mostra”, e esclarecido pela queixa de que “não é justo criticar o Tribunal por aplicar a Constituição”.

Ora, o STF foi criticado por se desgarrar da Constituição, reivindicando papéis no melodrama político e social. E não são críticas genéricas, mas consubstanciadas em fatos amplamente conhecidos. Um dos muitos fatos conhecidos, e alvo das mais duras críticas, foi a imposição de uso de câmeras na farda de policiais. E a desculpa do Barroso se esfarrapou assim: “há quem ache que a violência policial descontrolada contra populações pobres é uma boa política de segurança pública. Mas não é o que está na Constituição”.

Nem podia estar na Constituição. A Constituição se limita a definir a competência da polícia. Abusos e violência são questões atinentes às leis penais. Se “não está na Constituição”, compete ao Legislativo, e não ao STF, a criação de normas de segurança. O Estadão criticou o STF pelo que ele não fez: zelar pela Constituição.

Ninguém conseguirá conter o riso, fustigado pelo deslumbre do senhor Barroso, que força a lembrança dos bons tempos de criança: “somos o tribunal mais transparente do mundo”. Quem se lembrar da madrasta da Branca de Neve, certamente adotará essa versão: espelho, espelho meu, haverá no mundo algum tribunal mais transparente do que eu?

O ministro quer aplausos. Mas, quem merece aplausos é o artista, que demonstra habilidade na execução da arte. Funcionário público não é artista. Não merece aplauso só por cumprir seu dever. O STF sofreu e sofre críticas por se ter refugiado na sombria ambivalência de legislador e juiz, usando o Direito para animar uma coreografia política. O dever do juiz é julgar, simplesmente julgar, adstrito à sua competência funcional, que não é fazer o bem, e muito menos o mal, como deixar morrer à míngua prisioneiros que estão sob sua custódia e que têm o direito fundamental à vida...

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

 

RANCOR E ZELO PELA DEMOCRACIA

Energúmenos os há em toda a parte, movidos por ideias de variados gêneros: sociais, políticos, religiosos, etc. Nisso se incluem sentimentos de natureza lúdica, como futebol, basquete, corridas automobilísticas, arte cinematográfica, novelas, e por aí vai. 

Nos últimos dias esse fanatismo apareceu em noticiários, crônicas, editoriais, a partir da premiação artística obtida por uma senhora chamada Fernanda Torres. Pelas manifestações se depreende que essa senhora é uma atriz cinematográfica. Certamente é muito conhecida por quem, não tendo domínio de leitura corrente para acompanhar legendas, prefere assistir a filmes brasileiros e novelas da Globo.

E, por falar nisso, a própria Globo acha que a premiação da atriz empolgou o país, como se fosse uma taça de campeão de futebol do mundo. Mas, se tudo se limitasse a essa idolatria, que nada representa e em nada corresponde às verdadeiras necessidades do povo brasileiro, tudo se desculparia por conta do elevado número de analfabetos funcionais neste país.

A imprensa carunchada, amamentada nas tetas do governo da hora, depois de consultar seu repertório de mágoas, laureou dona Fernanda como heroína da democracia. Acontece que, segundo dizem, o tal filme, fonte do prêmio, não passa de romanceada narrativa de fatos ocorridos na época do regime militar, em tempos idos.

Para Rosane de Oliveira, colunista de Zero Hora, “o retrato de uma família destroçada pelo arbítrio mostra o quanto é degradante para uma sociedade a supressão da democracia”. Mas essa afirmação serve como premissa para uma conclusão capenga. “Defender o arbítrio – diz a colunista - não é uma inocente manifestação de liberdade de expressão. É na verdade um crime passível de responsabilização penal, principalmente quando o equivocado posicionamento deriva para ações violentas como a invasão às sedes dos três poderes da República ocorrida em janeiro de 2023.”

Eliane Cantanhede, do Estadão, afina pelo mesmo diapasão: “Prêmio de Fernanda Torres a 3 dias do 2º ano do 8 de janeiro é um troféu à democracia”. E exalta a premiada atriz por “trazer o troféu justamente três dias antes de o (sic) aterrorizante 8 de janeiro de 2023 completar dois anos”.

Diz Cantanhede que “a PGR se prepara para denunciar quem e o que for denunciável, e o Supremo para julgar e punir”... E isso posto, conclui que “as instituições estão a postos para defender a democracia dentro da ordem e da legalidade”.

Dona Fernanda poderia ser elogiada sem alusões absurdas. Atores do “aterrorizante 8 de janeiro” acusados de “ações violentas” (faxineira com o rosário na mão, morador de rua, vendedor de algodão doce, manicure armada com pincel de batom) foram convocados pelo destino, sem direito a prêmios, para desempenharem papéis num processo penal instaurado com denúncia coletiva, direcionado para lotes humanos, sem o direito fundamental da individualização da pena. Longe de interpretar a “ordem e a legalidade”, determinadas na Constituição e no Código de Processo Penal, é um feito judicial contaminado por obscenidades processuais, jamais tratadas na história do direito brasileiro. Uma obra feita a capricho para figurar na Antologia da Infâmia.

 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

 

        A CONSTITUIÇÃO E O IDIOMA VIOLADOS

O problema do senhor Dias Toffoli é o seguinte: na expressão racional, ele se engasga com vocábulos e com a gramática do único idioma que lhe permite falar.

A crônica intitulada “O Repetente Piorou”, da lavra de Augusto Nunes na Revista Oeste, é uma verdadeira obra de arte literária, exprobrando o desastre linguístico e discursivo daquele senhor que, graças ao notório saber jurídico do Luiz Inácio da Silva, se tornou ministro do STF.

Para não dizerem que o brilhante jornalista exagerou na tinta, ele transcreve literalmente o palavrório que a língua do Toffoli expeliu, ao votar na questão da constitucionalidade do art. 19 da Lei do Marco Civil: “Esse caso, como todos sabem, mas para aqueles que desconhecem, que estão nos ouvindo, envolveu um editor que foi condenado por crime de racismo por divulgar livros de teor antissemita contra os judeus”.

Para quem conhece a gramática da língua portuguesa, a leitura desse ajuntamento de palavras, a partir da conjunção “mas”, dói nos ouvidos como um si bemol desafinado. A pobre conjunção está perdida na selva da inconsequente loquacidade do ministro: foi despida das funções que a gramática lhe atribui.

A partir dessa agressão à gramática, evidentemente, o palavreado do Toffoli não poderia ter desembocado em conclusão lógica, decorrente de científico silogismo jurídico. Principalmente depois de dar um puxão mais para baixo no seu nível de cultura, ao definir o transporte ferroviário como “meio de comunicação”...

O “caso do editor”, por ele citado, é exatamente a premissa que tira todo o vigor de sua conclusão, à luz da Constituição de 1988, que, no art. 5º, inc. IX, veda a censura. Se o editor foi punido pelo crime de racismo, cumpriu-se, rigorosamente, a ordem jurídica com a aplicação da lei penal. Como se tratava de recurso penal, o STF não poderia ter invocado “limites da liberdade de expressão” para condenar o recorrente. Se o fez, uma hermenêutica tão indigente não pode servir como didática. Além disso, a Lei do Marco Civil da Internet, que reforçou a vedação da censura prevista na Constituição, ainda não existia.

Assim reza o art. 19 da Lei acima referida: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário”.

Onde está a “inconstitucionalidade” desse artigo, que tem como finalidade precípua garantir a liberdade de expressão e impedir a censura? Nele estão claros não só o enunciado verbal, como o espírito da Constituição, que estabelece como “fundamental” o direito de expressão.

Numa hora dessas é que se constata quão indispensáveis são o domínio da linguagem e alguns conhecimentos perfuntórios de dialética, para que a indigência de regras discursivas não se homizie no poder.