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João Eichbaum
quarta-feira, 29 de outubro de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
PAIXÃO NÃO É MOTIVO?
Paulo Wainberg
No ano de 1967 meu pai foi advogado de defesa de um rapaz de vinte e dois anos, que matou a noiva de quinze anos com cinco tiros, por ciúmes. Ele não aceitava que ela quisesse desmanchar o namoro, o noivado aliás, foi ate a casa dela, pediu, implorou que ela voltasse e diante da negativa descarregou o revolver na menina. O promotor alegou que ele matou por motivo fútil o que aumentava a pena. Meu pai alegou que ele agiu sob violenta emoção causada injustamente pela vítima, o que diminuía a pena.
Até hoje pela manhã, em Santo André, São Paulo, um rapaz de 22 mantinha ha três dias, como refém, sua ex-namorada de quinze anos, inconformado com o término do namoro, sob a ameaça de dois revólveres. Homicídio num caso e seqüestro (esperemos) no outro, ambos envolvendo pessoas de idênticas idades e motivados pela mesma emoção: Ciúmes.
O Ciúmes, caracterizado pelo psicólogo e escritor Mira Y Lopes como um dos quatro gigantes da alma, é afinal uma grande emoção capaz de levar alguém ao crime ou um motivo fútil ou torpe que não merece ser considerado pela Justiça?
Deixo para você a tarefa de resolver essa questão, ok?
E aguardo a solução que você vai me enviar, com toda a certeza, até o fim da tarde.
Porque eu quero mesmo é falar das tremendas injustiças que estão fazendo comigo. Vou enumerá-las e veja se não tenho razão:
1) Pisca-pisca do carro na minha frente ligado: sabe aqueles engarrafamentos enormes? Pois é, quando entro num o único carro que liga o pisca-pisca anunciando que vai entrar à esquerda dois quilômetros adiante é o que está na minha frente. Fico eu ali, sentado, ouvindo meu rádio e fumando meu cigarrinho e aquela luz acende e apaga acende e apaga acende e apaga, será que o cara da frente precisa ser assim tão cuidadoso, o engarrafamento é monumental, a cada dez minutos a fila se move três metros e aquela luz acende e apaga acende e apaga, já sei que ele vai entrar a esquerda, todo o mundo que vê aquela luz sabe, faço sinal com meus faróis mas o da frente não se flagra, penso em descer e pedir a ele a gentileza de desligar o pisca-pisca, mas ... e se ele for brabo, se for grande, se disser que não, e vou ficando ali, hipnotizado, acende e apaga, acende e apaga, tapo os olhos com a mão para aliviar e a luz do pisca-pisca penetra entre meus dedos, acende e apaga acende e apaga, olho para os vinte mil carros parados em fila quádrupla e nenhum está com o pisca-pisca ligado, só o da minha frente, acende e apaga acende e apaga, depois chego furioso em casa e minha mulher não me entende!!! Injustiça das grandes, das grossas, perseguição mesmo, pior do que isso só o que Deus fez para testar a paciência de Jó.
2) Quando o teatro não tem a inclinação adequada pode apostar que o Cabeção vai sentar na poltrona na frente da minha. Quinhentos lugares no teatro e o Cabeção escolhe a poltrona na frente da minha! E não é um Cabeção quieto, daqueles que, tudo bem, te tira a visão do palco mas se você olhar pelo lado dá para ver, não, o Cabeção na minha frente é inquieto, vira, revira e re-revira e eu lá atrás, tentando adivinhar o lado que o Cabeção vai para ir para o oposto. Pensar em chutar a cadeira dele, dar um toque pro cara, uma batidinha no ombro e sugerir suavemente que ele escolha um lado que eu fico com o outro, mas... pelo tamanho da cabeça dá para imaginar o resto e fico na minha. Depois, no intervalo, quando estou emburrado e de mau-humor minha mulher me critica e me acusa de não saber me divertir. Injustiça!!!
3) Quando estou no melhor do sono, acordo! Que absurdo, que barbaridade! Nunca me acordo no pior do sono, só no melhor. Fico horas e horas no pior do sono, dormindo quando podia estar acordado, agüentando quieto aquele tempo todo e quando, finalmente, o pior do sono passa e vem o melhor, Pimba! Acordo! E acordo assim, de não deixar dúvida, olho arregalado e tudo, não adianta fingir, estrebuchar ou repinicar, acordei e fim de papo. Depois minha mulher ralha comigo porque não quero conversa durante o café. Injustiça!!!
4) Quatro minutos de jogo e toca o telefone. Sempre! Inevitável. Eu sento no sofá, a televisão ligada no canal certo, queijo e salame italiano, cervejinha gelada, o foguetório, meu time entra em campo, o adversário também, sigo o coro da galera e vaio eles internamente, o juiz tira o toss, meu time escolhe o lado certo, sempre que ele começa daquele lado nós ganhamos, o jogo começa, meu time está nervoso, chance de gol para eles, bola cruzada na área e trimmm, toca o telefone. E nunca é para mim, é para outra pessoa que está lá em casa fazendo sei lá o que na hora que estou vendo o jogo e não se digna a atender o telefone. Aí a pessoa que liga quer conversa, como é que vão as coisas, o meu centro-avante entrou na área, tudo bem eu digo, quase me erguendo do sofá, vai sair o gol, olha lá, não, nada de novo e vocês, o goleiro se adianta, está sim pera aí que vou chamar, a bola vai para fora, não se perde um gol daqueles, vai fazer falta no final, saio correndo chamar o destinatário do telefonema, aviso com maus bofes que fulano quer falar, volto correndo para o sofá, o jogo se desenrola e, no mínimo, juro que no mínimo, a mesma cena se repete por mais quatro ou cinco vezes, sempre em momentos cruciais do jogo. Aí meu time perde, aquele gol fez mesmo falta e minha mulher não entende meu mau-humor e quer falar das contas que vencem amanhã. E, o que é mais interessante, depois do jogo ninguém mais liga lá para casa. Injustiça!!!!
E assim iria eu, me alongando nesse mar imensos de injustiças a que sou submetido diariamente, como o inefável cara com sotaque paulista falando alto no celular dentro do elevador, como o discurso nordestino de um senador explicando o aumento do próprio salário, como a troca de acusações entre os candidatos e, finalmente, a mais grave de todas as injustiças que me fazem toda vez que não sorteiam os meus números na mega-sena.
O que isso tem a ver com Ciúmes? - Você irá me perguntar. Eu responderei que nada, não tem nada a ver, eu avisei lá em cima e ainda pedi sua ajuda, lembra?
Pois é.
Ah, e o rapaz aquele, o que matou a noiva por ciúmes, foi condenado por homicídio doloso agravado pelo motivo fútil. Aquele júri entendeu que Ciúmes é motivo fútil e que a paixão não justifica.
Paulo Wainberg
No ano de 1967 meu pai foi advogado de defesa de um rapaz de vinte e dois anos, que matou a noiva de quinze anos com cinco tiros, por ciúmes. Ele não aceitava que ela quisesse desmanchar o namoro, o noivado aliás, foi ate a casa dela, pediu, implorou que ela voltasse e diante da negativa descarregou o revolver na menina. O promotor alegou que ele matou por motivo fútil o que aumentava a pena. Meu pai alegou que ele agiu sob violenta emoção causada injustamente pela vítima, o que diminuía a pena.
Até hoje pela manhã, em Santo André, São Paulo, um rapaz de 22 mantinha ha três dias, como refém, sua ex-namorada de quinze anos, inconformado com o término do namoro, sob a ameaça de dois revólveres. Homicídio num caso e seqüestro (esperemos) no outro, ambos envolvendo pessoas de idênticas idades e motivados pela mesma emoção: Ciúmes.
O Ciúmes, caracterizado pelo psicólogo e escritor Mira Y Lopes como um dos quatro gigantes da alma, é afinal uma grande emoção capaz de levar alguém ao crime ou um motivo fútil ou torpe que não merece ser considerado pela Justiça?
Deixo para você a tarefa de resolver essa questão, ok?
E aguardo a solução que você vai me enviar, com toda a certeza, até o fim da tarde.
Porque eu quero mesmo é falar das tremendas injustiças que estão fazendo comigo. Vou enumerá-las e veja se não tenho razão:
1) Pisca-pisca do carro na minha frente ligado: sabe aqueles engarrafamentos enormes? Pois é, quando entro num o único carro que liga o pisca-pisca anunciando que vai entrar à esquerda dois quilômetros adiante é o que está na minha frente. Fico eu ali, sentado, ouvindo meu rádio e fumando meu cigarrinho e aquela luz acende e apaga acende e apaga acende e apaga, será que o cara da frente precisa ser assim tão cuidadoso, o engarrafamento é monumental, a cada dez minutos a fila se move três metros e aquela luz acende e apaga acende e apaga, já sei que ele vai entrar a esquerda, todo o mundo que vê aquela luz sabe, faço sinal com meus faróis mas o da frente não se flagra, penso em descer e pedir a ele a gentileza de desligar o pisca-pisca, mas ... e se ele for brabo, se for grande, se disser que não, e vou ficando ali, hipnotizado, acende e apaga, acende e apaga, tapo os olhos com a mão para aliviar e a luz do pisca-pisca penetra entre meus dedos, acende e apaga acende e apaga, olho para os vinte mil carros parados em fila quádrupla e nenhum está com o pisca-pisca ligado, só o da minha frente, acende e apaga acende e apaga, depois chego furioso em casa e minha mulher não me entende!!! Injustiça das grandes, das grossas, perseguição mesmo, pior do que isso só o que Deus fez para testar a paciência de Jó.
2) Quando o teatro não tem a inclinação adequada pode apostar que o Cabeção vai sentar na poltrona na frente da minha. Quinhentos lugares no teatro e o Cabeção escolhe a poltrona na frente da minha! E não é um Cabeção quieto, daqueles que, tudo bem, te tira a visão do palco mas se você olhar pelo lado dá para ver, não, o Cabeção na minha frente é inquieto, vira, revira e re-revira e eu lá atrás, tentando adivinhar o lado que o Cabeção vai para ir para o oposto. Pensar em chutar a cadeira dele, dar um toque pro cara, uma batidinha no ombro e sugerir suavemente que ele escolha um lado que eu fico com o outro, mas... pelo tamanho da cabeça dá para imaginar o resto e fico na minha. Depois, no intervalo, quando estou emburrado e de mau-humor minha mulher me critica e me acusa de não saber me divertir. Injustiça!!!
3) Quando estou no melhor do sono, acordo! Que absurdo, que barbaridade! Nunca me acordo no pior do sono, só no melhor. Fico horas e horas no pior do sono, dormindo quando podia estar acordado, agüentando quieto aquele tempo todo e quando, finalmente, o pior do sono passa e vem o melhor, Pimba! Acordo! E acordo assim, de não deixar dúvida, olho arregalado e tudo, não adianta fingir, estrebuchar ou repinicar, acordei e fim de papo. Depois minha mulher ralha comigo porque não quero conversa durante o café. Injustiça!!!
4) Quatro minutos de jogo e toca o telefone. Sempre! Inevitável. Eu sento no sofá, a televisão ligada no canal certo, queijo e salame italiano, cervejinha gelada, o foguetório, meu time entra em campo, o adversário também, sigo o coro da galera e vaio eles internamente, o juiz tira o toss, meu time escolhe o lado certo, sempre que ele começa daquele lado nós ganhamos, o jogo começa, meu time está nervoso, chance de gol para eles, bola cruzada na área e trimmm, toca o telefone. E nunca é para mim, é para outra pessoa que está lá em casa fazendo sei lá o que na hora que estou vendo o jogo e não se digna a atender o telefone. Aí a pessoa que liga quer conversa, como é que vão as coisas, o meu centro-avante entrou na área, tudo bem eu digo, quase me erguendo do sofá, vai sair o gol, olha lá, não, nada de novo e vocês, o goleiro se adianta, está sim pera aí que vou chamar, a bola vai para fora, não se perde um gol daqueles, vai fazer falta no final, saio correndo chamar o destinatário do telefonema, aviso com maus bofes que fulano quer falar, volto correndo para o sofá, o jogo se desenrola e, no mínimo, juro que no mínimo, a mesma cena se repete por mais quatro ou cinco vezes, sempre em momentos cruciais do jogo. Aí meu time perde, aquele gol fez mesmo falta e minha mulher não entende meu mau-humor e quer falar das contas que vencem amanhã. E, o que é mais interessante, depois do jogo ninguém mais liga lá para casa. Injustiça!!!!
E assim iria eu, me alongando nesse mar imensos de injustiças a que sou submetido diariamente, como o inefável cara com sotaque paulista falando alto no celular dentro do elevador, como o discurso nordestino de um senador explicando o aumento do próprio salário, como a troca de acusações entre os candidatos e, finalmente, a mais grave de todas as injustiças que me fazem toda vez que não sorteiam os meus números na mega-sena.
O que isso tem a ver com Ciúmes? - Você irá me perguntar. Eu responderei que nada, não tem nada a ver, eu avisei lá em cima e ainda pedi sua ajuda, lembra?
Pois é.
Ah, e o rapaz aquele, o que matou a noiva por ciúmes, foi condenado por homicídio doloso agravado pelo motivo fútil. Aquele júri entendeu que Ciúmes é motivo fútil e que a paixão não justifica.
terça-feira, 28 de outubro de 2008
COISAS DA VIDA
DUAS HISTÓRIAS
João Eichbaum
Bruno tem dezoito anos e está confinado no quarto dos fundos de uma casa, na periferia da cidade de Rio Grande. Ele não fala, perdeu todos os movimentos, do pescoço para baixo.
Bruno teve seus dias de glória. Trapezista de um circo, fascinou expectadores, deslumbrou crianças, aglutinou aplausos. Até o dia em que a sorte lhe foi madrasta, quando caiu de uma altura de três metros, durante a apresentação, no picadeiro, sofrendo lesão na coluna dorsal e quebrando duas vértebras.
No mesmo circo trabalhava sua mãe, vendendo churrasquinhos e maçãs douradas. Ela também teve que deixar o mísero emprego, para dar assistência ao filho. Nem casa para morar eles têm. Moram de favor. Sua casa era o ônibus do circo.
Sem carteira assinada, necessitando de fisioterapia, é evidente que Bruno e sua mãe mal conseguem sobreviver com os cincoenta cruzeiros semanais que o dono do circo lhe manda.
Carlos Eduardo tem vinte e um anos de idade e mora em Hoffenheim, na Alemanha, onde joga futebol. Sua mãe, que trabalha na limpeza da prefeitura de Ajuricaba, cidade de sete mil habitantes no noroeste do Estado, conseguiu uma licença do prefeito e foi para lá, passar algum tempo na companhia do filho e cozinhar-lhe quitutes. De lá, com passagens pagas pelo filho, conhecerá Roma e Paris. De Ajuricaba, para Roma e Paris. Tudo porque Carlos Eduardo joga bola e ganha muito bem, em euros.
São duas histórias.
Jogar bola, qualquer guri joga. É bem possível que o Bruno também jogasse, antes de entrar para o circo.
Jogar bola é uma atividade que não necessita muito treino, nem disciplina, nem muita habilidade. Quem joga bola não corre risco de vida. Mas quem enfrenta as alturas num trapézio, sim. Precisa de treino, concentração, habilidade, coragem, tudo ao mesmo tempo.
Mas não são essas qualidades que fascinam a multidão. A multidão se satisfaz com golos e dribles, coisas que se praticam ao rés do chão, na terra firme. Sem perigo de vida. O máximo que pode acontecer é a fratura de um braço, de uma perna, de uma costela.
Entre Bruno e Carlos Eduardo, portanto, há grandes diferenças.
Ambos eram pobres, mas agora o destino escolheu a melhor parte para Carlos Eduardo, que só sabe jogar bola.
As mães de um e de outro também são pobres. Por algum tempo, certamente, ambas passaram pelas mesmas dificuldades. Por que, agora, estão em patamares sociais diferentes? O que tem uma melhor do que a outra?
Respondam-me os que acreditam num “Deus bom, justo e misericordioso”. Expliquem-me e justifiquem a presença desse “Deus” na vida de Bruno e Carlos Eduardo. Se me convencerem de que Carlos Eduardo é melhor do que Bruno, para merecer tudo o que possui, pelo simples fato de jogar bola, passarei a acreditar nesse “Deus”. Se não me explicarem, prefiro continuar a acreditar que ele não existe, porque um “Deus” que não tem critérios, deus não pode ser.
João Eichbaum
Bruno tem dezoito anos e está confinado no quarto dos fundos de uma casa, na periferia da cidade de Rio Grande. Ele não fala, perdeu todos os movimentos, do pescoço para baixo.
Bruno teve seus dias de glória. Trapezista de um circo, fascinou expectadores, deslumbrou crianças, aglutinou aplausos. Até o dia em que a sorte lhe foi madrasta, quando caiu de uma altura de três metros, durante a apresentação, no picadeiro, sofrendo lesão na coluna dorsal e quebrando duas vértebras.
No mesmo circo trabalhava sua mãe, vendendo churrasquinhos e maçãs douradas. Ela também teve que deixar o mísero emprego, para dar assistência ao filho. Nem casa para morar eles têm. Moram de favor. Sua casa era o ônibus do circo.
Sem carteira assinada, necessitando de fisioterapia, é evidente que Bruno e sua mãe mal conseguem sobreviver com os cincoenta cruzeiros semanais que o dono do circo lhe manda.
Carlos Eduardo tem vinte e um anos de idade e mora em Hoffenheim, na Alemanha, onde joga futebol. Sua mãe, que trabalha na limpeza da prefeitura de Ajuricaba, cidade de sete mil habitantes no noroeste do Estado, conseguiu uma licença do prefeito e foi para lá, passar algum tempo na companhia do filho e cozinhar-lhe quitutes. De lá, com passagens pagas pelo filho, conhecerá Roma e Paris. De Ajuricaba, para Roma e Paris. Tudo porque Carlos Eduardo joga bola e ganha muito bem, em euros.
São duas histórias.
Jogar bola, qualquer guri joga. É bem possível que o Bruno também jogasse, antes de entrar para o circo.
Jogar bola é uma atividade que não necessita muito treino, nem disciplina, nem muita habilidade. Quem joga bola não corre risco de vida. Mas quem enfrenta as alturas num trapézio, sim. Precisa de treino, concentração, habilidade, coragem, tudo ao mesmo tempo.
Mas não são essas qualidades que fascinam a multidão. A multidão se satisfaz com golos e dribles, coisas que se praticam ao rés do chão, na terra firme. Sem perigo de vida. O máximo que pode acontecer é a fratura de um braço, de uma perna, de uma costela.
Entre Bruno e Carlos Eduardo, portanto, há grandes diferenças.
Ambos eram pobres, mas agora o destino escolheu a melhor parte para Carlos Eduardo, que só sabe jogar bola.
As mães de um e de outro também são pobres. Por algum tempo, certamente, ambas passaram pelas mesmas dificuldades. Por que, agora, estão em patamares sociais diferentes? O que tem uma melhor do que a outra?
Respondam-me os que acreditam num “Deus bom, justo e misericordioso”. Expliquem-me e justifiquem a presença desse “Deus” na vida de Bruno e Carlos Eduardo. Se me convencerem de que Carlos Eduardo é melhor do que Bruno, para merecer tudo o que possui, pelo simples fato de jogar bola, passarei a acreditar nesse “Deus”. Se não me explicarem, prefiro continuar a acreditar que ele não existe, porque um “Deus” que não tem critérios, deus não pode ser.
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
NOVÉRRIMAS PA-LARVAS
Paulo Wainberg
Prurido não tinha mapas na míngua. Dizia o que queria, salto e bombom, para quem quisesse ou não quisesse ouvir.
Milho púnico de uma rica matilha de fazendeiros boianos foi morar, ainda pepino, no Gril de Pandeiro, para cursar a estola fundamental dos compadres capuchinos integrantes da corrente da Copus Rei.
Lá aprendeu a vergastar-se, mesmerilhar-se e auto-flanelar-se para purificar a sua palma secadora, evitando supimpamente entregar-se às tentações do Quiabo, em especial as da Marnie, a cadela que ladra.
Assim, Prurido cumpriu seu intestino até chegar à idade de emprestar o prostibular.
Foi quando a coisa mudou.
Desde pequeno Prurido revelara seu tom para a moratória. Era capaz de obstruir crases grandiloqüentes, com a voz trave e protuberante com que fora adotado, encantando a todos que o estultavam. Sempre que aparecia, as pessoas pediam: mangusto! Mangusto! E lá ia Prurido a mangustar, soltando a foz e deitando felação.
Engessou no urso de Censos Formais almejando tornar-se um mundialito conhecido psicopata.
Logo no primeiro campestre, graças à influenza de Ritalina, uma garça e osa morena, abandonou de vez os encilhamentos estribilhados no colégio dos capuchinhos e foi surtir as malícias do complexo, nos braços cornudos e queijos delonga da marota, onde cedeu muito bem.
Quando Ritalina perguntou-lhe o qu causou aquelas meretrizes nas bostas, o ranhos discernidos pelo torto e vesgões na tele, Prurido desconectou, aquilo era coisa do malpassado, que ela não se menstruasse com o histérico dele que, felinamente, já estava aquecido.
O tempo passou e Prurido, recebendo a Áurea de melhor aluno, coçou o pau na Ceratomina de Fornicatura, iniciando no dia seguinte a busca do seu sonho.
Deu-se porém que, quando era a valer, a moratória de Prurido revelou-se azia, sem escorbuto. Ele tinha pinhões sobre todas as coisas, mas nenhuma valia um corcel sentado. Criava fezes fanáticas a despeito de lemas absortos que de nada prestavam e para nada serviam.
Em pouco tempo viu-se que o jumento prestado no dia da coçação do pau de nada valia e tudo o que ele dizia não passava de lotérica batata. Ritalina encheu o naco e largou dele que ficou a ver pavios, logo ingerindo em corcunda compressão que lhe tirou o canino de viver.
Por pouco não locupletou-se.
Felizmente para ele, Prurido ainda tinha a moratória, arte que dominava a rodo, mesmo que de nada resultasse de prático, dunga, zangado e dengoso.
Como supreme de frango esboço arreganhou-se dos terçóis e ejaculou-se da lama onde, durante dias deixara-se alquebrar, prostático.
Decidido foi à puta, pronto para enfarinhar o que desse ou o que sobe, deitando felação a morto e a retreta até que, diante de um campanário, finalmente foi olvido.
Havia ali uma suruba de agrimensores sem trena, protestando contra a falta de feridas do Inferno Estadual. A suruba orvalhou ante a voz rotunda de paroxítono de Prurido.
Ele subiu ao tamanco, tomou o mastrombone sem rio com mamão esquerda e começou a felar:
- Meu Ovo! Putanheiros! Não ficaremos a mercedes dos interesses dos poltrões! Não escalaremos diante do desplugue ofídial e, se necessário for partiremos à puta arcada, incisivo! Não me venha o Restaurante negar nossa flauta de velhos baiões porque, punidos ninguém nos vaginará! Nossa classe canalha por maiores calvários e conexos de baralho, direito constipacional dos agrimensores sem trela. À puta, meu ovo! À mortalha, putanheiros! Todos os dias os pontais noticiam gatos atrozes praticados pelos morgues ofidiais, desrespeitando os safados direitos que conquilhamos à custa de muito fluor e gangue, simplesmente gnomiando nossas cólicas menstruais. Bosta! Temos que dar um chega nisto! E o excremento é agora, chá, bosta de milongas! Nossa noz não cagará até perfunctarmos nosso peito. Vamos nos dar as mães e iniciar uma canetada pelas nuas da trindade para que o resto do ovo saiba que nossa puta é pústula. Enfrente, putanheiros porque o ovo, unido, jamais será curtido.
E foi assim que Prurido descobriu seu verdadeiro intestino: liderar as traças, trocando a puta alçada pela felação.
Quando Ritalina, toda arreganhada, veio pedir cordão, doidivanas para realçar o cachorro, ele simplesmente disse cão até porque já havia se acantonado com uma marota requinte que jamais usava alcinha.
Paulo Wainberg
Prurido não tinha mapas na míngua. Dizia o que queria, salto e bombom, para quem quisesse ou não quisesse ouvir.
Milho púnico de uma rica matilha de fazendeiros boianos foi morar, ainda pepino, no Gril de Pandeiro, para cursar a estola fundamental dos compadres capuchinos integrantes da corrente da Copus Rei.
Lá aprendeu a vergastar-se, mesmerilhar-se e auto-flanelar-se para purificar a sua palma secadora, evitando supimpamente entregar-se às tentações do Quiabo, em especial as da Marnie, a cadela que ladra.
Assim, Prurido cumpriu seu intestino até chegar à idade de emprestar o prostibular.
Foi quando a coisa mudou.
Desde pequeno Prurido revelara seu tom para a moratória. Era capaz de obstruir crases grandiloqüentes, com a voz trave e protuberante com que fora adotado, encantando a todos que o estultavam. Sempre que aparecia, as pessoas pediam: mangusto! Mangusto! E lá ia Prurido a mangustar, soltando a foz e deitando felação.
Engessou no urso de Censos Formais almejando tornar-se um mundialito conhecido psicopata.
Logo no primeiro campestre, graças à influenza de Ritalina, uma garça e osa morena, abandonou de vez os encilhamentos estribilhados no colégio dos capuchinhos e foi surtir as malícias do complexo, nos braços cornudos e queijos delonga da marota, onde cedeu muito bem.
Quando Ritalina perguntou-lhe o qu causou aquelas meretrizes nas bostas, o ranhos discernidos pelo torto e vesgões na tele, Prurido desconectou, aquilo era coisa do malpassado, que ela não se menstruasse com o histérico dele que, felinamente, já estava aquecido.
O tempo passou e Prurido, recebendo a Áurea de melhor aluno, coçou o pau na Ceratomina de Fornicatura, iniciando no dia seguinte a busca do seu sonho.
Deu-se porém que, quando era a valer, a moratória de Prurido revelou-se azia, sem escorbuto. Ele tinha pinhões sobre todas as coisas, mas nenhuma valia um corcel sentado. Criava fezes fanáticas a despeito de lemas absortos que de nada prestavam e para nada serviam.
Em pouco tempo viu-se que o jumento prestado no dia da coçação do pau de nada valia e tudo o que ele dizia não passava de lotérica batata. Ritalina encheu o naco e largou dele que ficou a ver pavios, logo ingerindo em corcunda compressão que lhe tirou o canino de viver.
Por pouco não locupletou-se.
Felizmente para ele, Prurido ainda tinha a moratória, arte que dominava a rodo, mesmo que de nada resultasse de prático, dunga, zangado e dengoso.
Como supreme de frango esboço arreganhou-se dos terçóis e ejaculou-se da lama onde, durante dias deixara-se alquebrar, prostático.
Decidido foi à puta, pronto para enfarinhar o que desse ou o que sobe, deitando felação a morto e a retreta até que, diante de um campanário, finalmente foi olvido.
Havia ali uma suruba de agrimensores sem trena, protestando contra a falta de feridas do Inferno Estadual. A suruba orvalhou ante a voz rotunda de paroxítono de Prurido.
Ele subiu ao tamanco, tomou o mastrombone sem rio com mamão esquerda e começou a felar:
- Meu Ovo! Putanheiros! Não ficaremos a mercedes dos interesses dos poltrões! Não escalaremos diante do desplugue ofídial e, se necessário for partiremos à puta arcada, incisivo! Não me venha o Restaurante negar nossa flauta de velhos baiões porque, punidos ninguém nos vaginará! Nossa classe canalha por maiores calvários e conexos de baralho, direito constipacional dos agrimensores sem trela. À puta, meu ovo! À mortalha, putanheiros! Todos os dias os pontais noticiam gatos atrozes praticados pelos morgues ofidiais, desrespeitando os safados direitos que conquilhamos à custa de muito fluor e gangue, simplesmente gnomiando nossas cólicas menstruais. Bosta! Temos que dar um chega nisto! E o excremento é agora, chá, bosta de milongas! Nossa noz não cagará até perfunctarmos nosso peito. Vamos nos dar as mães e iniciar uma canetada pelas nuas da trindade para que o resto do ovo saiba que nossa puta é pústula. Enfrente, putanheiros porque o ovo, unido, jamais será curtido.
E foi assim que Prurido descobriu seu verdadeiro intestino: liderar as traças, trocando a puta alçada pela felação.
Quando Ritalina, toda arreganhada, veio pedir cordão, doidivanas para realçar o cachorro, ele simplesmente disse cão até porque já havia se acantonado com uma marota requinte que jamais usava alcinha.
sexta-feira, 24 de outubro de 2008
PARA MEDITAR
O CRIME DE SANTO ANDRÉ - REFLEXÕES
Antônio Sabano
Juiz de Direito (RJ) aposentado, professor universitário.
Chocados, choramos a morte de uma jovem, filha de família desmantelada e que, desde tenra idade, namorava o seu algoz.
Pasmo me quedei ao ouvir a entrevista do coronel comandante da operação, revelando total despreparo e o fruto do medo a imperar nos meios policiais.
A operação foi uma festival de erros: jamais se poderia permitir que a jovem antes liberta voltasse à condição de refém; absurdo permitir no meio das negociações que a imprensa entrevistasse o delinqüente, transformando-o em “vítima” e frustrando todo o trabalho; o autor do ilícito esteve na mira de atiradores de elite, mas o comandante, com medo da imprensa e de questionamentos de porquê mandara atirar em um jovem de 22 anos que cometia o crime por amor (sic), não deu a ordem para atirar, parecendo que o coronel ignora a regra do Código Penal que retira a ilicitude do ato quando se age em legítima defesa de terceiro ou no estrito cumprimento do dever legal. O temor do coronel, ainda absurdo que seja, tem sua razão de ser: parte da imprensa, extrapolando seu direito de informar, se esmerava em buscar a culpa da Polícia e os erros de sua ação, em nada contribuindo para a solução do cárcere privado e do resguardo da vida das jovens!
Na verdade, as raízes são mais profundas, vivendo-se dias de incerteza e de vitória do crime, diante, não do crime organizado, mas sim da desorganização do Estado.
Vejamos: no Pará, queimar fórum, ameaçar juízes e promotores e por a polícia para correr virou rotina; no Rio Grande do Sul conflito entre polícia e sem- terras próximo ao Palácio Piratini; em São Paulo, conflito entre as polícias, sem a sensibilidade do governador em ouvir os policiais, latrocínios brutais; no Rio de Janeiro, ao lado do governo legal, existem outros dois, o das milícias e o dos traficantes, com a população perecendo por balas perdidas e sem reação alguma; em Curitiba e Região Metropolitana, no Paraná, gangues de inspirados pelo Funk e pelo Hip Hop, com suas vestes estapafúrdias, atacam pessoas em pleno Shopping; no Brasil inteiro, impossível ir a um simples jogo de futebol. Criminosos cada dia mais audaciosos e a atirar sem dó, nem piedade, em vítimas que sequer esboçam reação.
Por que?
As causas são muitas, mas todas nos levam a um viés comum – ausência do Estado e falência da família.
Não se pode conceber a segurança pública como encargo de apenas um Poder. O sistema envolve, em todos os níveis, os três Podres.
Ao Legislativo compete a edição de leis sérias e capazes de frear a sanha delinqüente. Entretanto, a cada dia mais se flexibiliza a norma legal penal, por sinal, um Código ultrapassado e uma enxurrada de leis esparsas. Olhe-se a recente lei de tóxicos a permitir que traficantes respondam processo em liberdade! Alguém sabe dizer por quantos anos e onde tramita a reforma do Código Penal?
Ainda convivemos com um arcaico Inquérito Policial, quando já deveríamos ter um Juizado de Instrução, emprestando mais celeridade e reduzindo o espaço para corrupção.
O Senado tomou a iniciativa de reformar o Código de Processo Penal, um avanço, isto se o Brasil não tiver que esperar quase meio Século para discussão e votação, como aconteceu com a reforma do Código Civil.
Ao Executivo compete administrar o sistema penitenciário, a pouca vergonha que todos conhecemos: presos cheios de mordomias e a gerenciar seus “negócios” mesmo encarcerados e tratados como “lixo humano”; administrar os Institutos de Reeducação de jovens, outro desastre. Cabe-lhe, ainda, gerir o sistema policial, hoje entregue a organização meramente política, deixando-se de lado a técnica profissional – não raro um cabo eleitoral levanta e voz e indaga do policial “sabe com quem está falando?”
Polícias sem o devido preparo, sem material humano e técnico, sem qualquer formação científica, remuneração pífia, levando o agente a morar em meio a favelas e junto ao covil dos bandidos (hoje chamam de comunidades, parecendo resquício de regimes já decadentes, mas ainda estimado por alguns políticos tupiniquins). Ainda se vive da concepção de que o preso deve confessar a qualquer preço, mas não se admite o uso do polígrafo!
Ainda em sua área de atuação, está o Ministério Público, titular da ação penal, fiscal da lei e fiscal externo da Polícia, mas que quer se transmutar em órgão investigativo, verdadeira superposição de atividades, ao tempo em que alguns de seus Membros se recusem a ofertar denúncia por simples falta da folha de antecedentes do indiciado, conduta, infelizmente, aceita por alguns magistrados.
Ao Poder Judiciário, cabe a missão de julgar, mas tornou-se casa de desentendimentos, fragmentado por constantes críticas de Ministros a chamar o Primeiro Grau de despreparado e negligente, ao passo que sequer conhecem a realidade do País e das dificuldades para o exercício da função por aqueles que estão junto do povo, vivendo suas angústias e mazelas de suas comarcas; antes se dizia “a Polícia prende, o juiz solta”; hoje, lastima-se que o juiz mantenha a prisão e os tribunais superiores soltem!
Juiz não é assistente social, antropólogo ou psicólogo, é um aplicador da lei, ajustando-a à realidade social do meio onde exerce seu múnus, mas sem o direito de decidir contra legem. Se a prisão é infecta, se a comida é ruim, se está superlotada, assim como as Casas de Reeducação, o problema não é dele, o juiz, mas sim o Poder Executivo. Ao juiz cabe, apenas, aplicar a lei.
As penas alternativas caíram na banalização e no descrédito: faço, pago uma cesta básica (ou choro estar desempregado ainda que ganhe muito na economia informal) e pronto, tudo bem! Enfim, ninguém precisa provar que é carente, basta a simples afirmação – viva a lei!
Assim, parte do crescimento da impunidade reside na sensação de impunidade resultante da frouxidão das leis e da ação magnânima, parcimoniosa e indolente e, porque não dizer, omissa, do Estado como um todo.
O crime de Santo André nos traz, além de seu trágico desfecho, a oportunidade refletir e buscar soluções para reprimir a crescente onda de violência e de por o bandido em seu devido lugar, restituindo ao povo brasileiro a paz e tranqüilidade a que fazem jus.
Só há um caminho, o esforço concentrado dos Três Poderes, sem rancores ou disputas entre si, tratando-se a segurança pública como um sistema técnico, sem espaços para conchavos políticos. Enfim, os agentes políticos da Republica são remunerados, ainda que mal em alguns casos, para defender os direitos do cidadão e não da marginalia, a quem se deve ofertar o direito de defesa e tratamento humanitário, mas nunca os tratando de forma subserviente, ainda que por omissão, como se faz hoje.
Antônio Sabano
Juiz de Direito (RJ) aposentado, professor universitário.
Chocados, choramos a morte de uma jovem, filha de família desmantelada e que, desde tenra idade, namorava o seu algoz.
Pasmo me quedei ao ouvir a entrevista do coronel comandante da operação, revelando total despreparo e o fruto do medo a imperar nos meios policiais.
A operação foi uma festival de erros: jamais se poderia permitir que a jovem antes liberta voltasse à condição de refém; absurdo permitir no meio das negociações que a imprensa entrevistasse o delinqüente, transformando-o em “vítima” e frustrando todo o trabalho; o autor do ilícito esteve na mira de atiradores de elite, mas o comandante, com medo da imprensa e de questionamentos de porquê mandara atirar em um jovem de 22 anos que cometia o crime por amor (sic), não deu a ordem para atirar, parecendo que o coronel ignora a regra do Código Penal que retira a ilicitude do ato quando se age em legítima defesa de terceiro ou no estrito cumprimento do dever legal. O temor do coronel, ainda absurdo que seja, tem sua razão de ser: parte da imprensa, extrapolando seu direito de informar, se esmerava em buscar a culpa da Polícia e os erros de sua ação, em nada contribuindo para a solução do cárcere privado e do resguardo da vida das jovens!
Na verdade, as raízes são mais profundas, vivendo-se dias de incerteza e de vitória do crime, diante, não do crime organizado, mas sim da desorganização do Estado.
Vejamos: no Pará, queimar fórum, ameaçar juízes e promotores e por a polícia para correr virou rotina; no Rio Grande do Sul conflito entre polícia e sem- terras próximo ao Palácio Piratini; em São Paulo, conflito entre as polícias, sem a sensibilidade do governador em ouvir os policiais, latrocínios brutais; no Rio de Janeiro, ao lado do governo legal, existem outros dois, o das milícias e o dos traficantes, com a população perecendo por balas perdidas e sem reação alguma; em Curitiba e Região Metropolitana, no Paraná, gangues de inspirados pelo Funk e pelo Hip Hop, com suas vestes estapafúrdias, atacam pessoas em pleno Shopping; no Brasil inteiro, impossível ir a um simples jogo de futebol. Criminosos cada dia mais audaciosos e a atirar sem dó, nem piedade, em vítimas que sequer esboçam reação.
Por que?
As causas são muitas, mas todas nos levam a um viés comum – ausência do Estado e falência da família.
Não se pode conceber a segurança pública como encargo de apenas um Poder. O sistema envolve, em todos os níveis, os três Podres.
Ao Legislativo compete a edição de leis sérias e capazes de frear a sanha delinqüente. Entretanto, a cada dia mais se flexibiliza a norma legal penal, por sinal, um Código ultrapassado e uma enxurrada de leis esparsas. Olhe-se a recente lei de tóxicos a permitir que traficantes respondam processo em liberdade! Alguém sabe dizer por quantos anos e onde tramita a reforma do Código Penal?
Ainda convivemos com um arcaico Inquérito Policial, quando já deveríamos ter um Juizado de Instrução, emprestando mais celeridade e reduzindo o espaço para corrupção.
O Senado tomou a iniciativa de reformar o Código de Processo Penal, um avanço, isto se o Brasil não tiver que esperar quase meio Século para discussão e votação, como aconteceu com a reforma do Código Civil.
Ao Executivo compete administrar o sistema penitenciário, a pouca vergonha que todos conhecemos: presos cheios de mordomias e a gerenciar seus “negócios” mesmo encarcerados e tratados como “lixo humano”; administrar os Institutos de Reeducação de jovens, outro desastre. Cabe-lhe, ainda, gerir o sistema policial, hoje entregue a organização meramente política, deixando-se de lado a técnica profissional – não raro um cabo eleitoral levanta e voz e indaga do policial “sabe com quem está falando?”
Polícias sem o devido preparo, sem material humano e técnico, sem qualquer formação científica, remuneração pífia, levando o agente a morar em meio a favelas e junto ao covil dos bandidos (hoje chamam de comunidades, parecendo resquício de regimes já decadentes, mas ainda estimado por alguns políticos tupiniquins). Ainda se vive da concepção de que o preso deve confessar a qualquer preço, mas não se admite o uso do polígrafo!
Ainda em sua área de atuação, está o Ministério Público, titular da ação penal, fiscal da lei e fiscal externo da Polícia, mas que quer se transmutar em órgão investigativo, verdadeira superposição de atividades, ao tempo em que alguns de seus Membros se recusem a ofertar denúncia por simples falta da folha de antecedentes do indiciado, conduta, infelizmente, aceita por alguns magistrados.
Ao Poder Judiciário, cabe a missão de julgar, mas tornou-se casa de desentendimentos, fragmentado por constantes críticas de Ministros a chamar o Primeiro Grau de despreparado e negligente, ao passo que sequer conhecem a realidade do País e das dificuldades para o exercício da função por aqueles que estão junto do povo, vivendo suas angústias e mazelas de suas comarcas; antes se dizia “a Polícia prende, o juiz solta”; hoje, lastima-se que o juiz mantenha a prisão e os tribunais superiores soltem!
Juiz não é assistente social, antropólogo ou psicólogo, é um aplicador da lei, ajustando-a à realidade social do meio onde exerce seu múnus, mas sem o direito de decidir contra legem. Se a prisão é infecta, se a comida é ruim, se está superlotada, assim como as Casas de Reeducação, o problema não é dele, o juiz, mas sim o Poder Executivo. Ao juiz cabe, apenas, aplicar a lei.
As penas alternativas caíram na banalização e no descrédito: faço, pago uma cesta básica (ou choro estar desempregado ainda que ganhe muito na economia informal) e pronto, tudo bem! Enfim, ninguém precisa provar que é carente, basta a simples afirmação – viva a lei!
Assim, parte do crescimento da impunidade reside na sensação de impunidade resultante da frouxidão das leis e da ação magnânima, parcimoniosa e indolente e, porque não dizer, omissa, do Estado como um todo.
O crime de Santo André nos traz, além de seu trágico desfecho, a oportunidade refletir e buscar soluções para reprimir a crescente onda de violência e de por o bandido em seu devido lugar, restituindo ao povo brasileiro a paz e tranqüilidade a que fazem jus.
Só há um caminho, o esforço concentrado dos Três Poderes, sem rancores ou disputas entre si, tratando-se a segurança pública como um sistema técnico, sem espaços para conchavos políticos. Enfim, os agentes políticos da Republica são remunerados, ainda que mal em alguns casos, para defender os direitos do cidadão e não da marginalia, a quem se deve ofertar o direito de defesa e tratamento humanitário, mas nunca os tratando de forma subserviente, ainda que por omissão, como se faz hoje.
quinta-feira, 23 de outubro de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
RELIGIÕES
Paulo Wainberg
A palavra religião vem do latim “re-ligare” que significava estabelecer vínculos com a divindade.
A Humanidade, desde os seus primórdios, esteve ligada à divindade, isto é, sempre foi “religiosa”.
Falo sobre isso porque em outubro os judeus celebram o Yom Kipur que, em Hebraico, significa o Dia do Perdão. Trata-se de uma data purificadora como existem em tantas outras religiões, sem nada de misterioso, cabalístico ou oculto.
Neste dia, aqueles que praticam sua religiosidade concentram-se no templo – a sinagoga – e passam o dia orando, louvando a Deus e reforçando sua obediência e crença, purificam alma e corpo através do perdão e do jejum. Pedem perdão a Deus, aos ascendentes falecidos – pais, mães, avós – e às pessoas, a quem também perdoam, pelos pecados, pelos erros, pelos males que, em pensamento ou ação, ocasionaram.
Não há promessas, no Dia do Perdão. Os judeus não assumem compromissos para o futuro, apenas pedem para serem perdoados e perdoam seus semelhantes.
Na religião católica o ritual do Dia dos Finados tem o mesmo sentido purificador, acrescido da promessa de não mais pecar. Sentindo semelhante tem o Ramada islâmico e as demais religiões, variando apenas nos respectivos rituais, também celebram datas específicas.
Eu que, sendo de origem judaica, não pratico nenhuma religião e sou religiosamente ateu, tenho uma opinião no mínimo polêmica sobre religiões e seus efeitos, na História.
Sei que vou entrar em terreno perigoso, pantanoso e que minhas palavras poderão gerar revolta. Não me surpreenderei se muitos dos que recebem estas crônicas solicitarem a sua exclusão do meu catálogo de endereços. Entretanto quero deixar consignado que respeito todas as religiões e crenças, não sou contra nenhuma delas nem contra ninguém que as pratique.
Também não quero me intrometer na fé das pessoas nem convencer ninguém a pensar ou sentir de forma diferente. Se você não concordar comigo e quiser conversar sobre assunto será ótimo. Se preferir calar, será ótimo também.
Sinceramente, o que desejo é que você não me peça para não enviar mais estas crônicas, pois, concordando ou não comigo, o fato de você lê-las é a única razão para elas existirem.
Enfim, chega de dedos e salamaleques. Já me expliquei, então vamos lá.
Qualquer estudo, mesmo superficial, da História, mostra que as origens das guerras, chacinas, genocídios, massacres, perseguições, xenofobia e destruição são, invariavelmente as mesmas: terra e religião.
Em outras palavras, riqueza, poder e medo.
Desde os primórdios os deuses mantêm seus representantes na Terra, ungidos por rituais específicos que conservam a unidade da fé, o temor inerente e a Tribo submetida ao poder respectivo.
Tal poder exerce-se internamente e, para as ambições de conquistas, como um resultado da mensagem divina que exige expandir-se sobre os heréticos, infiéis, impuros, em simples palavras, professantes de outra religião.
A guerra entre os homens era a guerra entre deuses, a vitória de um povo sobre outro era a vitória do deus mais poderoso.
A palavra “heresia”, hoje usada como afronta à fé, na verdade tem o sentido de contestar a ritualística. Assim, para exemplificar, o Cristianismo foi a Heresia do Judaísmo, o Protestantismo foi a Heresia do Catolicismo, o Budismo foi a Heresia do Hinduismo e assim por diante.
Guerra de rituais como pano de fundo para o Poder e a conquista da terra, logo, da riqueza.
Tento imaginar um mundo sem religiões, isto é, sem instituições voltadas à fé e devidamente burocratizadas, com quadros de carreira, escalas de poder, símbolos esotéricos e metafísicos e, principalmente, sem rituais específicos.
Nesse mundo a fé não seria uma questão de “ordem” e sim uma questão individual, a “verdade” não mudaria de mãos ao gosto de profetas ensandecidos, pregadores, milagreiros e visionários. Uma igreja não se voltaria contra outra, a Metafísica não seria pretexto para aniquilamentos e os povos co-existiriam sem intolerâncias, prerrogativas, anúncios premonitórios, os conceitos de Bem e de Mal seriam relativos e não se confundiriam com os de Certo e Errado.
Um mundo sem religiões não teria Senhores Espirituais e, conseqüentemente, não teria Escravos Espirituais e o Poder resultaria das capacidades humanas por si só, sem o disfarce da proteção divina.
Deus não teria atributos e seria, em suma a Criação nua e crua, dispensando o marqueting e as campanhas publicitárias. A Humanidade não se preocuparia com “a origem” e estaria voltada para a “finalidade”, nada mais nada menos do que o aprimoramento da inteligência, tal como ela se mostra e não como um mistério ou milagre, produto de insondável desígnio.
Porque as religiões trazem, no seu bojo, a pretensão de compreender desígnios divinos para impô-los como a verdade única e ai de quem deles duvidar.
O que salta aos meus olhos é um imenso paradoxo religioso que não resiste ao menor esforço de compreensão lógica, paradoxo que se manifesta a partir da repetição de gestos, palavras e frases e se estende aos interesses profundos fincados no mundo material onde boas intenções são sinônimo de fraqueza, onde o sofisma ritualístico afronta a realidade e onde, diante da morte, pretexta-se celebrar a vida.
Assim como na Política, os ideais religiosos são os mais elevados, motivo pelo qual cada partido político, assim como cada religião é capaz de tudo pelo Poder de disseminar, sobre os demais, os seus próprios ideais.
Doa a quem doer.
Paulo Wainberg
A palavra religião vem do latim “re-ligare” que significava estabelecer vínculos com a divindade.
A Humanidade, desde os seus primórdios, esteve ligada à divindade, isto é, sempre foi “religiosa”.
Falo sobre isso porque em outubro os judeus celebram o Yom Kipur que, em Hebraico, significa o Dia do Perdão. Trata-se de uma data purificadora como existem em tantas outras religiões, sem nada de misterioso, cabalístico ou oculto.
Neste dia, aqueles que praticam sua religiosidade concentram-se no templo – a sinagoga – e passam o dia orando, louvando a Deus e reforçando sua obediência e crença, purificam alma e corpo através do perdão e do jejum. Pedem perdão a Deus, aos ascendentes falecidos – pais, mães, avós – e às pessoas, a quem também perdoam, pelos pecados, pelos erros, pelos males que, em pensamento ou ação, ocasionaram.
Não há promessas, no Dia do Perdão. Os judeus não assumem compromissos para o futuro, apenas pedem para serem perdoados e perdoam seus semelhantes.
Na religião católica o ritual do Dia dos Finados tem o mesmo sentido purificador, acrescido da promessa de não mais pecar. Sentindo semelhante tem o Ramada islâmico e as demais religiões, variando apenas nos respectivos rituais, também celebram datas específicas.
Eu que, sendo de origem judaica, não pratico nenhuma religião e sou religiosamente ateu, tenho uma opinião no mínimo polêmica sobre religiões e seus efeitos, na História.
Sei que vou entrar em terreno perigoso, pantanoso e que minhas palavras poderão gerar revolta. Não me surpreenderei se muitos dos que recebem estas crônicas solicitarem a sua exclusão do meu catálogo de endereços. Entretanto quero deixar consignado que respeito todas as religiões e crenças, não sou contra nenhuma delas nem contra ninguém que as pratique.
Também não quero me intrometer na fé das pessoas nem convencer ninguém a pensar ou sentir de forma diferente. Se você não concordar comigo e quiser conversar sobre assunto será ótimo. Se preferir calar, será ótimo também.
Sinceramente, o que desejo é que você não me peça para não enviar mais estas crônicas, pois, concordando ou não comigo, o fato de você lê-las é a única razão para elas existirem.
Enfim, chega de dedos e salamaleques. Já me expliquei, então vamos lá.
Qualquer estudo, mesmo superficial, da História, mostra que as origens das guerras, chacinas, genocídios, massacres, perseguições, xenofobia e destruição são, invariavelmente as mesmas: terra e religião.
Em outras palavras, riqueza, poder e medo.
Desde os primórdios os deuses mantêm seus representantes na Terra, ungidos por rituais específicos que conservam a unidade da fé, o temor inerente e a Tribo submetida ao poder respectivo.
Tal poder exerce-se internamente e, para as ambições de conquistas, como um resultado da mensagem divina que exige expandir-se sobre os heréticos, infiéis, impuros, em simples palavras, professantes de outra religião.
A guerra entre os homens era a guerra entre deuses, a vitória de um povo sobre outro era a vitória do deus mais poderoso.
A palavra “heresia”, hoje usada como afronta à fé, na verdade tem o sentido de contestar a ritualística. Assim, para exemplificar, o Cristianismo foi a Heresia do Judaísmo, o Protestantismo foi a Heresia do Catolicismo, o Budismo foi a Heresia do Hinduismo e assim por diante.
Guerra de rituais como pano de fundo para o Poder e a conquista da terra, logo, da riqueza.
Tento imaginar um mundo sem religiões, isto é, sem instituições voltadas à fé e devidamente burocratizadas, com quadros de carreira, escalas de poder, símbolos esotéricos e metafísicos e, principalmente, sem rituais específicos.
Nesse mundo a fé não seria uma questão de “ordem” e sim uma questão individual, a “verdade” não mudaria de mãos ao gosto de profetas ensandecidos, pregadores, milagreiros e visionários. Uma igreja não se voltaria contra outra, a Metafísica não seria pretexto para aniquilamentos e os povos co-existiriam sem intolerâncias, prerrogativas, anúncios premonitórios, os conceitos de Bem e de Mal seriam relativos e não se confundiriam com os de Certo e Errado.
Um mundo sem religiões não teria Senhores Espirituais e, conseqüentemente, não teria Escravos Espirituais e o Poder resultaria das capacidades humanas por si só, sem o disfarce da proteção divina.
Deus não teria atributos e seria, em suma a Criação nua e crua, dispensando o marqueting e as campanhas publicitárias. A Humanidade não se preocuparia com “a origem” e estaria voltada para a “finalidade”, nada mais nada menos do que o aprimoramento da inteligência, tal como ela se mostra e não como um mistério ou milagre, produto de insondável desígnio.
Porque as religiões trazem, no seu bojo, a pretensão de compreender desígnios divinos para impô-los como a verdade única e ai de quem deles duvidar.
O que salta aos meus olhos é um imenso paradoxo religioso que não resiste ao menor esforço de compreensão lógica, paradoxo que se manifesta a partir da repetição de gestos, palavras e frases e se estende aos interesses profundos fincados no mundo material onde boas intenções são sinônimo de fraqueza, onde o sofisma ritualístico afronta a realidade e onde, diante da morte, pretexta-se celebrar a vida.
Assim como na Política, os ideais religiosos são os mais elevados, motivo pelo qual cada partido político, assim como cada religião é capaz de tudo pelo Poder de disseminar, sobre os demais, os seus próprios ideais.
Doa a quem doer.
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
PORQUE NÃO ACREDITO NA JUSTIÇA
BURRICE NÃO TEM LIMITES (FINAL)
João Eichbaum
Relembrando: a lei 1.060, que trata do benefício da assistência judiciária gratuita, no artigo 4º, diz o seguinte: “a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”.
Todo e qualquer juiz tem a obrigação de saber aquilo que os leigos não sabem: a lei, quando emprega o futuro do verbo, tem uma finalidade imperativa. Assim, a expressão “a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita, com o verbo empregado no futuro, indica uma ordem, uma determinação do legislador. E juiz nenhum tem o poder de desprezar o texto legal, votando-lhe pura, simples e antipática desobediência. Pelo contrário, a Lei Orgânica da Magistratura, no artigo 35, impõe ao magistrado o dever de aplicar com serenidade a lei.
Observe-se, novamente, a expressão: “ a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita”. Em momento nenhum a lei proporciona ao juiz a alternativa de conceder ou não o benefício, porque ele é próprio da parte, desde que essa afirme sua falta de condições para arcar com as despesas do processo. Sendo próprio da parte, não poderia ser, ao mesmo tempo, uma faculdade do juiz. O verbo, empregado no futuro, ordena simplesmente, o gozo do benefício e não o seu “deferimento” pela autoridade judiciária. A única autoridade da qual decorre o benefício é a lei.
É claro que o erro na interpretação da lei é conseqüência da desatenção dos advogados, desatenção essa que se firmou, há mais de meio século, com o equivocado requerimento para que o juiz “conceda” o benefício. Ora, se o benefício é próprio da parte, repita-se, ele não depende do poder de jurisdição, pois se afirma por si mesmo, desde que a parte diga na própria petição inicial, que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”.
O §1º do artigo 4º da já mencionada Lei 1.060, complementa: “presume-se pobre, até prova em contrário, quem esta condição, nos termos desta Lei,sob pena de pagamento até o décuplo das custas”. Trata-se de presunção legal (juris tantum). Presunção legal, quer dizer da lei. E o juiz não pode ir contra a lei. Se a presunção de pobreza decorre da lei, o juiz não está acima da lei para afastá-la com considerações subjetivas. A menos que se desenvolva o procedimento da impugnação à justiça gratuita, impugnação essa que deve partir da parte contrária, que tem o ônus da prova. Então sim, chamado a decidir a contenda sobre a justiça gratuita, o juiz deverá se pronunciar, mantendo ou cassando o benefício. É só nessa hipótese que ocorre a prestação jurisdicional.
Em suma, ao negar o benefício da justiça gratuita, na hipótese de não serem atendidas suas absurdas exigências pessoais, o juiz estará agindo de oficío e violando o art. 2º do Código de Processo Civil, que o proíbe.
Para terminar: aplicar a lei é uma coisa. Julgar é outra. O julgamento exige inteligência, maturidade, cultura e bom senso. Nem todos os juízes têm todas essas qualidades. Alguns, nenhuma delas possui.
Ser juiz é fácil. O difícil é ser responsável.
João Eichbaum
Relembrando: a lei 1.060, que trata do benefício da assistência judiciária gratuita, no artigo 4º, diz o seguinte: “a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”.
Todo e qualquer juiz tem a obrigação de saber aquilo que os leigos não sabem: a lei, quando emprega o futuro do verbo, tem uma finalidade imperativa. Assim, a expressão “a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita, com o verbo empregado no futuro, indica uma ordem, uma determinação do legislador. E juiz nenhum tem o poder de desprezar o texto legal, votando-lhe pura, simples e antipática desobediência. Pelo contrário, a Lei Orgânica da Magistratura, no artigo 35, impõe ao magistrado o dever de aplicar com serenidade a lei.
Observe-se, novamente, a expressão: “ a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita”. Em momento nenhum a lei proporciona ao juiz a alternativa de conceder ou não o benefício, porque ele é próprio da parte, desde que essa afirme sua falta de condições para arcar com as despesas do processo. Sendo próprio da parte, não poderia ser, ao mesmo tempo, uma faculdade do juiz. O verbo, empregado no futuro, ordena simplesmente, o gozo do benefício e não o seu “deferimento” pela autoridade judiciária. A única autoridade da qual decorre o benefício é a lei.
É claro que o erro na interpretação da lei é conseqüência da desatenção dos advogados, desatenção essa que se firmou, há mais de meio século, com o equivocado requerimento para que o juiz “conceda” o benefício. Ora, se o benefício é próprio da parte, repita-se, ele não depende do poder de jurisdição, pois se afirma por si mesmo, desde que a parte diga na própria petição inicial, que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”.
O §1º do artigo 4º da já mencionada Lei 1.060, complementa: “presume-se pobre, até prova em contrário, quem esta condição, nos termos desta Lei,sob pena de pagamento até o décuplo das custas”. Trata-se de presunção legal (juris tantum). Presunção legal, quer dizer da lei. E o juiz não pode ir contra a lei. Se a presunção de pobreza decorre da lei, o juiz não está acima da lei para afastá-la com considerações subjetivas. A menos que se desenvolva o procedimento da impugnação à justiça gratuita, impugnação essa que deve partir da parte contrária, que tem o ônus da prova. Então sim, chamado a decidir a contenda sobre a justiça gratuita, o juiz deverá se pronunciar, mantendo ou cassando o benefício. É só nessa hipótese que ocorre a prestação jurisdicional.
Em suma, ao negar o benefício da justiça gratuita, na hipótese de não serem atendidas suas absurdas exigências pessoais, o juiz estará agindo de oficío e violando o art. 2º do Código de Processo Civil, que o proíbe.
Para terminar: aplicar a lei é uma coisa. Julgar é outra. O julgamento exige inteligência, maturidade, cultura e bom senso. Nem todos os juízes têm todas essas qualidades. Alguns, nenhuma delas possui.
Ser juiz é fácil. O difícil é ser responsável.
terça-feira, 21 de outubro de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
Crônicas Didáticas
O VERMELHO E O PRETO
Paulo Wainberg
Certas palavras parecem que são feitas umas para as outras. Exemplo: volátil e volúvel.
Volátil desvanece no ar, é o perfume, o éter, o sonho e o mercado financeiro.
Volúvel troca de lado com facilidade, é a mulher, o amigo de ocasião, o puxa-saco e o mercado financeiro.
Para ser mais explícito e correto, não é o mercado financeiro e sim O CAPITAL que é volátil e volúvel quando a serviço do mercado financeiro.
Correto? Acho que sim.
É que ouço tanta gente falar em “capital volátil” querendo falar em “capital volúvel” que, volátil ou volúvel, esse tal de Capital não parece ser nem um pouco de confiança, isto é, eu não apostaria todas as minhas fichas nele sabendo que, de uma hora para outra ele desvanece no ar ou troca de lado.
Imagine se eu vou chegar lá em casa, abrir a gaveta, recolher as fichas da caixa e apostar que o Capital está sólido e constante. Posso ser louco mas não sou burro como poderia dizer um marido traído da, suponhamos, Débora Secco, ao perdoá-la pela traição.
Para entender com clareza o que é mercado financeiro vou revelar novamente, o seu funcionamento, para o caso de você não ter me lido antes ou não ter se dado conta.
Existe o grupo de compradores financeiros, isto é, compram ações, moedas, metais, flores, dinheiro e tudo o mais que, como se convencionou chamar, é oferecido nas Bolsas, não as femininas com alças, fivela e tudo, mas as de Valores.
E existe o grupo de vendedores financeiros, isto é, os que vendem essas mesmas coisas.
Como nenhum dos dois grupos pode estar ao mesmo tempo em todas as Bolsas de Valores existentes no mundo, criou-se a figura do Corretor que, como todo o mundo sabe, é aquele cara que aparece na foto vibrando de felicidade, em dia de alta, ou então coçando a cabeça com ar desalentado e perplexo, em dia de baixa.
Teoricamente as Bolsas de Valores deveriam obedecer a uma regra, uma lei que não foi gerada em câmaras de deputados, em poderes legislativos ou em decisões judiciais intrometidas. Trata-se da famosa Lei da Oferta e da Procura cujo parágrafo único determina que quando a oferta for muito grande o preço baixa e quando a procura for muito grande o preço sobe.
É simples de entender, tomemos um exemplo doméstico: Quanto mais você procura a sua mulher menos você a encontra e quanto mais sua mulher se oferece menos você quer procurar por ela.
Entendeste?
Pois bem, a Lei da Oferta e da Procura, por não ser escrita, não figura em Constituições nem em Códigos, Funciona no plano imaginário dos subentendidos que, de tanto serem repetidos, acabam nos convencendo de que o que sobra enjoa e o que falta... faz falta, mesmo que gente não queira.
Voltando ao mercado financeiro e ao Capital a coisa funciona assim: se o grupo de vendedores enche a Bolsa com seus produtos, o preço deles cai e o grupo de compradores, fazendo uma espécie assim de, como dizem os argentinos, culo dulce, vai comprando aos pouquinhos até encher as próprias burras.
Porém – e aí é que está o grande lance – quando o grupo de compradores resolve investir pesado, quem faz o tal culo Dulce é o grupo de vendedores que vão mostrando seus produtos aos pouquinhos e o preço vai lá para cima.
Quando os dois grupos, em raros momentos de harmonia, se equilibram, os compradores comprando pouco e os vendedores também, aí o mercado financeiro é chamado de “estável” o que significa, em outras palavras, que nesse momento o Capital é concreto e leal.
Você, por exemplo, que pega metade de suas fichas e aposta em qualquer das fases do Capital, guardando a outra metade para não arriscar tudo, duas coisas podem acontecer: você se dá bem ou você se dá mal. Quando é que você se dá bem? Ora, quando você sai de lá com mais fichas do que as que apostou. E se dá mal no popular vice-versa que inclui o empate técnico, você sai com o mesmo número de fichas que tinha mas deixou de apostá-las em outra coisa e perdeu tempo.
Quanto mais me aprofundo no estudo do fenomenal mercado financeiro, o mais suscetível que já conheci, capaz de oscilar para cima e para baixa apenas porque um Presidente importante espirrou, mais me convenço de uma coisa, coisa esta que consiste na revelação que agora vou fazer, gratuitamente: O grupo de compradores é formado pelas mesmas pessoas do grupo de vendedores. Eles são os voláteis e volúveis, desvanecem no ar e mudam de lado e não o coitado do Capital, que está aí apenas para ajudar, fazer o bem e trazer felicidade.
Caso um Presidente importante espirre duas vezes os compradores percebem que uma forte gripe está a caminho e passam imediatamente para o lado de vendedores. Colocam seus produtos à venda, esperam que o preço baixe aos níveis da desgraça alheia e depois, volátil e voluvelmente mudam de lado, comprando tudo de novo a preço de banana. No meio do caminho você, que apostou suas fichas, se ralou meu chapa, caiu de quatro tentando segurar entre os dedos um restinho ainda não volatizado de suas fichas tão suadamente adquiridas.
No dia seguinte, como o Presidente importante não se gripou, os compradores voltam para o lado dos vendedores mas aí o preço está tão alto que o que lhe restou de fichas não compra sequer um nabo, que dirá um rabanete ou duas colheres de açúcar.
Nos dias de hoje, com a vida permanentemente on line, ao vivo e a cores, as Bolsas de Valores estão abertas vinte e quatro horas por dia, graças ao fuso horário, permitindo que os compradores aqui sejam vendedores ali, que os vendedores acolá sejam compradores mais aquém e, para seu governo, é atrás das suas fichas que eles estão pois é com elas que eles aumentam o bolo.
Acredite, o capitalismo se divide em duas correntes que quando vão bem se harmonizam e quando uma dá xabú contamina a outra sem remédio: o selvagem e o racional. O capitalismo selvagem é exatamente esse, volátil e volúvel, onde o que está em jogo é o valor da aposta e o cacife que você guardou para o colégio dos filhos.
O capitalismo racional é a indústria, o comércio, a profissão, a prática, a pesquisa, a ciência, a arte. Nele se vislumbram traços selvagens pois o objetivo final é o mesmo: O Lucro.
Entretanto neste existe uma mínima lógica, uma mínima relação de causa e efeito que, ao contrário do mercado financeiro, não desdenha tão grosseiramente da lei da oferta e da procura e, ao seu modo, condiciona-se a ela..
Não se convenceu? Proponho um teste: aposte suas fichas na roleta. No vermelho ou no preto, cinqüenta por cento de chances, certo? Imensas probabilidades de ganhar, certo? Errado. Observe a bolinha girando sobre os números e veja o que lhe acontece quando o croupier gritar ZERO.
O VERMELHO E O PRETO
Paulo Wainberg
Certas palavras parecem que são feitas umas para as outras. Exemplo: volátil e volúvel.
Volátil desvanece no ar, é o perfume, o éter, o sonho e o mercado financeiro.
Volúvel troca de lado com facilidade, é a mulher, o amigo de ocasião, o puxa-saco e o mercado financeiro.
Para ser mais explícito e correto, não é o mercado financeiro e sim O CAPITAL que é volátil e volúvel quando a serviço do mercado financeiro.
Correto? Acho que sim.
É que ouço tanta gente falar em “capital volátil” querendo falar em “capital volúvel” que, volátil ou volúvel, esse tal de Capital não parece ser nem um pouco de confiança, isto é, eu não apostaria todas as minhas fichas nele sabendo que, de uma hora para outra ele desvanece no ar ou troca de lado.
Imagine se eu vou chegar lá em casa, abrir a gaveta, recolher as fichas da caixa e apostar que o Capital está sólido e constante. Posso ser louco mas não sou burro como poderia dizer um marido traído da, suponhamos, Débora Secco, ao perdoá-la pela traição.
Para entender com clareza o que é mercado financeiro vou revelar novamente, o seu funcionamento, para o caso de você não ter me lido antes ou não ter se dado conta.
Existe o grupo de compradores financeiros, isto é, compram ações, moedas, metais, flores, dinheiro e tudo o mais que, como se convencionou chamar, é oferecido nas Bolsas, não as femininas com alças, fivela e tudo, mas as de Valores.
E existe o grupo de vendedores financeiros, isto é, os que vendem essas mesmas coisas.
Como nenhum dos dois grupos pode estar ao mesmo tempo em todas as Bolsas de Valores existentes no mundo, criou-se a figura do Corretor que, como todo o mundo sabe, é aquele cara que aparece na foto vibrando de felicidade, em dia de alta, ou então coçando a cabeça com ar desalentado e perplexo, em dia de baixa.
Teoricamente as Bolsas de Valores deveriam obedecer a uma regra, uma lei que não foi gerada em câmaras de deputados, em poderes legislativos ou em decisões judiciais intrometidas. Trata-se da famosa Lei da Oferta e da Procura cujo parágrafo único determina que quando a oferta for muito grande o preço baixa e quando a procura for muito grande o preço sobe.
É simples de entender, tomemos um exemplo doméstico: Quanto mais você procura a sua mulher menos você a encontra e quanto mais sua mulher se oferece menos você quer procurar por ela.
Entendeste?
Pois bem, a Lei da Oferta e da Procura, por não ser escrita, não figura em Constituições nem em Códigos, Funciona no plano imaginário dos subentendidos que, de tanto serem repetidos, acabam nos convencendo de que o que sobra enjoa e o que falta... faz falta, mesmo que gente não queira.
Voltando ao mercado financeiro e ao Capital a coisa funciona assim: se o grupo de vendedores enche a Bolsa com seus produtos, o preço deles cai e o grupo de compradores, fazendo uma espécie assim de, como dizem os argentinos, culo dulce, vai comprando aos pouquinhos até encher as próprias burras.
Porém – e aí é que está o grande lance – quando o grupo de compradores resolve investir pesado, quem faz o tal culo Dulce é o grupo de vendedores que vão mostrando seus produtos aos pouquinhos e o preço vai lá para cima.
Quando os dois grupos, em raros momentos de harmonia, se equilibram, os compradores comprando pouco e os vendedores também, aí o mercado financeiro é chamado de “estável” o que significa, em outras palavras, que nesse momento o Capital é concreto e leal.
Você, por exemplo, que pega metade de suas fichas e aposta em qualquer das fases do Capital, guardando a outra metade para não arriscar tudo, duas coisas podem acontecer: você se dá bem ou você se dá mal. Quando é que você se dá bem? Ora, quando você sai de lá com mais fichas do que as que apostou. E se dá mal no popular vice-versa que inclui o empate técnico, você sai com o mesmo número de fichas que tinha mas deixou de apostá-las em outra coisa e perdeu tempo.
Quanto mais me aprofundo no estudo do fenomenal mercado financeiro, o mais suscetível que já conheci, capaz de oscilar para cima e para baixa apenas porque um Presidente importante espirrou, mais me convenço de uma coisa, coisa esta que consiste na revelação que agora vou fazer, gratuitamente: O grupo de compradores é formado pelas mesmas pessoas do grupo de vendedores. Eles são os voláteis e volúveis, desvanecem no ar e mudam de lado e não o coitado do Capital, que está aí apenas para ajudar, fazer o bem e trazer felicidade.
Caso um Presidente importante espirre duas vezes os compradores percebem que uma forte gripe está a caminho e passam imediatamente para o lado de vendedores. Colocam seus produtos à venda, esperam que o preço baixe aos níveis da desgraça alheia e depois, volátil e voluvelmente mudam de lado, comprando tudo de novo a preço de banana. No meio do caminho você, que apostou suas fichas, se ralou meu chapa, caiu de quatro tentando segurar entre os dedos um restinho ainda não volatizado de suas fichas tão suadamente adquiridas.
No dia seguinte, como o Presidente importante não se gripou, os compradores voltam para o lado dos vendedores mas aí o preço está tão alto que o que lhe restou de fichas não compra sequer um nabo, que dirá um rabanete ou duas colheres de açúcar.
Nos dias de hoje, com a vida permanentemente on line, ao vivo e a cores, as Bolsas de Valores estão abertas vinte e quatro horas por dia, graças ao fuso horário, permitindo que os compradores aqui sejam vendedores ali, que os vendedores acolá sejam compradores mais aquém e, para seu governo, é atrás das suas fichas que eles estão pois é com elas que eles aumentam o bolo.
Acredite, o capitalismo se divide em duas correntes que quando vão bem se harmonizam e quando uma dá xabú contamina a outra sem remédio: o selvagem e o racional. O capitalismo selvagem é exatamente esse, volátil e volúvel, onde o que está em jogo é o valor da aposta e o cacife que você guardou para o colégio dos filhos.
O capitalismo racional é a indústria, o comércio, a profissão, a prática, a pesquisa, a ciência, a arte. Nele se vislumbram traços selvagens pois o objetivo final é o mesmo: O Lucro.
Entretanto neste existe uma mínima lógica, uma mínima relação de causa e efeito que, ao contrário do mercado financeiro, não desdenha tão grosseiramente da lei da oferta e da procura e, ao seu modo, condiciona-se a ela..
Não se convenceu? Proponho um teste: aposte suas fichas na roleta. No vermelho ou no preto, cinqüenta por cento de chances, certo? Imensas probabilidades de ganhar, certo? Errado. Observe a bolinha girando sobre os números e veja o que lhe acontece quando o croupier gritar ZERO.
sexta-feira, 17 de outubro de 2008
PORQUE NÃO ACREDITO NA JUSTIÇA
BURRICE NÃO TEM LIMITES (IV)
João Eichbaum
Então, qualquer pessoa medianamente inteligente, que tenha alguma noção de processo, há de concluir que o procedimento judicial tem regras próprias, regras essas emanadas da legislação ordinária, instituídas nos Códigos de Processo, ou na legislação processual esparsa. Repita-se: a Constituição não tem regras para o andamento processual, para a prestação jurisdicional postulada pelos cidadãos.
No caso específico do pedido de assistência judiciária, existe lei própria, que é a Lei 1.060, cujo artigo 4º é explícito, redigido em vernáculo inteligível, e que vale a pena relembrar: “a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”. E o §1º complementa: “presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar esta condição, nos termos desta Lei,sob pena de pagamento até o décuplo das custas”.
Juiz nenhum pode ignorar a lei. É sua obrigação conhecê-la. E o juiz só está autorizado a arredar a aplicação da lei, quando, fundamentadamente, reconhecer sua inconstitucionalidade. Mas não lhe é permitido simplesmente ignorá-la, quando o caso exige exame à luz dessa lei.
No caso que se está comentando, houve essa ignorância. O juiz invocou diretamente a Constituição Federal, autorizando que se lhe impute o desconhecimento da lei ordinária que rege a questão.
Mas afora desconhecer a lei, o vernáculo, os princípios gerais do direito constitucional, o juiz ainda se arvorou em agente fiscal, exigindo que a autora exibisse, em cinco dias, comprovante de rendimentos atualizado ou sua declaração de renda e bens, ainda que isenta, junto ao Fisco, relativa ao último ano fiscal.
Claro, depois de demonstrar que desconhece a legislação própria, seria demais exigir que o senhor juiz conhecesse também o artigo 197 do Código Tributário Nacional, que limita a exigência de obrigação de fornecer informações de interesse do fisco a determinados casos e pessoas. Que não é o caso da parte que postula assistência Judiciária Gratuita.
Foi muito além do chinelo o sapateiro. Ignorando que existe um instituto chamado “impugnação do pedido de assistência judiciária”, o juiz substituiu a parte contrária, facilitou-lhe o procedimento, ao exigir da postulante de justiça gfratuita a exibição de documentos fiscais, o que equivale a exibição de prova. Ou seja, o juiz usou e abusou do seu poder, atuando como parte contrária no feito.
E se parte não tiver prestado declaração de renda? O que acontecerá?
Ah, sem dúvida, o senhor juiz negar-lhe-á o benefício da justiça gratuita, pisoteando sobre a própria Constituição que invocou, mostrando ignorância quanto ao disposto no art. 5º, inc. II: ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei ( que lei exige a apresentação de documentos fiscais para obter justiça gratuita?); inc.XXXV: a lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.
O discurso “politicamente correto” de que não está obstando à parte o ingresso em juízo, mostra uma pobreza de inteligência que depõe contra seu próprio subscritor.
João Eichbaum
Então, qualquer pessoa medianamente inteligente, que tenha alguma noção de processo, há de concluir que o procedimento judicial tem regras próprias, regras essas emanadas da legislação ordinária, instituídas nos Códigos de Processo, ou na legislação processual esparsa. Repita-se: a Constituição não tem regras para o andamento processual, para a prestação jurisdicional postulada pelos cidadãos.
No caso específico do pedido de assistência judiciária, existe lei própria, que é a Lei 1.060, cujo artigo 4º é explícito, redigido em vernáculo inteligível, e que vale a pena relembrar: “a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”. E o §1º complementa: “presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar esta condição, nos termos desta Lei,sob pena de pagamento até o décuplo das custas”.
Juiz nenhum pode ignorar a lei. É sua obrigação conhecê-la. E o juiz só está autorizado a arredar a aplicação da lei, quando, fundamentadamente, reconhecer sua inconstitucionalidade. Mas não lhe é permitido simplesmente ignorá-la, quando o caso exige exame à luz dessa lei.
No caso que se está comentando, houve essa ignorância. O juiz invocou diretamente a Constituição Federal, autorizando que se lhe impute o desconhecimento da lei ordinária que rege a questão.
Mas afora desconhecer a lei, o vernáculo, os princípios gerais do direito constitucional, o juiz ainda se arvorou em agente fiscal, exigindo que a autora exibisse, em cinco dias, comprovante de rendimentos atualizado ou sua declaração de renda e bens, ainda que isenta, junto ao Fisco, relativa ao último ano fiscal.
Claro, depois de demonstrar que desconhece a legislação própria, seria demais exigir que o senhor juiz conhecesse também o artigo 197 do Código Tributário Nacional, que limita a exigência de obrigação de fornecer informações de interesse do fisco a determinados casos e pessoas. Que não é o caso da parte que postula assistência Judiciária Gratuita.
Foi muito além do chinelo o sapateiro. Ignorando que existe um instituto chamado “impugnação do pedido de assistência judiciária”, o juiz substituiu a parte contrária, facilitou-lhe o procedimento, ao exigir da postulante de justiça gfratuita a exibição de documentos fiscais, o que equivale a exibição de prova. Ou seja, o juiz usou e abusou do seu poder, atuando como parte contrária no feito.
E se parte não tiver prestado declaração de renda? O que acontecerá?
Ah, sem dúvida, o senhor juiz negar-lhe-á o benefício da justiça gratuita, pisoteando sobre a própria Constituição que invocou, mostrando ignorância quanto ao disposto no art. 5º, inc. II: ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei ( que lei exige a apresentação de documentos fiscais para obter justiça gratuita?); inc.XXXV: a lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.
O discurso “politicamente correto” de que não está obstando à parte o ingresso em juízo, mostra uma pobreza de inteligência que depõe contra seu próprio subscritor.
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
QUEM? COMO? POR QUE?
Paulo Wainberg
Dia desses ocorreu-me que se Jeová queria sua obra deitada eternamente no berço esplêndido do Paraíso, não teria plantado lá uma macieira com poderes de transmitir o conhecimento. Também não teria posto uma serpente a seduzir Eva, não teria deixado Eva convencer Adão a dar a mordida fatal para, diante do abominável crime da desobediência e do conhecimento, expulsá-los sem direito a recurso ordinário, especial ou extraordinário, obrigando-os a prover o sustento com o suor dos próprios rostos.
Com a onipotência digna de uma divindade, poderia ter evitado o drama, deixando-nos, a todos, burros, ignorantes e felizes.
O que eu nunca entendi é o que os outros bichos tinham com isso. Qual a culpa do leão no episódio, ele que vivia e convivia, na mais absoluta e placêntica paz, com o cordeiro, o alce e o antílope.
Entretanto o pobre animal, por conta da falha humana, foi também remetido a um mundo cruel, tendo que caçar e comer os outros que, também sem culpa alguma, se transformaram em presas felinas, correndo pelas estepes inutilmente, esperando a vez de serem devorados.
Se O Sublime quisesse que o pênis de Adão balançasse ao acaso, indiferente à exposta vagina de Eva, não teria previsto que a coisa não é bem assim e que certas reações, físicas e químicas, são incontroláveis?
Quem é onipotente pode tudo, isto é mais do que claro. E poder tudo é um atributo infinitamente executável, o que custava ao Criador ter dispensado os animais, entre eles o Homem e a Mulher, de desejos pecaminosos que, como se sabe, se expressam através da ereção e da lubrificação? No vulgo, Tesão?
Sendo o Senhor, além de onipotente, também onisciente, não lhe competia saber previamente qual o resultado das tentações propostas ao pobre Primeiro Casal?
A onisciência, como a palavra diz, é saber tudo, mas tudo mesmo, o antes, o agora e o depois.
Não é crível que a onisciência seja seletiva e que o Todo Poderoso escolha o que vai ou não saber. Não. Ele sabe de tudo por definição, conseqüentemente, sabendo o que estava acontecendo no momento da mordida na maçã, sabendo o que aconteceria logo a seguir e, o que é mais curioso, sabendo antes o que aconteceria, qual a razão motivou o Santíssimo, de tudo sabedor e tudo podendo, a não evitar o desastre?
Sendo Adonai, além de onipotente e onisciente, também onipresente, estou perfeitamente autorizado a afirmar que o Grandioso estava presente e assistindo à toda trama, das primeiras falas ofídicas ao resultado final, bastando-lhe um tremilicar de pestanas para salvar a pátria.
Tais questões, nas quais me detive a pensar ha alguns dias e que vieram a tona hoje, não por acaso uma segunda-feira, me levaram a duas conclusões possíveis, as únicas que consegui para dar uma lógica mínima aos desígnios de Deus, também conhecido aqui no Sul como “o patrão véio da grande fazenda lá de riba”:
Primeira: O Pai eterno não é, como dizem alguns, onipresente, onisciente e onipotente. Neste caso fica tudo claro, Deus fez o Mundo, criou o Homem e a Mulher, estabeleceu as duas regras fundamentais – obediência absoluta e não provar do fruto proibido – e depois perdeu o controle. Não sendo onisciente, desconhecia as artimanhas da serpente. Não sendo onipotente, mesmo que as conhecesse, não podia impedir. E não sendo onipresente, não estava lá quando se consumou o atentado.
Segunda: O senhor é tudo isso e armou para Adão e Eva. Prometeu-lhes a eterna bem-aventurança sabendo que eles iam falhar e aí... bem, e aí fodeu-se a dupla e, conseqüentemente, fodemo-nos todos. Isto é, simplesmente sacaneou o casal, mostrando-lhes tudo o que iam perder, coisa que ele já sabia que ia acontecer.
Sei que usei palavras fortes mas peço que as aceitem como um uso adequado do vernáculo diante da gravidade da situação.
Se a primeira conclusão for verdadeira, lamento dizer-lhe, minha cara beata, meu prezado crente e fiel, que estamos entregues à nossa própria sorte e que o Criador definitivamente nos largou de mão, naquele dia fatídico lá no Éden. Talvez ele possa interferir aqui e ali, de modo ocasional e utilizando os limitados recursos de que dispõe. Nada muito contundente, assim de mudar a História, talvez um favorzinho, algo que ELE tenha escutado de passagem e, dispondo de tecnologia avançada nos tenha permitido acesso à, digamos, internet.
Estou para dizer que nem mesmo sobre a meteorologia ele tem qualquer controle, basta ver que chove ou faz sol, furacões entram e saem, ciclones irrompem, calores sufocam, frios congelam e nós aí, á mercê, sem saber se usaremos sungas na praia ou casacos e cachecóis na serra. Sem falar nos terremotos e nos tsunames que acontecem vez que outra, devastando a valer.
Basta consultar o Google para ver que aquilo que a humanidade não se encarrega ela mesma de destruir, a natureza completa o serviço.
Entretanto, tudo bem. Se assim quis o Criador, assim à Criatura compete exercer o papel e não adianta chorar, cair de joelhos, cobrir a cabeça, acender velas ou deitar-se em direção a um ponto cardeal e orar. Infelizmente ELE não sabe, se sabe não pode e se pode, não está ali, no momento exato.
Triste? Claro que sim mas, finalmente, compreensível.
Se a segunda conclusão for a verdadeira então, meus filhos, estamos definitivamente no mato se cachorro, o urso rugindo na nossa cara e nós sem espingarda, o caminhão a cem por hora invadindo a nossa loja ou sentados na privada, depois de uma dor de barriga mortífera, na casa do cônsul, e não tem papel higiênico.
Porque, neste caso, o Imenso está tirando com a nossa cara, pura e simplesmente, sabe tudo o que aconteceu e vai acontecer, está permanente nos assistindo e, podendo tudo, inclusive nada fazer, nada faz.
É o caos, cada um por si e ninguém por todos, vamos que vamos para ver no que dá e, como ELE sabe muito bem, não vai dar em nada.
Então é justo que você me pergunte qual o motivo que me leva a pensar essas coisas, ocupar o meu e o seu tempo com essas matérias esotéricas e inexplicáveis e, na prática, o que é que tais questões vão influenciar o nosso café da manhã.
E também é justo que eu lhe responda, o que vou fazer sucintamente: não sei!
E se soubesse, não diria.
E se dissesse........
Paulo Wainberg
Dia desses ocorreu-me que se Jeová queria sua obra deitada eternamente no berço esplêndido do Paraíso, não teria plantado lá uma macieira com poderes de transmitir o conhecimento. Também não teria posto uma serpente a seduzir Eva, não teria deixado Eva convencer Adão a dar a mordida fatal para, diante do abominável crime da desobediência e do conhecimento, expulsá-los sem direito a recurso ordinário, especial ou extraordinário, obrigando-os a prover o sustento com o suor dos próprios rostos.
Com a onipotência digna de uma divindade, poderia ter evitado o drama, deixando-nos, a todos, burros, ignorantes e felizes.
O que eu nunca entendi é o que os outros bichos tinham com isso. Qual a culpa do leão no episódio, ele que vivia e convivia, na mais absoluta e placêntica paz, com o cordeiro, o alce e o antílope.
Entretanto o pobre animal, por conta da falha humana, foi também remetido a um mundo cruel, tendo que caçar e comer os outros que, também sem culpa alguma, se transformaram em presas felinas, correndo pelas estepes inutilmente, esperando a vez de serem devorados.
Se O Sublime quisesse que o pênis de Adão balançasse ao acaso, indiferente à exposta vagina de Eva, não teria previsto que a coisa não é bem assim e que certas reações, físicas e químicas, são incontroláveis?
Quem é onipotente pode tudo, isto é mais do que claro. E poder tudo é um atributo infinitamente executável, o que custava ao Criador ter dispensado os animais, entre eles o Homem e a Mulher, de desejos pecaminosos que, como se sabe, se expressam através da ereção e da lubrificação? No vulgo, Tesão?
Sendo o Senhor, além de onipotente, também onisciente, não lhe competia saber previamente qual o resultado das tentações propostas ao pobre Primeiro Casal?
A onisciência, como a palavra diz, é saber tudo, mas tudo mesmo, o antes, o agora e o depois.
Não é crível que a onisciência seja seletiva e que o Todo Poderoso escolha o que vai ou não saber. Não. Ele sabe de tudo por definição, conseqüentemente, sabendo o que estava acontecendo no momento da mordida na maçã, sabendo o que aconteceria logo a seguir e, o que é mais curioso, sabendo antes o que aconteceria, qual a razão motivou o Santíssimo, de tudo sabedor e tudo podendo, a não evitar o desastre?
Sendo Adonai, além de onipotente e onisciente, também onipresente, estou perfeitamente autorizado a afirmar que o Grandioso estava presente e assistindo à toda trama, das primeiras falas ofídicas ao resultado final, bastando-lhe um tremilicar de pestanas para salvar a pátria.
Tais questões, nas quais me detive a pensar ha alguns dias e que vieram a tona hoje, não por acaso uma segunda-feira, me levaram a duas conclusões possíveis, as únicas que consegui para dar uma lógica mínima aos desígnios de Deus, também conhecido aqui no Sul como “o patrão véio da grande fazenda lá de riba”:
Primeira: O Pai eterno não é, como dizem alguns, onipresente, onisciente e onipotente. Neste caso fica tudo claro, Deus fez o Mundo, criou o Homem e a Mulher, estabeleceu as duas regras fundamentais – obediência absoluta e não provar do fruto proibido – e depois perdeu o controle. Não sendo onisciente, desconhecia as artimanhas da serpente. Não sendo onipotente, mesmo que as conhecesse, não podia impedir. E não sendo onipresente, não estava lá quando se consumou o atentado.
Segunda: O senhor é tudo isso e armou para Adão e Eva. Prometeu-lhes a eterna bem-aventurança sabendo que eles iam falhar e aí... bem, e aí fodeu-se a dupla e, conseqüentemente, fodemo-nos todos. Isto é, simplesmente sacaneou o casal, mostrando-lhes tudo o que iam perder, coisa que ele já sabia que ia acontecer.
Sei que usei palavras fortes mas peço que as aceitem como um uso adequado do vernáculo diante da gravidade da situação.
Se a primeira conclusão for verdadeira, lamento dizer-lhe, minha cara beata, meu prezado crente e fiel, que estamos entregues à nossa própria sorte e que o Criador definitivamente nos largou de mão, naquele dia fatídico lá no Éden. Talvez ele possa interferir aqui e ali, de modo ocasional e utilizando os limitados recursos de que dispõe. Nada muito contundente, assim de mudar a História, talvez um favorzinho, algo que ELE tenha escutado de passagem e, dispondo de tecnologia avançada nos tenha permitido acesso à, digamos, internet.
Estou para dizer que nem mesmo sobre a meteorologia ele tem qualquer controle, basta ver que chove ou faz sol, furacões entram e saem, ciclones irrompem, calores sufocam, frios congelam e nós aí, á mercê, sem saber se usaremos sungas na praia ou casacos e cachecóis na serra. Sem falar nos terremotos e nos tsunames que acontecem vez que outra, devastando a valer.
Basta consultar o Google para ver que aquilo que a humanidade não se encarrega ela mesma de destruir, a natureza completa o serviço.
Entretanto, tudo bem. Se assim quis o Criador, assim à Criatura compete exercer o papel e não adianta chorar, cair de joelhos, cobrir a cabeça, acender velas ou deitar-se em direção a um ponto cardeal e orar. Infelizmente ELE não sabe, se sabe não pode e se pode, não está ali, no momento exato.
Triste? Claro que sim mas, finalmente, compreensível.
Se a segunda conclusão for a verdadeira então, meus filhos, estamos definitivamente no mato se cachorro, o urso rugindo na nossa cara e nós sem espingarda, o caminhão a cem por hora invadindo a nossa loja ou sentados na privada, depois de uma dor de barriga mortífera, na casa do cônsul, e não tem papel higiênico.
Porque, neste caso, o Imenso está tirando com a nossa cara, pura e simplesmente, sabe tudo o que aconteceu e vai acontecer, está permanente nos assistindo e, podendo tudo, inclusive nada fazer, nada faz.
É o caos, cada um por si e ninguém por todos, vamos que vamos para ver no que dá e, como ELE sabe muito bem, não vai dar em nada.
Então é justo que você me pergunte qual o motivo que me leva a pensar essas coisas, ocupar o meu e o seu tempo com essas matérias esotéricas e inexplicáveis e, na prática, o que é que tais questões vão influenciar o nosso café da manhã.
E também é justo que eu lhe responda, o que vou fazer sucintamente: não sei!
E se soubesse, não diria.
E se dissesse........
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
PORQUE NÃO ACREDITO NA JUSTIÇA
BURRICE NÃO TEM LIMITES (III)
João Eichbaum
Sem uma formação jurídica sólida, que implica formação também sólida de humanística, a pessoa não saberá distinguir entre “assistência jurídica” e “assistência judiciária”.
A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de prestar assistência jurídica, mas não cuida de assistência “judiciária”.
A diferença entre uma e outra é acentuada. Jurídico não é sinônimo de “judiciário”. Jurídico vem da palavra latina “jus, juris”, que significa “direito”. Judiciário tem etimologia também assentada no latim, mas em outra palavra, que é “judex, judicis” e significa “juiz”.
Nem todo o assunto de direito é decidido pelo juiz. Só é decidido pelo juiz o assunto de direito posto “sub judice”, isto é, o assunto de direito que vai parar nas vias judiciais, ou judiciárias.
Então, a assistência é jurídica, enquanto envolve o direito não canalizado para as vias judiciais, quando, por exemplo, a matéria está sob o exame de jurisconsultos, advogados, etc., mas não nos autos do processo. Essa é a assistência que a Constituição impõe como dever do Estado: a criação de um corpo de jurisconsultos que preste assistência jurídica, que ouça os cidadãos envolvidos com questões direito, que os aconselhe e que, se for o caso, os represente em juízo.
A assistência judiciária só se concretiza quando a questão vai a juízo. Aí, deixa de ser “jurídica”, para ser judiciária. E a Constituição Federal não trata da assistência judiciária, por uma razão muito simples: toda a questão judiciária está submetida à lei processual, que é de natureza ordinária e não constitucional.
Desse modo, ao exigir, com base no art. 5º, inc. LXXIV da Constituição Federal, prova de insuficiência financeira, para deferir o benefício da assistência judiciária, o juiz demonstrou que não tem conhecimentos suficientes de direito para distinguir uma norma constitucional de uma lei ordinária, e não tem conhecimentos suficientes de vernáculo para distinguir o significado dos adjetivos “jurídico” e “judiciário”.
João Eichbaum
Sem uma formação jurídica sólida, que implica formação também sólida de humanística, a pessoa não saberá distinguir entre “assistência jurídica” e “assistência judiciária”.
A Constituição Federal impõe ao Estado a obrigação de prestar assistência jurídica, mas não cuida de assistência “judiciária”.
A diferença entre uma e outra é acentuada. Jurídico não é sinônimo de “judiciário”. Jurídico vem da palavra latina “jus, juris”, que significa “direito”. Judiciário tem etimologia também assentada no latim, mas em outra palavra, que é “judex, judicis” e significa “juiz”.
Nem todo o assunto de direito é decidido pelo juiz. Só é decidido pelo juiz o assunto de direito posto “sub judice”, isto é, o assunto de direito que vai parar nas vias judiciais, ou judiciárias.
Então, a assistência é jurídica, enquanto envolve o direito não canalizado para as vias judiciais, quando, por exemplo, a matéria está sob o exame de jurisconsultos, advogados, etc., mas não nos autos do processo. Essa é a assistência que a Constituição impõe como dever do Estado: a criação de um corpo de jurisconsultos que preste assistência jurídica, que ouça os cidadãos envolvidos com questões direito, que os aconselhe e que, se for o caso, os represente em juízo.
A assistência judiciária só se concretiza quando a questão vai a juízo. Aí, deixa de ser “jurídica”, para ser judiciária. E a Constituição Federal não trata da assistência judiciária, por uma razão muito simples: toda a questão judiciária está submetida à lei processual, que é de natureza ordinária e não constitucional.
Desse modo, ao exigir, com base no art. 5º, inc. LXXIV da Constituição Federal, prova de insuficiência financeira, para deferir o benefício da assistência judiciária, o juiz demonstrou que não tem conhecimentos suficientes de direito para distinguir uma norma constitucional de uma lei ordinária, e não tem conhecimentos suficientes de vernáculo para distinguir o significado dos adjetivos “jurídico” e “judiciário”.
terça-feira, 14 de outubro de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
Crônicas de Amor
ROMANCE, BOLERO E SAMBA-CANÇÃO
Paulo Wainberg
Quando o amor manda notícias saiba que valeu a pena esperar.
Sabe o amor enrustido,
Bem lá no fundo escondido,
Com medo de se revelar?
Sabe o amor sentido,
Do qual não se ousa falar?
Quando esse amor te responde,
Lindo, sorrindo e a cantar
Você nunca mais se esconde,
Abra os braços, do jeito de abraçar,
Receba os abraços, aqueles de endoidar,
E... deixe-se ficar,
Em êxtase total
Que só um amor revelado
Sabe como deixar.
Amor assim profundo,
Quando manda notícias,
É que ficou pelo mundo,
Impregnado de malícia,
Desejos de sacanagem,
Pernas a se enlaçar,
Mãos a te devorar,
Beijos de língua
A me conflagrar
E do teu corpo a miragem,
Os meus olhos
Inundar.
Quando o amor manda notícias saiba que valeu a pena esperar.
E mesmo que não seja verdade,
E mesmo que seja só vontade
Solerte e sub-reptícia,
A te fantasiar,
Não despreze a ocasião,
Sonhe – como eu sonhei –
Viva a ardente paixão,
Consigne, para constar,
Que esperar não foi em vão.
ROMANCE, BOLERO E SAMBA-CANÇÃO
Paulo Wainberg
Quando o amor manda notícias saiba que valeu a pena esperar.
Sabe o amor enrustido,
Bem lá no fundo escondido,
Com medo de se revelar?
Sabe o amor sentido,
Do qual não se ousa falar?
Quando esse amor te responde,
Lindo, sorrindo e a cantar
Você nunca mais se esconde,
Abra os braços, do jeito de abraçar,
Receba os abraços, aqueles de endoidar,
E... deixe-se ficar,
Em êxtase total
Que só um amor revelado
Sabe como deixar.
Amor assim profundo,
Quando manda notícias,
É que ficou pelo mundo,
Impregnado de malícia,
Desejos de sacanagem,
Pernas a se enlaçar,
Mãos a te devorar,
Beijos de língua
A me conflagrar
E do teu corpo a miragem,
Os meus olhos
Inundar.
Quando o amor manda notícias saiba que valeu a pena esperar.
E mesmo que não seja verdade,
E mesmo que seja só vontade
Solerte e sub-reptícia,
A te fantasiar,
Não despreze a ocasião,
Sonhe – como eu sonhei –
Viva a ardente paixão,
Consigne, para constar,
Que esperar não foi em vão.
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
PORQUE NÃO ACREDITO NA JUSTIÇA
BURRICE NÃO TEM LIMITES (II)
João Eichbaum
Quem é leigo, ou adquiriu seu diploma de bacharel em ciências jurídicas e sociais, através de pesadas prestações mensais, durante anos, numa dessas inúmeras faculdades criadas por espertalhões e comerciantes de ensino, quer dizer, tem diploma de bacharel, mas não tem formação jurídica, poderá pensar que o juiz tem razão. Afinal, se a Constituição Federal exige comprovação de insuficiência de recursos, mais não fez o juiz do que cumprir, literal e friamente, o mandamento constitucional.
Mas, vamos por partes. O que é uma Constituição?
A Constituição, como a própria palavra sugere, serve para constituir o Estado, para estabelecer as bases legais sobre as quais se assentam suas funções. Em outras palavras, a Constituição estabelece as normas fundamentais da estrutura do Estado em si mesmo e em suas relações para com os cidadãos, instituindo o poder e os seus limites. A Constituição define estruturas jurídicas e não regulamenta minúcias. As minúcias do dia a dia, dentro da estrutura jurídica montada pela Constituição, são regulamentadas pelas leis ordinárias.
Então, em resumo, a Constituição é norma que, fundamentalmente, se dirige ao Estado, para constitui-lo, para lhe desenhar o perfil. Quando a Constituição brasileira, por exemplo, no art. 5º, arrola os direitos individuais, ela não se dirige, diretamente, aos cidadãos, mas ao Estado, determinando o modo como esse deve se comportar perante os ditos cidadãos. Assim, quando diz no art. 5º, inciso LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, está estabelecendo uma obrigação ao Estado, a de prestar assistência jurídica gratuita, mas impondo limites, para que ele não esbanje esse benefício, devendo só concedê-lo para quem não tiver recursos suficientes. E foi, exatamente, em razão dessa norma, que se criou a Defensoria Pública, porque o Estado tem a obrigação de prestar assistência jurídica gratuita, nos limites impostos pela Constituição.
O que se está querendo dizer é que a Constituição não cuida do processo, da formalidade, do modus operandi, porque sua natureza é de outro porte, tem outra finalidade, tem uma característica estrutural e não regulamentadora. A regulamentação das normas fundamentais, que dizem respeito ao procedimento em juízo, por exemplo, fica a cargo da legislação ordinária. Aqui, portanto, a primeira distinção: Constituição é uma coisa, legislação ordinária é outra. A última decorre da primeira.
Então, você que é leigo ou possui apenas um diploma de bacharel em ciências jurídicas e sociais, sem formação jurídica, já tirou sua primeira conclusão: a Constituição Federal, não sendo uma norma de procedimento judicial, é imprópria como fundamento para decidir um incidente processual: para isso existem as normas específicas, as leis processuais, que regulam as minúcias de qualquer procedimento, judicial ou administrativo. (Continua)
João Eichbaum
Quem é leigo, ou adquiriu seu diploma de bacharel em ciências jurídicas e sociais, através de pesadas prestações mensais, durante anos, numa dessas inúmeras faculdades criadas por espertalhões e comerciantes de ensino, quer dizer, tem diploma de bacharel, mas não tem formação jurídica, poderá pensar que o juiz tem razão. Afinal, se a Constituição Federal exige comprovação de insuficiência de recursos, mais não fez o juiz do que cumprir, literal e friamente, o mandamento constitucional.
Mas, vamos por partes. O que é uma Constituição?
A Constituição, como a própria palavra sugere, serve para constituir o Estado, para estabelecer as bases legais sobre as quais se assentam suas funções. Em outras palavras, a Constituição estabelece as normas fundamentais da estrutura do Estado em si mesmo e em suas relações para com os cidadãos, instituindo o poder e os seus limites. A Constituição define estruturas jurídicas e não regulamenta minúcias. As minúcias do dia a dia, dentro da estrutura jurídica montada pela Constituição, são regulamentadas pelas leis ordinárias.
Então, em resumo, a Constituição é norma que, fundamentalmente, se dirige ao Estado, para constitui-lo, para lhe desenhar o perfil. Quando a Constituição brasileira, por exemplo, no art. 5º, arrola os direitos individuais, ela não se dirige, diretamente, aos cidadãos, mas ao Estado, determinando o modo como esse deve se comportar perante os ditos cidadãos. Assim, quando diz no art. 5º, inciso LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, está estabelecendo uma obrigação ao Estado, a de prestar assistência jurídica gratuita, mas impondo limites, para que ele não esbanje esse benefício, devendo só concedê-lo para quem não tiver recursos suficientes. E foi, exatamente, em razão dessa norma, que se criou a Defensoria Pública, porque o Estado tem a obrigação de prestar assistência jurídica gratuita, nos limites impostos pela Constituição.
O que se está querendo dizer é que a Constituição não cuida do processo, da formalidade, do modus operandi, porque sua natureza é de outro porte, tem outra finalidade, tem uma característica estrutural e não regulamentadora. A regulamentação das normas fundamentais, que dizem respeito ao procedimento em juízo, por exemplo, fica a cargo da legislação ordinária. Aqui, portanto, a primeira distinção: Constituição é uma coisa, legislação ordinária é outra. A última decorre da primeira.
Então, você que é leigo ou possui apenas um diploma de bacharel em ciências jurídicas e sociais, sem formação jurídica, já tirou sua primeira conclusão: a Constituição Federal, não sendo uma norma de procedimento judicial, é imprópria como fundamento para decidir um incidente processual: para isso existem as normas específicas, as leis processuais, que regulam as minúcias de qualquer procedimento, judicial ou administrativo. (Continua)
sexta-feira, 10 de outubro de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
CRÔNICAS ESTATUTÁRIAS
UM DISCURSO
Paulo Wainberg
Quando a Lica e o Jorge descobriram que a filha deles, de 16 anos, estava fumando maconha, foi um desastre em casa. Pior, um furacão. A Lica descobriu a maconha da mochila da Mônica, mostrou para o Jorge e lá se foram os dois, para o quarto da menina, fechado por dentro, de onde saia um som impossível, no volume e na melodia.
Jorge deu murros, Lica gritou até que Mônica abriu a porta e vendo os olhares furibundos, recuou para a cama.
- O que é isso que achei na tua mochila, Mônica? Hein? Me explica! O que que é isto? - berrou Lica, enquanto Jorge desligava o som furioso.
- Isso o que, mãe? Que saco! Não posso ficar quieta no meu quarto que...
- Maconha, sua... sua... sua vagabunda! – vociferou Jorge. A minha filha fumando maconha! Depois de tudo o que a gente te ensinou, de tudo o que a gente faz por ti e tu te drogando por aí...
- Maconha? – espantou-se Mônica – Ah, isso aí – apontou para o cigarro na mão de Lica – não é meu gente. Que é isso? Nunca fumei maconha na vida, isso aí é de um colega meu que pediu pra guardar e esqueceu de pegar. Amanhã vou devolver. Nossa! Quanto escândalo. Vocês não confiam em mim mesmo, né gente? Por isso é que não agüento mais morar nesta casa!
Imediatamente Mônica atirou-se sobre o travesseiro, desatando num choro convulsivo enquanto Lica e Jorge se olhavam cheios de culpa.
.............
O pequeno drama acima repete-se e repetiu-se em milhares de casas neste mundo, pais perplexos diante de filhos que se drogam e usam sempre a mesma desculpa: - Isso é de um amigo que me pediu para guardar.
Não sou de me meter na vida de ninguém, muito menos criticar pessoas ou julgar os outros. Porém o tema das drogas é tão avassalador, tão cruelmente devastador que falar nele, às vezes, surge como um imperativo à minha consciência, mesmo que não adiante nada falar.
Eu, que sou dependente de cigarro, comecei a fumar na época em que fumar era o maior charme, a coisa mais bonita, romântica e sedutora do mundo.Ver a fumaça subindo pelo rosto do Humphrey Bogart enquanto ele dizia para a Lauren Baccal que ela era a mulher mais importante da vida dele, ou quando olhava para a Ingrid Bergmann e dizia que, para eles, sempre haveria Paris era, na expressão da época, o máximo.
Eu, com 13 anos era, vocês podem imaginar, um charme acendendo um cigarro e fazer uma espiral com a fumaça, olhando de lada com o cenho franzido para a coleguinha de aula que queria conquistar.
Portanto eu tinha um motivo real para fumar. Era a moda, naquela época não fazia mal e ajudava na paquera.
As razões que levam a maioria da garotada a experimentar drogas não são exatamente as mesmas. Existe, é claro, o desejo de “pertencer”, de estar integrado ao grupo, de fazer como todo o mundo. Porém a droga, da maconha às mais pesadas, produz efeitos que o cigarro jamais produziu, modifica o comportamento, altera a percepção, afeta os sentidos e leva o consumidor a fazer coisas que não faria e, o que é pior, por serem drogas ilícitas, geram uma dependência intolerável que só muito dinheiro pode satisfazer.
Os resultados disto nós todos sabemos.
A dependência química é uma doença e não uma falha de caráter. Uma vez dependente, não basta a força de vontade para se livrar. O drogado deve ser tratado como um doente, entendido como um doente. O mesmo acontece com o alcoolismo.
A tendência que temos de associar o alcoolismo e o consumo de drogas à vagabundagem, a atitudes marginais ou às desvalias da personalidade é um grande erro porque, se já é difícil resistir às tentações mais ingênuas como matar a aula ou o trabalho, por exemplo, é simplesmente impossível resistir sozinho às exigências do organismo por substancias das quais ele depende.
A dependência tem força tão avassaladora quanto a necessidade de respirar, beber água ou comer.
Abster-se de comer leva à morte. Abster-se da droga leva ao sofrimento implacável e irresistível que precisa ser eliminado pelo consumo imediato.
Muitas vezes a pessoa se vale de álcool ou drogas para reduzir efeitos de males psíquicos como ansiedade, depressão, pânico, sem mesmo perceber que está se tornando dependente. A droga tem efeito anestésico para um sofrimento anterior que não se compreende, que não se conhece a causa e a origem. Ao tornar-se dependente, duplica-se o sofrimento, pois sem ela sofre-se por causa da ansiedade, da depressão ou do pânico e também por causa da abstinência.
E, acreditem nestas palavras, o sofrimento é tão intenso, tão destruidor que as pessoas perdem as referências, animalizam-se e são capazes de tudo, fazem qualquer coisa para aplacar tamanha dor.
Portanto não punam seus queridos que, por isso ou aquilo, tenham se tornado dependentes. Cuidem deles, tratem deles, compreendam e associem-se ao sofrimento deles, sem indagações, sem preconceitos e, principalmente, sem julgamentos. Apenas gostem deles, os seus queridos, mostrem esse gostar e façam tudo o que for possível para, ao lado deles, ajudá-los a compreender a própria doença. Ajam sem qualquer sentimento de vergonha porque nenhuma doença é vergonhosa. Nenhuma.
Se descobrirem drogas entre as coisas dos seus queridos, finjam acreditar que eles apenas estão guardando para outros. Mas não acreditem. E façam o que deve ser feito: carinho, compreensão e ajuda.
Quando seus queridos sentirem que são queridos de verdade, virão para o lado de vocês, não terão vergonha de pedir ajuda e terão muita coragem para se deixarem ajudar.
E tenho dito.
UM DISCURSO
Paulo Wainberg
Quando a Lica e o Jorge descobriram que a filha deles, de 16 anos, estava fumando maconha, foi um desastre em casa. Pior, um furacão. A Lica descobriu a maconha da mochila da Mônica, mostrou para o Jorge e lá se foram os dois, para o quarto da menina, fechado por dentro, de onde saia um som impossível, no volume e na melodia.
Jorge deu murros, Lica gritou até que Mônica abriu a porta e vendo os olhares furibundos, recuou para a cama.
- O que é isso que achei na tua mochila, Mônica? Hein? Me explica! O que que é isto? - berrou Lica, enquanto Jorge desligava o som furioso.
- Isso o que, mãe? Que saco! Não posso ficar quieta no meu quarto que...
- Maconha, sua... sua... sua vagabunda! – vociferou Jorge. A minha filha fumando maconha! Depois de tudo o que a gente te ensinou, de tudo o que a gente faz por ti e tu te drogando por aí...
- Maconha? – espantou-se Mônica – Ah, isso aí – apontou para o cigarro na mão de Lica – não é meu gente. Que é isso? Nunca fumei maconha na vida, isso aí é de um colega meu que pediu pra guardar e esqueceu de pegar. Amanhã vou devolver. Nossa! Quanto escândalo. Vocês não confiam em mim mesmo, né gente? Por isso é que não agüento mais morar nesta casa!
Imediatamente Mônica atirou-se sobre o travesseiro, desatando num choro convulsivo enquanto Lica e Jorge se olhavam cheios de culpa.
.............
O pequeno drama acima repete-se e repetiu-se em milhares de casas neste mundo, pais perplexos diante de filhos que se drogam e usam sempre a mesma desculpa: - Isso é de um amigo que me pediu para guardar.
Não sou de me meter na vida de ninguém, muito menos criticar pessoas ou julgar os outros. Porém o tema das drogas é tão avassalador, tão cruelmente devastador que falar nele, às vezes, surge como um imperativo à minha consciência, mesmo que não adiante nada falar.
Eu, que sou dependente de cigarro, comecei a fumar na época em que fumar era o maior charme, a coisa mais bonita, romântica e sedutora do mundo.Ver a fumaça subindo pelo rosto do Humphrey Bogart enquanto ele dizia para a Lauren Baccal que ela era a mulher mais importante da vida dele, ou quando olhava para a Ingrid Bergmann e dizia que, para eles, sempre haveria Paris era, na expressão da época, o máximo.
Eu, com 13 anos era, vocês podem imaginar, um charme acendendo um cigarro e fazer uma espiral com a fumaça, olhando de lada com o cenho franzido para a coleguinha de aula que queria conquistar.
Portanto eu tinha um motivo real para fumar. Era a moda, naquela época não fazia mal e ajudava na paquera.
As razões que levam a maioria da garotada a experimentar drogas não são exatamente as mesmas. Existe, é claro, o desejo de “pertencer”, de estar integrado ao grupo, de fazer como todo o mundo. Porém a droga, da maconha às mais pesadas, produz efeitos que o cigarro jamais produziu, modifica o comportamento, altera a percepção, afeta os sentidos e leva o consumidor a fazer coisas que não faria e, o que é pior, por serem drogas ilícitas, geram uma dependência intolerável que só muito dinheiro pode satisfazer.
Os resultados disto nós todos sabemos.
A dependência química é uma doença e não uma falha de caráter. Uma vez dependente, não basta a força de vontade para se livrar. O drogado deve ser tratado como um doente, entendido como um doente. O mesmo acontece com o alcoolismo.
A tendência que temos de associar o alcoolismo e o consumo de drogas à vagabundagem, a atitudes marginais ou às desvalias da personalidade é um grande erro porque, se já é difícil resistir às tentações mais ingênuas como matar a aula ou o trabalho, por exemplo, é simplesmente impossível resistir sozinho às exigências do organismo por substancias das quais ele depende.
A dependência tem força tão avassaladora quanto a necessidade de respirar, beber água ou comer.
Abster-se de comer leva à morte. Abster-se da droga leva ao sofrimento implacável e irresistível que precisa ser eliminado pelo consumo imediato.
Muitas vezes a pessoa se vale de álcool ou drogas para reduzir efeitos de males psíquicos como ansiedade, depressão, pânico, sem mesmo perceber que está se tornando dependente. A droga tem efeito anestésico para um sofrimento anterior que não se compreende, que não se conhece a causa e a origem. Ao tornar-se dependente, duplica-se o sofrimento, pois sem ela sofre-se por causa da ansiedade, da depressão ou do pânico e também por causa da abstinência.
E, acreditem nestas palavras, o sofrimento é tão intenso, tão destruidor que as pessoas perdem as referências, animalizam-se e são capazes de tudo, fazem qualquer coisa para aplacar tamanha dor.
Portanto não punam seus queridos que, por isso ou aquilo, tenham se tornado dependentes. Cuidem deles, tratem deles, compreendam e associem-se ao sofrimento deles, sem indagações, sem preconceitos e, principalmente, sem julgamentos. Apenas gostem deles, os seus queridos, mostrem esse gostar e façam tudo o que for possível para, ao lado deles, ajudá-los a compreender a própria doença. Ajam sem qualquer sentimento de vergonha porque nenhuma doença é vergonhosa. Nenhuma.
Se descobrirem drogas entre as coisas dos seus queridos, finjam acreditar que eles apenas estão guardando para outros. Mas não acreditem. E façam o que deve ser feito: carinho, compreensão e ajuda.
Quando seus queridos sentirem que são queridos de verdade, virão para o lado de vocês, não terão vergonha de pedir ajuda e terão muita coragem para se deixarem ajudar.
E tenho dito.
quinta-feira, 9 de outubro de 2008
PORQUE NÃO ACREDITO NA JUSTIÇA
BURRICE NÃO TEM LIMITES
João Eichbaum
O caso é o seguinte. Uma senhora alugava um apartamento de um quarto, numa ruela transversal à Av. Protásio Alves. Valor do aluguel: Cr$ 350,00. Tendo, de uma hora para outra, perdido o emprego, (nesta terra em que todos esperam os 10 milhões de emprego que o Lula prometeu) e não podendo, evidentemente, continuar a pagar o aluguel, mais condomínio, impostos, etc, resolveu entregar o dito apartamento, antecipadamente. Mas a imobiliária não aceitou o valor do aluguel, pois pretendia cobrar mundos e fundos, como sói acontecer.
A senhora (uma dessas pobres criaturas que ainda creditam na justiça) ingressou com ação de consignação em pagamento. Já explico: consignação em pagamento é o depósito do valor na justiça, e pediu, na própria petição inicial, gratuidade de justiça, porque, estando desempregada, não tinha condições de pagar custas, nem honorários de advogado.
A lei 1.060, que trata do benefício da assistência judiciária gratuita, no artigo 4º, diz o seguinte: “a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”. E o §1º complementa: “presume-se pobre, até prova em contrário, quem esta condição, nos termos desta Lei,sob pena de pagamento até o décuplo das custas”.
O juiz, mais de uma semana depois de receber o pedido, determinou que a parte (a senhora desempregada) comprovasse seus rendimentos, para obter o benefício da justiça gratuita. Então a parte (a senhora desempregada) peticionou, informando mais uma vez, ao juiz, que, estando desempregada, não tinha rendimento algum.
O juiz, então, despachou, novamente, asssim:
Vistos:Para análise do pedido de gratuidade da justiça, junte a autora, em cinco dias, comprovante de rendimentos atualizado ou sua declaração de renda e bens, ainda que isenta, junto ao Fisco, relativa ao último ano fiscal.Com isso, não se quer dificultar ou impedir o acesso ao Judiciário, mas, se coibir abusos daqueles que não se enquadram na condição de necessitados, pois o benefício a um concedido, será suportado por toda a coletividade.Ressalta-se, ainda, a exigência de comprovação de hipossuficiência encontra amparo na CF/88, no art. 5º, inciso LXXIV.
O tal art. 5º, inciso LXXIV da CF/88 diz o seguinte: “ o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Sei que os que lêm esta coluna são pessoas inteligentes. Em razão disso, nada comento, deixando-os meditarem sobre o texto literal da Lei 1.060/50, o despacho do juiz e o texto constitucional que o magistrado invocou. Que cada tire a sua conclusão. Da minha, darei notícia na próxima crônica.
João Eichbaum
O caso é o seguinte. Uma senhora alugava um apartamento de um quarto, numa ruela transversal à Av. Protásio Alves. Valor do aluguel: Cr$ 350,00. Tendo, de uma hora para outra, perdido o emprego, (nesta terra em que todos esperam os 10 milhões de emprego que o Lula prometeu) e não podendo, evidentemente, continuar a pagar o aluguel, mais condomínio, impostos, etc, resolveu entregar o dito apartamento, antecipadamente. Mas a imobiliária não aceitou o valor do aluguel, pois pretendia cobrar mundos e fundos, como sói acontecer.
A senhora (uma dessas pobres criaturas que ainda creditam na justiça) ingressou com ação de consignação em pagamento. Já explico: consignação em pagamento é o depósito do valor na justiça, e pediu, na própria petição inicial, gratuidade de justiça, porque, estando desempregada, não tinha condições de pagar custas, nem honorários de advogado.
A lei 1.060, que trata do benefício da assistência judiciária gratuita, no artigo 4º, diz o seguinte: “a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”. E o §1º complementa: “presume-se pobre, até prova em contrário, quem esta condição, nos termos desta Lei,sob pena de pagamento até o décuplo das custas”.
O juiz, mais de uma semana depois de receber o pedido, determinou que a parte (a senhora desempregada) comprovasse seus rendimentos, para obter o benefício da justiça gratuita. Então a parte (a senhora desempregada) peticionou, informando mais uma vez, ao juiz, que, estando desempregada, não tinha rendimento algum.
O juiz, então, despachou, novamente, asssim:
Vistos:Para análise do pedido de gratuidade da justiça, junte a autora, em cinco dias, comprovante de rendimentos atualizado ou sua declaração de renda e bens, ainda que isenta, junto ao Fisco, relativa ao último ano fiscal.Com isso, não se quer dificultar ou impedir o acesso ao Judiciário, mas, se coibir abusos daqueles que não se enquadram na condição de necessitados, pois o benefício a um concedido, será suportado por toda a coletividade.Ressalta-se, ainda, a exigência de comprovação de hipossuficiência encontra amparo na CF/88, no art. 5º, inciso LXXIV.
O tal art. 5º, inciso LXXIV da CF/88 diz o seguinte: “ o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”.
Sei que os que lêm esta coluna são pessoas inteligentes. Em razão disso, nada comento, deixando-os meditarem sobre o texto literal da Lei 1.060/50, o despacho do juiz e o texto constitucional que o magistrado invocou. Que cada tire a sua conclusão. Da minha, darei notícia na próxima crônica.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
Para os que não sabem, a crônica do Paulo trata da noite em que foi lançado o seu mais recente livro "Outro Vagabundo Toca em Surdina", com um grande "show" do próprio, com um repertório de mexer com a alma dos boêmios.
João Eichbaum
TUDO POR UMA NOITE
Paulo Wainberg
Aos que foram, muito obrigado. Aos que não puderam ir, eu desculpo. Aos que nem deram bola, eu cumprimento.
Quem foi viu: vocês não fazem idéia do que são num palco o Toneco da Costa, o Fernando do Ó e o Mario Carvalho.
Eles são tão incríveis, tão imensamente músicos, tão perfeitamente integrados, virtuosos e sensíveis que a vontade que dá é não sair mais dali e ficar ouvindo, ouvindo e ouvindo.
São tão grandes que me seguraram cantando, olha só, músicas como Detalhes, Atrás da Porta, Amigo é pra essas coisas, Marcha da quarta Feira de Cinzas, Desafinado e outras durante uma hora e, ainda por cima, ser aplaudido. Eu, com minha voz de baixo não muito profundo, barítono não muito grave, tenor nada agudo, fanhosa o suficiente e, para menos mal dos pecados, um pouco afinada, enfrentei uma platéia de mais de cem pessoas com a naturalidade de um mergulhador, com escafandro e tudo, enterrado na areia. E fui até o fim, contra todos e contra tudo, amparado pelo talento fabuloso dos três.
Vocês não fazem idéia do que faz a jovem atriz Luiza Ollé num palco, interpretando e declamando textos e poemas meus (!). O brilho da criatura é assustador! Ela fica imensa, soberba, linda, sedutora, triste, desesperada, suplicante, feliz e suprema numa única frase, num único verso.
Isto eu recomendo: quando vocês lerem o nome Luiza Ollé em qualquer espetáculo, larguem tudo e corram para assistir.
Foi uma noite fantástica para mim, um verdadeiro show, uma experiência inédita que foi dirigida pelo incrível Leo Maciel, um sujeito com doce sensibilidade e que sabe tudo de um palco, das marcações às entonações, dos tempos e da iluminação. Sem ataques, sem chiliques, com calma e precisa compreensão, organizou tudo, arredondou e transformou o espetáculo num verdadeiro espetáculo.
Adorei cantar em público. Sempre gostei de cantar e sempre quis fazer uma coisa assim. Agora está feita.
Para propostas e convites, favor falar com meu empresário.
Quero falar também da Dharma Produções, da incrível, incasável e maravilhosa Ângela Moreira Flach.
Quando, no início de março, propus essa loucura ela abraçou a causa, me amparou, incentivou, organizou, fez, desfez e refez e tornou possível o evento, coordenando os duzentos e trinta e sete mil detalhes, fora os quebrados, que um aparentemente singelo show exige e requer. Competentíssima Ângela Moreira Flach e toda a sua equipe.
Depois disso tudo, autógrafos e champanhe, afinal era o lançamento de um livro.
E eu... nas nuvens. Literalmente.
A quantidade de mensagens que recebi me deu a sensação gostosa de ser bem quisto, de ter amigos, de ter pessoas que me gostam.
O orgulho da minha filha e do meu genro era de babar. E eu babei.
Minha mulher não cabia em si de contentamento. Não cabia em si nem em mim....
Foi uma noite gloriosa e se dela eu puder dizer alguma coisa a todos que me ouvem neste momento solene é: Qualquer pessoa merece ter momentos assim, de glória e de satisfação pessoal. O único requisito é não ter medo, é por em prática o sonho, não ir além das medidas, testar-se, fazer a coisa séria e bem feita que o resultado vem.
Eu sou a prova disto: cantei, cantei, até ficar com dó do público...
Quando eu executar os outros vinte e seis projetos que tenho, finalmente estarei realizado, enquanto “pessoa humana”, entende?
Com tudo isto, o que eu quero mesmo dizer é que artistas de primeira grandeza seguram a barra de amadores, como fizeram comigo Toneco da Costa, Fernando do Ó e Mario Carvalho ( no meu tempo se dizia “conjunto”, “melódico” ou, simplesmente “trio”? e Luiza Ollé, A atriz.
É isso, gente, para compartilhar com os que foram, com os que não puderam ir e com os que não deram bola e dar o mérito aos que realmente tiveram mérito.
Quanto ao meu cachê, ainda estou estudando, mas aceito propostas...
João Eichbaum
TUDO POR UMA NOITE
Paulo Wainberg
Aos que foram, muito obrigado. Aos que não puderam ir, eu desculpo. Aos que nem deram bola, eu cumprimento.
Quem foi viu: vocês não fazem idéia do que são num palco o Toneco da Costa, o Fernando do Ó e o Mario Carvalho.
Eles são tão incríveis, tão imensamente músicos, tão perfeitamente integrados, virtuosos e sensíveis que a vontade que dá é não sair mais dali e ficar ouvindo, ouvindo e ouvindo.
São tão grandes que me seguraram cantando, olha só, músicas como Detalhes, Atrás da Porta, Amigo é pra essas coisas, Marcha da quarta Feira de Cinzas, Desafinado e outras durante uma hora e, ainda por cima, ser aplaudido. Eu, com minha voz de baixo não muito profundo, barítono não muito grave, tenor nada agudo, fanhosa o suficiente e, para menos mal dos pecados, um pouco afinada, enfrentei uma platéia de mais de cem pessoas com a naturalidade de um mergulhador, com escafandro e tudo, enterrado na areia. E fui até o fim, contra todos e contra tudo, amparado pelo talento fabuloso dos três.
Vocês não fazem idéia do que faz a jovem atriz Luiza Ollé num palco, interpretando e declamando textos e poemas meus (!). O brilho da criatura é assustador! Ela fica imensa, soberba, linda, sedutora, triste, desesperada, suplicante, feliz e suprema numa única frase, num único verso.
Isto eu recomendo: quando vocês lerem o nome Luiza Ollé em qualquer espetáculo, larguem tudo e corram para assistir.
Foi uma noite fantástica para mim, um verdadeiro show, uma experiência inédita que foi dirigida pelo incrível Leo Maciel, um sujeito com doce sensibilidade e que sabe tudo de um palco, das marcações às entonações, dos tempos e da iluminação. Sem ataques, sem chiliques, com calma e precisa compreensão, organizou tudo, arredondou e transformou o espetáculo num verdadeiro espetáculo.
Adorei cantar em público. Sempre gostei de cantar e sempre quis fazer uma coisa assim. Agora está feita.
Para propostas e convites, favor falar com meu empresário.
Quero falar também da Dharma Produções, da incrível, incasável e maravilhosa Ângela Moreira Flach.
Quando, no início de março, propus essa loucura ela abraçou a causa, me amparou, incentivou, organizou, fez, desfez e refez e tornou possível o evento, coordenando os duzentos e trinta e sete mil detalhes, fora os quebrados, que um aparentemente singelo show exige e requer. Competentíssima Ângela Moreira Flach e toda a sua equipe.
Depois disso tudo, autógrafos e champanhe, afinal era o lançamento de um livro.
E eu... nas nuvens. Literalmente.
A quantidade de mensagens que recebi me deu a sensação gostosa de ser bem quisto, de ter amigos, de ter pessoas que me gostam.
O orgulho da minha filha e do meu genro era de babar. E eu babei.
Minha mulher não cabia em si de contentamento. Não cabia em si nem em mim....
Foi uma noite gloriosa e se dela eu puder dizer alguma coisa a todos que me ouvem neste momento solene é: Qualquer pessoa merece ter momentos assim, de glória e de satisfação pessoal. O único requisito é não ter medo, é por em prática o sonho, não ir além das medidas, testar-se, fazer a coisa séria e bem feita que o resultado vem.
Eu sou a prova disto: cantei, cantei, até ficar com dó do público...
Quando eu executar os outros vinte e seis projetos que tenho, finalmente estarei realizado, enquanto “pessoa humana”, entende?
Com tudo isto, o que eu quero mesmo dizer é que artistas de primeira grandeza seguram a barra de amadores, como fizeram comigo Toneco da Costa, Fernando do Ó e Mario Carvalho ( no meu tempo se dizia “conjunto”, “melódico” ou, simplesmente “trio”? e Luiza Ollé, A atriz.
É isso, gente, para compartilhar com os que foram, com os que não puderam ir e com os que não deram bola e dar o mérito aos que realmente tiveram mérito.
Quanto ao meu cachê, ainda estou estudando, mas aceito propostas...
terça-feira, 7 de outubro de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
CRÔNICAS GOZADORAS
GOSTO É GOSTO
Paulo Wainberg
Canso de afirmar que mulher, futebol, religião, política, marca de vinho, cor de automóvel, taras individuais, ópera, corte de cabelo, samba-canção e chinelo de dedo não se discutem.
Canso de afirmar que a única coisa sobre a qual vale a pena discutir é o Gosto. Quando se discute sobre Gosto chega-se a algum lugar, vai-se a Roma, conclui-se e até mesmo briga-se a socos e pontapés.
Gosto é bom de discutir pela universalidade do tema, pela diversidade da coisa, como diria o outro, pela onipresente parceria disposta à abordagem do tema, com veemência, candura, ira e sex-appeal.
Discutir sobre mulher não tem graça pois as mulheres são indiscutíveis, talvez sobre o tamanho do pé, mais gordinha ou mais magrinha, sapecas ou comportadas, apenas frivolidades, nada essencial e relevante.
Mulher é e ponto final.
E não discuta!
Religião cada um tem a sua, até os que, como eu, são ateus e fazem do ateísmo uma religião e pronto.
Política é lá tema para discussão? Não conheço uma única conversa sobre política que não termine com a mesma conclusão que não vou escrever aqui porque de nada adiante, nenhum presta mesmo... Vá lá que seja, tem uns que, vá lá que seja.
Quer discutir sobre marca de vinho? Pode discutir mas tem que usar os termos corretos: bouquê, densidade honesta, safra, tipo de uva, ano, alacricidade...
Cor de automóvel? Vai discutir como? O assunto se esgota na segunda palavra.
Etc, etc.
Deixei o futebol por último de propósito. Não que eu queira discutir sobre futebol, sobretudo aqui no Sul onde, no dia do meu aniversário, operou-se o mais glorioso massacre que se poderia imaginar, sobre a arrogância, a prepotência e a falsa liderança.
Foi coisa de não esquecer, de guardar na memória e carregar no lombo por décadas, tamanha lambada em 45 minutos não se tinha notícia. A alegada máquina que esmagaria o dono da casa, foi-se ver, era de papelão molhado, cada uma de suas peças demonstrando pavor diante da soberba ação do adversário, praticada com movimentos harmônicos, incisivos, cortantes e perfurantes fazendo da máquina de papelão molhado um amontoado aturdido reposto devidamente no seu lugar secundário, isto é, numa divisão inferior de onde jamais deveria ousar sair.
É o que acontece com os pequenos diante dos grandes: mostram os dentes e as unhas, arreganham e fazem careta, berram, estrebucham e, quando voltam a si, estão de quatro, chorando as mágoas e lambendo as patas.
Não, eu insisto, não se discute futebol. O futebol, quando é, é indiscutível. Quando não é, segundo a teoria geral das aparências, sucumbe aos poucos, como a mulher amada que diz não, não... nããão... sim, sim, sim! E entrega-se ao valor mais alto qual criança que adora o papai.
Dizem que na vida, quanto maior a pretensão, maior o tombo. E quando ele acontece é assim, monumental, escorchante, arrasador, a soberba maquinação transformada em pó, a arrogantemente alardeada imortalidade deparando-se com a própria finitude pois não há barro que resista a quatro estocadas fulminantes, desferidas pela verdadeira grandeza.
Discutir futebol? Nem em sonho. Nem que a vaca tussa, atole-se no brejo e rumine. Nem que chovam canivetes, paquidermes ou ácido nítrico – se é que isso existe.
Não, não, meu caro quadrifactum, não discuta futebol, não faça isso, limite-se a admirar, a sofrer e a perguntar-se qual a razão de seu infortúnio, em que desavisado momento de sua vida você fez tão infeliz escolha. E sofra, que é o que lhe resta.
Porém, não sou intransigente e faço concessões. Estou pronto a discutir com você, a qualquer hora e em qualquer circunstância, aquilo que realmente vale a pena ser discutido: Gosto.
GOSTO É GOSTO
Paulo Wainberg
Canso de afirmar que mulher, futebol, religião, política, marca de vinho, cor de automóvel, taras individuais, ópera, corte de cabelo, samba-canção e chinelo de dedo não se discutem.
Canso de afirmar que a única coisa sobre a qual vale a pena discutir é o Gosto. Quando se discute sobre Gosto chega-se a algum lugar, vai-se a Roma, conclui-se e até mesmo briga-se a socos e pontapés.
Gosto é bom de discutir pela universalidade do tema, pela diversidade da coisa, como diria o outro, pela onipresente parceria disposta à abordagem do tema, com veemência, candura, ira e sex-appeal.
Discutir sobre mulher não tem graça pois as mulheres são indiscutíveis, talvez sobre o tamanho do pé, mais gordinha ou mais magrinha, sapecas ou comportadas, apenas frivolidades, nada essencial e relevante.
Mulher é e ponto final.
E não discuta!
Religião cada um tem a sua, até os que, como eu, são ateus e fazem do ateísmo uma religião e pronto.
Política é lá tema para discussão? Não conheço uma única conversa sobre política que não termine com a mesma conclusão que não vou escrever aqui porque de nada adiante, nenhum presta mesmo... Vá lá que seja, tem uns que, vá lá que seja.
Quer discutir sobre marca de vinho? Pode discutir mas tem que usar os termos corretos: bouquê, densidade honesta, safra, tipo de uva, ano, alacricidade...
Cor de automóvel? Vai discutir como? O assunto se esgota na segunda palavra.
Etc, etc.
Deixei o futebol por último de propósito. Não que eu queira discutir sobre futebol, sobretudo aqui no Sul onde, no dia do meu aniversário, operou-se o mais glorioso massacre que se poderia imaginar, sobre a arrogância, a prepotência e a falsa liderança.
Foi coisa de não esquecer, de guardar na memória e carregar no lombo por décadas, tamanha lambada em 45 minutos não se tinha notícia. A alegada máquina que esmagaria o dono da casa, foi-se ver, era de papelão molhado, cada uma de suas peças demonstrando pavor diante da soberba ação do adversário, praticada com movimentos harmônicos, incisivos, cortantes e perfurantes fazendo da máquina de papelão molhado um amontoado aturdido reposto devidamente no seu lugar secundário, isto é, numa divisão inferior de onde jamais deveria ousar sair.
É o que acontece com os pequenos diante dos grandes: mostram os dentes e as unhas, arreganham e fazem careta, berram, estrebucham e, quando voltam a si, estão de quatro, chorando as mágoas e lambendo as patas.
Não, eu insisto, não se discute futebol. O futebol, quando é, é indiscutível. Quando não é, segundo a teoria geral das aparências, sucumbe aos poucos, como a mulher amada que diz não, não... nããão... sim, sim, sim! E entrega-se ao valor mais alto qual criança que adora o papai.
Dizem que na vida, quanto maior a pretensão, maior o tombo. E quando ele acontece é assim, monumental, escorchante, arrasador, a soberba maquinação transformada em pó, a arrogantemente alardeada imortalidade deparando-se com a própria finitude pois não há barro que resista a quatro estocadas fulminantes, desferidas pela verdadeira grandeza.
Discutir futebol? Nem em sonho. Nem que a vaca tussa, atole-se no brejo e rumine. Nem que chovam canivetes, paquidermes ou ácido nítrico – se é que isso existe.
Não, não, meu caro quadrifactum, não discuta futebol, não faça isso, limite-se a admirar, a sofrer e a perguntar-se qual a razão de seu infortúnio, em que desavisado momento de sua vida você fez tão infeliz escolha. E sofra, que é o que lhe resta.
Porém, não sou intransigente e faço concessões. Estou pronto a discutir com você, a qualquer hora e em qualquer circunstância, aquilo que realmente vale a pena ser discutido: Gosto.
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
COISAS DA VIDA
A SABEDORIA DE UM EX-TORNEIRO MECÂNICO
João Eichbaum
“Que crise? Vai perguntar pro Busch.”
Essa foi a frase do ex-torneiro mecânico, Luiz Inácio Lula da Silva, em resposta para jornalistas que o inquiriram, no dia seis de setembro do corrente ano, a respeito da queda das bolsas nos Estados Unidos, em conseqüência da quebra de bancos americanos.
Lula, deu de ombros, não “tava nem aí”. O problema, para ele, era do “Busch”, pois o Brasil, no seu entender, era um país invulnerável, alheio às crises econômicas de outros países.
Agiu como “torneiro mecânico”, que conhece tornos, mas não tornados de economia.
Já no dia dezoito de setembro, passou a mudar um pouco o discurso, dizendo:”bancos muito importantes passaram a vida, medindo o risco desse país. Esses palpiteiros é que estão quebrando.”
Isto é, para o ex-torneiro mecânico, os bancos americanos só tinham olhos voltados na direção dos riscos que o Brasil oferecia, mas o Brasil era mais forte do que eles, e tanto era verdade que “eles é que estão quebrando”.
No Brasil estava, na opinião autêntica de um torneiro mecânico, tudo bem, pois o país teria uma economia forte, imune a turbulências internacionais.
No dia vinte e dois de setembro, o ex- torneiro mecânico, já tinha mudado de opinião: “ graças a Deus, a crise americana não atravessou o Atlântico.” Ele estava aliviado, não muito seguro da opinião que tinha sobre a economia do Brasil, achando que os problemas econômicos se resolvem com água: quanto maior o volume de água, tanto maior a segurança contra a contaminação.
Mas, no último dia do mês de setembro, estava noutra: “a crise é muito séria...podemos correr riscos, porque uma recessão mundial pode trazer prejuízo para nós”.
Esse é o Lula, o presidente do Brasil, que tem mais de oitenta por cento de aprovação. Graças ao “bolsa-família”, a esmola que é feita com o nosso dinheiro, o dinheiro dos que trabalham, para sustentar vagabundos. Tudo a ver, portanto.
João Eichbaum
“Que crise? Vai perguntar pro Busch.”
Essa foi a frase do ex-torneiro mecânico, Luiz Inácio Lula da Silva, em resposta para jornalistas que o inquiriram, no dia seis de setembro do corrente ano, a respeito da queda das bolsas nos Estados Unidos, em conseqüência da quebra de bancos americanos.
Lula, deu de ombros, não “tava nem aí”. O problema, para ele, era do “Busch”, pois o Brasil, no seu entender, era um país invulnerável, alheio às crises econômicas de outros países.
Agiu como “torneiro mecânico”, que conhece tornos, mas não tornados de economia.
Já no dia dezoito de setembro, passou a mudar um pouco o discurso, dizendo:”bancos muito importantes passaram a vida, medindo o risco desse país. Esses palpiteiros é que estão quebrando.”
Isto é, para o ex-torneiro mecânico, os bancos americanos só tinham olhos voltados na direção dos riscos que o Brasil oferecia, mas o Brasil era mais forte do que eles, e tanto era verdade que “eles é que estão quebrando”.
No Brasil estava, na opinião autêntica de um torneiro mecânico, tudo bem, pois o país teria uma economia forte, imune a turbulências internacionais.
No dia vinte e dois de setembro, o ex- torneiro mecânico, já tinha mudado de opinião: “ graças a Deus, a crise americana não atravessou o Atlântico.” Ele estava aliviado, não muito seguro da opinião que tinha sobre a economia do Brasil, achando que os problemas econômicos se resolvem com água: quanto maior o volume de água, tanto maior a segurança contra a contaminação.
Mas, no último dia do mês de setembro, estava noutra: “a crise é muito séria...podemos correr riscos, porque uma recessão mundial pode trazer prejuízo para nós”.
Esse é o Lula, o presidente do Brasil, que tem mais de oitenta por cento de aprovação. Graças ao “bolsa-família”, a esmola que é feita com o nosso dinheiro, o dinheiro dos que trabalham, para sustentar vagabundos. Tudo a ver, portanto.
sexta-feira, 3 de outubro de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
QUANDO TUDO DÓI
Paulo Wainberg
Hoje cortei os cabelos e remocei no mínimo três meses. É notável como, na medida em que a idade avança, certas diferenças visuais aumentam ou diminuem a idade aparente das pessoas.
Conheço uma senhora de setenta e cinco anos que, após uma acurada plástica removedora de pelancas, elevadora de seios e bumbum, extirpadora de excessos abdominais, alisamentos rugais, niveladora de papada e esticamento dérmico em geral, apresentou-se fulgurante e fogosa em badalado acontecimento social exibindo o remodelado visual.
E ninguém notou.
Pois é. Quando eu tinha quarenta anos e cortava o cabelo eu remoçava dez. Anos. Hoje remoço meses, cada vez menos meses, fato que me leva à conclusão nada consoladora de que modificar a aparência não me remoça mais nem me deixa mais bonito, sensual ou elegante do que já sou naturalmente, modestamente falando.
Se há na vida um fato consumado este é a velhice. Ela chega e se instala sem pedir licença, sem cuspe nem camisinha. Um dia você acorda, escova os dentes e se olha no espelho e, cataplum, você é um velho.
Seu rosto é velho, o viço sumiu, a pele encardiu e o próprio olhar perde o brilho, o olhar da velhice é morno, achatado, as pálpebras tombaram e você vê cada vez menos.
Há os resistentes que apelam para cremes, loções, muitos acreditam que bosta de cavalo regenera mas o nariz continua poroso após as aplicações e as papuças não dão tréguas e, vá que você resolva extirpá-las, o máximo que conseguirá é parecer um velho sem papuças. O que, para o efeito, é pouco, minha querida, muito pouco.
Os cabelos grisalhos que lhe davam um charme especial aos trinta hoje são brancos, perfeitamente adequados à sua idade senhoril e tudo aquilo que antes lhe assegurava rápido e seguro acesso às jovens hoje é recebido como uma manifestação carinhosa e paternal que transforma você “num amor de velhinho”, “coisa mais querida” e “num senhor super-simpático”.
Isso dói, cara.
Quando você fica velho pode malhar doze horas por dia que, no máximo, conseguirá ser um velho sarado. Sobre o corpo esbelto e musculoso – que não resiste a uma semana de férias - está um rosto saudável e... velho.
O pior de tudo, na minha opinião, é que todo o velho, por mais que negue sua velhice, por mais que se sinta “jovem por dentro”, é um anacrônico.
Não acredita?
Proponho um teste: vá para a fila de uma balada. Saradão, vestido na última moda, alegre, jovial (jovem por dentro) e procure se enturmar, tente comunicar-se com as tribos, com a garotada com quem você tanto se identifica.
Acredite, meu bom velhinho, que sob a saravaida de “tios”, “coroas”, e “com licença senhor”, você murchará como uva em passas, recolherá os flaps, dará de frente com a dura verdade da sua velhice e vai acabar a noite tomando cerveja no boteco de sempre. Aquele cujo balconista entende você.
Envelhecer não é um processo e sim uma maldição vital da qual ninguém escapa. O pior de tudo é que a grande sabedoria que você adquiriu com a velhice seria perfeita se você tivesse trinta anos, sabedoria que, aos trinta anos você não tinha.
Isso é injusto e dói, cara.
Existem mil livros, grupos, excursões, propostas, conferências, congressos, debates, encontros, bailes, reuniões e seminários querendo convencer os velhos que a velhice é a melhor idade.
Ora, ilustre poeta, douto filósofo, iluminado profeta, vá catar piolhos na cabeça da sua avó. Quero ver se vai achar isso quando for, você também, um velho!
O “tudo de bom” da velhice não passa de consolo, minha jovem, coisas boas que os velhos usufruem para compensar a juventude perdida. Usufruem? Claro que sim! Usufruir os netos, por exemplo, é o sonho de qualquer velho. Isso deve ser coisa muito boa, virar avô. Ter um neto para brincar, para ver crescer, para se maravilhar, amar e adorar. Prerrogativa da velhice, isso eu reconheço. Com trinta anos é muito difícil ser avô. Acontece, mas é raro.
Não ter que ir a cerimônias de formatura é outra vantagem da velhice. Os velhos vão apenas na festa.
Andar de ônibus de graça. Conheço pessoas que nunca andaram de ônibus e que, depois de velho, passaram andar, só para aproveitar plenamente as vantagens da velhice.
Jogar dominó em praças públicas é outro privilégio dos velhos, deitar à noite e suspirar aliviado porque não precisa transar, não ligar para a bronca dos filhos porque está muito gordo e, maravilha das maravilhas, ficar o tempo que quiser no banheiro sem ninguém batendo na porta.
E quando batem é sua mulher querendo apenas saber se você está vivo.
Das muitas coisas que aprendi na vida tenho certeza de apenas uma: nada remoça um velho.
A não ser a paixão.
Paulo Wainberg
Hoje cortei os cabelos e remocei no mínimo três meses. É notável como, na medida em que a idade avança, certas diferenças visuais aumentam ou diminuem a idade aparente das pessoas.
Conheço uma senhora de setenta e cinco anos que, após uma acurada plástica removedora de pelancas, elevadora de seios e bumbum, extirpadora de excessos abdominais, alisamentos rugais, niveladora de papada e esticamento dérmico em geral, apresentou-se fulgurante e fogosa em badalado acontecimento social exibindo o remodelado visual.
E ninguém notou.
Pois é. Quando eu tinha quarenta anos e cortava o cabelo eu remoçava dez. Anos. Hoje remoço meses, cada vez menos meses, fato que me leva à conclusão nada consoladora de que modificar a aparência não me remoça mais nem me deixa mais bonito, sensual ou elegante do que já sou naturalmente, modestamente falando.
Se há na vida um fato consumado este é a velhice. Ela chega e se instala sem pedir licença, sem cuspe nem camisinha. Um dia você acorda, escova os dentes e se olha no espelho e, cataplum, você é um velho.
Seu rosto é velho, o viço sumiu, a pele encardiu e o próprio olhar perde o brilho, o olhar da velhice é morno, achatado, as pálpebras tombaram e você vê cada vez menos.
Há os resistentes que apelam para cremes, loções, muitos acreditam que bosta de cavalo regenera mas o nariz continua poroso após as aplicações e as papuças não dão tréguas e, vá que você resolva extirpá-las, o máximo que conseguirá é parecer um velho sem papuças. O que, para o efeito, é pouco, minha querida, muito pouco.
Os cabelos grisalhos que lhe davam um charme especial aos trinta hoje são brancos, perfeitamente adequados à sua idade senhoril e tudo aquilo que antes lhe assegurava rápido e seguro acesso às jovens hoje é recebido como uma manifestação carinhosa e paternal que transforma você “num amor de velhinho”, “coisa mais querida” e “num senhor super-simpático”.
Isso dói, cara.
Quando você fica velho pode malhar doze horas por dia que, no máximo, conseguirá ser um velho sarado. Sobre o corpo esbelto e musculoso – que não resiste a uma semana de férias - está um rosto saudável e... velho.
O pior de tudo, na minha opinião, é que todo o velho, por mais que negue sua velhice, por mais que se sinta “jovem por dentro”, é um anacrônico.
Não acredita?
Proponho um teste: vá para a fila de uma balada. Saradão, vestido na última moda, alegre, jovial (jovem por dentro) e procure se enturmar, tente comunicar-se com as tribos, com a garotada com quem você tanto se identifica.
Acredite, meu bom velhinho, que sob a saravaida de “tios”, “coroas”, e “com licença senhor”, você murchará como uva em passas, recolherá os flaps, dará de frente com a dura verdade da sua velhice e vai acabar a noite tomando cerveja no boteco de sempre. Aquele cujo balconista entende você.
Envelhecer não é um processo e sim uma maldição vital da qual ninguém escapa. O pior de tudo é que a grande sabedoria que você adquiriu com a velhice seria perfeita se você tivesse trinta anos, sabedoria que, aos trinta anos você não tinha.
Isso é injusto e dói, cara.
Existem mil livros, grupos, excursões, propostas, conferências, congressos, debates, encontros, bailes, reuniões e seminários querendo convencer os velhos que a velhice é a melhor idade.
Ora, ilustre poeta, douto filósofo, iluminado profeta, vá catar piolhos na cabeça da sua avó. Quero ver se vai achar isso quando for, você também, um velho!
O “tudo de bom” da velhice não passa de consolo, minha jovem, coisas boas que os velhos usufruem para compensar a juventude perdida. Usufruem? Claro que sim! Usufruir os netos, por exemplo, é o sonho de qualquer velho. Isso deve ser coisa muito boa, virar avô. Ter um neto para brincar, para ver crescer, para se maravilhar, amar e adorar. Prerrogativa da velhice, isso eu reconheço. Com trinta anos é muito difícil ser avô. Acontece, mas é raro.
Não ter que ir a cerimônias de formatura é outra vantagem da velhice. Os velhos vão apenas na festa.
Andar de ônibus de graça. Conheço pessoas que nunca andaram de ônibus e que, depois de velho, passaram andar, só para aproveitar plenamente as vantagens da velhice.
Jogar dominó em praças públicas é outro privilégio dos velhos, deitar à noite e suspirar aliviado porque não precisa transar, não ligar para a bronca dos filhos porque está muito gordo e, maravilha das maravilhas, ficar o tempo que quiser no banheiro sem ninguém batendo na porta.
E quando batem é sua mulher querendo apenas saber se você está vivo.
Das muitas coisas que aprendi na vida tenho certeza de apenas uma: nada remoça um velho.
A não ser a paixão.
quinta-feira, 2 de outubro de 2008
TEMA DE DIREITO
Sempre que critico a justiça, o faço com base nos meus conhecimentos pessoais. E, por conhecê-la, não acredito nela. Hoje transcrevo um artigo do des. Moacir Leopoldo Haeser, institulado "Quando um tribunal viola a lei e a Constituição", do qual extraio, mais uma vez, o meu descrédito na chamada justiça. O artigo foi publicado no jornal da Anamages.
João Eichbaum.
"O STJ foi criado com a função de julgar os recursos especiais originários dos Tribunais Estaduais, assegurando a aplicação da lei federal e a uniformidade de sua interpretação pelas unidades federadas, admitindo o recurso mediante aponte da lei federal violada ou comprovação de dissídio,ou seja, decisões divergentes entre Tribunais Estaduais ou com o próprio STJ.
O que fazer,no entanto, quando quem viola a lei é o próprio Tribunal que tinha a obrigação de guardá-la? Instaura-se a insegurança jurídica e a quebra dos princípios constitucionais.
Em recentes decisões o STJ alterou jurisprudência consolidada há muitos anos na questão da quebra do princípio da igualdade entre os gaúchos que adquiriram ações da CRT.
Recorda-se que a utilização da linha era privilégio dos acionistas. Quando da abertura do capital da CRT e desvinculação da linha, permitindo a venda das ações na Bolsa, descobriu-se que havia diferenças absurdas de ações, alguns com 187 ações, outros com 2.750, 5.500, 15.000, 23214, 46428 e até 140.000 ações, embora todos tenham "adquirido um telefone" !
Constatou-se que a CRT oferecia as ações em EDITAIS publicados na imprensa, com PREÇO DE EMISSÃO fixado previamente pela Assembléia Geral, segundo o VALOR PATRIMONIAL DO ÚLTIMO BALANÇO, como previam seus ESTATUTOS e a Lei das Sociedades Anônimas (art.170, da Lei 6.404).
Os interessados assinavam um CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA, integralizavam o capital e, no mesmo contrato de adesão, outorgavam MANDATO para que à CRT assinasse todos os documentos em seu nome.
Embora o contrato estabelecesse que as ações seriam emitidas pelo valor PATRIMONIAL da ação APURADO NO ÚLTIMO BALANÇO, para alguns acionistas, que assinaram o mesmo contrato, na mesma ocasião e pagaram o mesmo valor, a empresa POSTERGAVA a emissão das ações para o ANO SEGUINTE e, DEPOIS DA ASSEMBLÉIA FIXAR UM NOVO PREÇO, emitia as ações por esse novo valor, entregando cerca de DEZ VEZES MENOS AÇÕES para alguns acionistas que foram prejudicados pela mandatária.
Estes buscaram e obtiveram em juízo, tanto no Tribunal Gaúcho como no STJ, o reconhecimento de seu direito à diferença de ações da Brasil Telecom, as ações que deixaram de receber quando da criação da CRT CELULAR (chamada de dobra acionária) e os rendimentos dessas ações (dividendos e juros sobre o capital próprio pagos aos demais acionistas).
A discussão, que se arrastou por quase dez anos, estava PACIFICADA nos Tribunais quando, de uma hora para outra, a Segunda Seção do STJ, com número escasso de Ministros presentes, decidiu acolher um parecer oferecido à empresa de telefonia por um ex-Ministro, decidindo por "equidade", porque o "fardo do tempo voltou-se contra a empresa", liberá-la de cumprir o contrato de adesão e de emitir as ações pelo PREÇO DE EMISSÃO anunciado nos jornais e fixado pela ASSEMBLÉIA GERAL de acordo com a Lei Societária e os ESTATUTOS da empresa, podendo calcular um "novo preço de emissão com base em um balancete do final do mês" em que houve a integralização do capital.
A decisão viola a lei e a Constituição Federal, criando uma nova forma de subscrição de ações exclusiva para uma empresa.
Viola o art.115 do vetusto Código Civil (submete uma parte ao arbítrio da outra; o art.159 (obrigação indenizatória pelo dano causado); o art.1125 (permite que uma das partes arbitre unilateralmente o preço); o art.1300 (livra da indenização o mandatário negligente que causou prejuízo postergando a subscrição);o art.162 do Código comercial (no mesmo sentido); o art.127 do Código de Processo Civil (o Juiz só pode decidir por equidade nos casos expressos em lei); o art.170 da Lei Societária (que fixa os critério para o arbitramento do preço de emissão das ações); o art.182 (que exige a contabilização, dentro do exercício, do aporte de CAPITAL); o contrato de adesão (que prevê o preço pelo valor patrimonial do ÚLTIMO Balanço); a DECISÃO ASSEMBLEAR (que fixou o preço de acordo com a lei e de seus Estatutos); o Código de Defesa do Consumidor (aplica cláusula de forma CONTRÁRIA ao escrito e de forma gravosa ao aderente, além de legitimar a CLÁUSULA-MANDATO que é nula ao permitir que o mandatário contrate CONSIGO MESMO, em prejuízo do aderente).
A decisão viola a CONSTITUIÇÃO FEDERAL porquanto não cabe ao STJ examinar matéria de fato, revolver provas e interpretar cláusulas de contrato, USURPANDO competência exclusiva do Tribunal estadual, tendo vulnerado as Súmulas 5 e 7.
Não pode admitir recurso especial sem demonstração de dissídio ou de violação da lei federal e ELE PRÓPRIO VIOLAR a lei federal.
Não lhe cabe, igualmente, RECALCULAR preço de emissão pelo qual as ações foram oferecidas à subscrição, nem imiscuir-se em decisões internas da empresa (ESTATUTO, CONTRATO, DECISÃO DA ASSEMBLÉIA, nem em critério de fixação de preço de ações) pois representa indevida intromissão do Estado na iniciativa privada, o que é vedado pelo art.170 da Carta Magna.
É vedado, ainda, assumir função de Legislador Positivo, usurpando FUNÇÃO LEGISLATIVA ao criar norma diversa de preço de emissão de ações da estabelecida em lei, cumprida pela Assembléia da empresa, prevista em seus ESTATUTOS e no contrato de adesão.
Mais grave, ainda, que o STJ passou a aplicar tal preço de emissão por um BALANCETE inoficioso, jamais publicado, aprovado ou registrado nos órgão competentes, que apresenta resultado NEGATIVO aos vencedores da ação, ou seja, aqueles acionistas que foram prejudicados, por receberem DEZ VEZES MENOS AÇÕES QUE OS DEMAIS, ainda FICAM DEVENDO AÇÕES !!
Pior, ainda, vem VULNERANDO A COISA JULGADA, aplicando esse esdrúxulo e ilegal critério, JAMAIS VISTO e jamais utilizado pela CRT ou qualquer sociedade anônima, TAMBÉM AOS PROCESSOS JÁ JULGADOS. Ora, a mudança de jurisprudência não permite NEM AÇÃO RESCISÓRIA, muito menos a rediscussão do que já foi decidido no processo de conhecimento,onde tais provas foram examinadas e a questão decidida em favor do prejudicado.
Apressa-se o STJ, agora, a UNIFORMIZAR o equívoco, com base na Lei dos Recursos Repetitivos (Lei 11672),recentemente aprovada por sugestão do próprio STJ, exatamente para acabar com a possibilidade de novos recursos.O momento é grave e exige a atenção e reação de entidades e juristas, ante o grave precedente, pois é preocupante que um Tribunal rasgue a lei e a Constituição, violando princípios universais de direito, numa decisão de "equidade", fixando, quase vinte anos depois, novo preço "jurisdicional" de emissão de ações com base em um balancete, critério jamais aplicado pela CRT ou por qualquer outra sociedade anônima que, poderão, também exigir o mesmo privilégio?"
João Eichbaum.
"O STJ foi criado com a função de julgar os recursos especiais originários dos Tribunais Estaduais, assegurando a aplicação da lei federal e a uniformidade de sua interpretação pelas unidades federadas, admitindo o recurso mediante aponte da lei federal violada ou comprovação de dissídio,ou seja, decisões divergentes entre Tribunais Estaduais ou com o próprio STJ.
O que fazer,no entanto, quando quem viola a lei é o próprio Tribunal que tinha a obrigação de guardá-la? Instaura-se a insegurança jurídica e a quebra dos princípios constitucionais.
Em recentes decisões o STJ alterou jurisprudência consolidada há muitos anos na questão da quebra do princípio da igualdade entre os gaúchos que adquiriram ações da CRT.
Recorda-se que a utilização da linha era privilégio dos acionistas. Quando da abertura do capital da CRT e desvinculação da linha, permitindo a venda das ações na Bolsa, descobriu-se que havia diferenças absurdas de ações, alguns com 187 ações, outros com 2.750, 5.500, 15.000, 23214, 46428 e até 140.000 ações, embora todos tenham "adquirido um telefone" !
Constatou-se que a CRT oferecia as ações em EDITAIS publicados na imprensa, com PREÇO DE EMISSÃO fixado previamente pela Assembléia Geral, segundo o VALOR PATRIMONIAL DO ÚLTIMO BALANÇO, como previam seus ESTATUTOS e a Lei das Sociedades Anônimas (art.170, da Lei 6.404).
Os interessados assinavam um CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA, integralizavam o capital e, no mesmo contrato de adesão, outorgavam MANDATO para que à CRT assinasse todos os documentos em seu nome.
Embora o contrato estabelecesse que as ações seriam emitidas pelo valor PATRIMONIAL da ação APURADO NO ÚLTIMO BALANÇO, para alguns acionistas, que assinaram o mesmo contrato, na mesma ocasião e pagaram o mesmo valor, a empresa POSTERGAVA a emissão das ações para o ANO SEGUINTE e, DEPOIS DA ASSEMBLÉIA FIXAR UM NOVO PREÇO, emitia as ações por esse novo valor, entregando cerca de DEZ VEZES MENOS AÇÕES para alguns acionistas que foram prejudicados pela mandatária.
Estes buscaram e obtiveram em juízo, tanto no Tribunal Gaúcho como no STJ, o reconhecimento de seu direito à diferença de ações da Brasil Telecom, as ações que deixaram de receber quando da criação da CRT CELULAR (chamada de dobra acionária) e os rendimentos dessas ações (dividendos e juros sobre o capital próprio pagos aos demais acionistas).
A discussão, que se arrastou por quase dez anos, estava PACIFICADA nos Tribunais quando, de uma hora para outra, a Segunda Seção do STJ, com número escasso de Ministros presentes, decidiu acolher um parecer oferecido à empresa de telefonia por um ex-Ministro, decidindo por "equidade", porque o "fardo do tempo voltou-se contra a empresa", liberá-la de cumprir o contrato de adesão e de emitir as ações pelo PREÇO DE EMISSÃO anunciado nos jornais e fixado pela ASSEMBLÉIA GERAL de acordo com a Lei Societária e os ESTATUTOS da empresa, podendo calcular um "novo preço de emissão com base em um balancete do final do mês" em que houve a integralização do capital.
A decisão viola a lei e a Constituição Federal, criando uma nova forma de subscrição de ações exclusiva para uma empresa.
Viola o art.115 do vetusto Código Civil (submete uma parte ao arbítrio da outra; o art.159 (obrigação indenizatória pelo dano causado); o art.1125 (permite que uma das partes arbitre unilateralmente o preço); o art.1300 (livra da indenização o mandatário negligente que causou prejuízo postergando a subscrição);o art.162 do Código comercial (no mesmo sentido); o art.127 do Código de Processo Civil (o Juiz só pode decidir por equidade nos casos expressos em lei); o art.170 da Lei Societária (que fixa os critério para o arbitramento do preço de emissão das ações); o art.182 (que exige a contabilização, dentro do exercício, do aporte de CAPITAL); o contrato de adesão (que prevê o preço pelo valor patrimonial do ÚLTIMO Balanço); a DECISÃO ASSEMBLEAR (que fixou o preço de acordo com a lei e de seus Estatutos); o Código de Defesa do Consumidor (aplica cláusula de forma CONTRÁRIA ao escrito e de forma gravosa ao aderente, além de legitimar a CLÁUSULA-MANDATO que é nula ao permitir que o mandatário contrate CONSIGO MESMO, em prejuízo do aderente).
A decisão viola a CONSTITUIÇÃO FEDERAL porquanto não cabe ao STJ examinar matéria de fato, revolver provas e interpretar cláusulas de contrato, USURPANDO competência exclusiva do Tribunal estadual, tendo vulnerado as Súmulas 5 e 7.
Não pode admitir recurso especial sem demonstração de dissídio ou de violação da lei federal e ELE PRÓPRIO VIOLAR a lei federal.
Não lhe cabe, igualmente, RECALCULAR preço de emissão pelo qual as ações foram oferecidas à subscrição, nem imiscuir-se em decisões internas da empresa (ESTATUTO, CONTRATO, DECISÃO DA ASSEMBLÉIA, nem em critério de fixação de preço de ações) pois representa indevida intromissão do Estado na iniciativa privada, o que é vedado pelo art.170 da Carta Magna.
É vedado, ainda, assumir função de Legislador Positivo, usurpando FUNÇÃO LEGISLATIVA ao criar norma diversa de preço de emissão de ações da estabelecida em lei, cumprida pela Assembléia da empresa, prevista em seus ESTATUTOS e no contrato de adesão.
Mais grave, ainda, que o STJ passou a aplicar tal preço de emissão por um BALANCETE inoficioso, jamais publicado, aprovado ou registrado nos órgão competentes, que apresenta resultado NEGATIVO aos vencedores da ação, ou seja, aqueles acionistas que foram prejudicados, por receberem DEZ VEZES MENOS AÇÕES QUE OS DEMAIS, ainda FICAM DEVENDO AÇÕES !!
Pior, ainda, vem VULNERANDO A COISA JULGADA, aplicando esse esdrúxulo e ilegal critério, JAMAIS VISTO e jamais utilizado pela CRT ou qualquer sociedade anônima, TAMBÉM AOS PROCESSOS JÁ JULGADOS. Ora, a mudança de jurisprudência não permite NEM AÇÃO RESCISÓRIA, muito menos a rediscussão do que já foi decidido no processo de conhecimento,onde tais provas foram examinadas e a questão decidida em favor do prejudicado.
Apressa-se o STJ, agora, a UNIFORMIZAR o equívoco, com base na Lei dos Recursos Repetitivos (Lei 11672),recentemente aprovada por sugestão do próprio STJ, exatamente para acabar com a possibilidade de novos recursos.O momento é grave e exige a atenção e reação de entidades e juristas, ante o grave precedente, pois é preocupante que um Tribunal rasgue a lei e a Constituição, violando princípios universais de direito, numa decisão de "equidade", fixando, quase vinte anos depois, novo preço "jurisdicional" de emissão de ações com base em um balancete, critério jamais aplicado pela CRT ou por qualquer outra sociedade anônima que, poderão, também exigir o mesmo privilégio?"
quarta-feira, 1 de outubro de 2008
COLUNA DO PAULO WAINBERG
NÃO SE ILUDA, MEU BEM
Paulo Wainberg
Na frente da Caverna Grrr, o caçador, reclamava com veemência de Croq, artesão e o intelectual da Tribo. Algo a ver com a empunhadura fina e a pouca consistência nuclear do tacape que encomendara.
Sem mais delongas e para provar logo seu ponto, desferiu violenta cacetada na cabeça de Croq que sequer cambaleou. O tacape partiu-se ao meio mostrando que Grrr, afinal de contas, tinha razão.
Pensativo, Croq coçou a mandíbula com a garra do minguinho do pé esquerdo, tentando descobrir qual o ponto falho de sua moderna concepção de tacapes. Afinal fora dele a idéia de afinar o punho, alongando lentamente a espessura, para facilitar a Grrr e outros caçadores o modo de segurar o tacape na hora de desferir o golpe contra o tigre de bengala, um tiranossauro rex ou uma tartaruga. Em algum momento do projeto errara nos cálculos.
E agora, diante de um Grrr enfurecido, como explicar-se? De que modo poderia indenizar o caçador e o resto da Tribo pelas perdas e danos e lucros cessantes que seu equívoco causara? Porque, sem dúvida, a ira de toda a Caverna desabaria sobre ele e de nada adiantaria lembrar a seus patrícios que ele havia descoberto como dominar o fogo e que, graças à sua arte, a saga triunfal do clã estava indelevelmente gravada nas paredes, para toda a eternidade.
Todas as honrarias recebidas no vernissage de lançamento dos desenhos de mamutes e bizontes seriam esquecidas e o mínimo que podia esperar pelo fracasso era o exílio, o desterro, a perda dos direitos políticos, além do deboche e do escárnio.
Grrr esmurrava o próprio peito, exigindo explicações, quando Croq teve uma epifania, a inspiração salvadora que não apenas o tirou daquele constrangimento como condicionou os rumos da evolução do Homo Sapiens até os dias atuais.
Olhou candidamente para Grrr que se esmurrava, grunhia, e pulava à sua frente, numa perfeita imitação de macaco, e declarou: “nada neste mundo é perfeito”.
Deu as costas e voltou ao interior da Caverna onde refez seus cálculos, desenhos e projetos e apresentou a Grrr, meses depois, o tacape perfeito que assegurou a sobrevivência da Tribo e deu a Grrtz, o Guardião, a idéia de atacar as tribos vizinhas, usando o tacape como arma de guerra. Em pouco tempo a Tribo expandiu-se, escravizando as vizinhas e transformando a Caverna na maior potência mundial da época.
Ao receber das mãos de Croq o novo tacape, Grrr experimentou o artefato tal como fizera na vez anterior, desferindo potente cacetada na cabeça de Croq. Desta vez produziu-se o efeito desejado e o corpo de Croq alimentou boa parte da tribo, durante o inverno.
Entretanto a frase “nada neste mundo é perfeito” repetiu-se boca a boca por gerações e gerações e, quanto mais evoluía a Humanidade, mais se convencia da verdade contida naquelas palavras. Mais e mais pessoas usaram-nas para justificar fracassos, erros, esquecimentos, traições, impotência e falta de orgasmos.
Milhões de anos após, uma única coisa desafiava a inteligência humana: se nada neste mundo é perfeito, como explicar o domingo? Sim, porque domingo era o dia perfeito, dia de acordar tarde, não ter compromisso nem trabalho, dia destinado ao lazer absoluto, sem restrições ou imposições.
Obviamente aquilo não podia continuar assim. Urgia que algo fosse feito para extinguir a exceção que afrontava a norma – nesses tempos já com conteúdo divino.
Quebraram a cabeça os luminares da ciência, da fé e da filosofia até que um deles, assim como ocorrera com o remoto Croq, teve sua epifania, a revelação da verdade e a solução para o drama: Criou a segunda-feira, destinada única e exclusivamente a estragar o domingo ou, pelo menos, o final do domingo.
Os entardeceres dominicais, antes tão saboreados, tornaram-se fonte de apreensão, desânimo e até depressão, ante à iminência da segunda-feira, restabelecendo-se a plenitude do conceito original: nada neste mundo é perfeito.
A segunda-feira não é exatamente um dia. Funciona mais como uma espécie de ameba gigante, um imenso glóbulo branco rastejante que se insinua em nossos corações no domingo à noite e vai se expandido, tomando conta de tudo e de todos.
A segunda-feira não passa, arrasta-se.
Cada minuto dura duas horas, cada hora dois dias, a manhã é lenta, a tarde não deslancha e quando finalmente vem a noite não sobra forças nem para um suspiro de alívio, tudo o que se quer é desabar.
Segunda feira de noite nada estréia, nada acontece, restaurantes fecham, bares não abrem, clubes se escondem, a cinema não se vai e teatro? Nem pensar.
Estamos diante de um legítimo qui pro quo desde que inventamos esse dia atormentador.
Tenho refletido na procura de soluções, novos rumos, caminhos alternativos, opções diferenciadas, qualquer coisa que altere nossa sina semanal de, após cada domingo, nos defrontarmos com uma segunda-feira.
A primeira idéia que me ocorreu foi acabar com os domingos. Não é lógico? Se as segundas-feiras foram criadas para estragar os domingos, eliminando os domingos as segundas-feiras vão estragar o que?
E por aí me fui, investindo tempo e todo o meu dinheiro na interminável pesquisa, cada linha do emaranhado me conduzindo ao mesmo ponto final: o cataclismo universal, o derradeiro Bang extinguindo todos e tudo, inclusive as segundas feiras.
Concluí que está além das minhas forças, não há nada que eu possa fazer. O jeito é dar um jeito, um jeitinho brasileiro, mudar o enfoque, a visão da coisa, entende?
Por exemplo, considerar que segunda-feira é um ótimo dia porque está a uma semana da próxima. Transformar o domingo num dia tão ruim, tão chato e horrível que a segunda-feira se transforme numa bênção. Não sair de casa na segunda e começar a semana apenas na terça. Mudar o nome de segunda para primeira-feira, entrar num bar de manhã e só sair à meia-noite, fazer análise durante dez anos para entender o problema, fazer massagem linfática seja lá o que for isso, ir a missa, visitar uma tia-avó que há anos não vê.
Outra hipótese é não dormir domingo à noite. Fique acordado e não terá o dissabor de despertar com uma enorme segunda-feira pela frente. E como não dormiu talvez nem precise escovar os dentes e tomar banho. Um bom truque é vestir, no domingo, a roupa que vai usar na segunda, emende um dia no outro, compreendeu? É uma forma de não dar chances ao azar.
Faça um curso de bloqueio mental com algum hindu e transforme-se num zumbi às segundas-feiras. Vá trabalhar mas não faça nada o dia inteiro e deixe tudo para a terça.
Enfim, como diz o outro, são infindáveis possibilidades de conviver com a epidemia, aceitar os fatos da vida, inclusive que papai e mamãe são casados.
Ou adote uma postura radical e definitiva: Nunca mais pense nesse assunto. E se conseguir, me avise.
Paulo Wainberg
Na frente da Caverna Grrr, o caçador, reclamava com veemência de Croq, artesão e o intelectual da Tribo. Algo a ver com a empunhadura fina e a pouca consistência nuclear do tacape que encomendara.
Sem mais delongas e para provar logo seu ponto, desferiu violenta cacetada na cabeça de Croq que sequer cambaleou. O tacape partiu-se ao meio mostrando que Grrr, afinal de contas, tinha razão.
Pensativo, Croq coçou a mandíbula com a garra do minguinho do pé esquerdo, tentando descobrir qual o ponto falho de sua moderna concepção de tacapes. Afinal fora dele a idéia de afinar o punho, alongando lentamente a espessura, para facilitar a Grrr e outros caçadores o modo de segurar o tacape na hora de desferir o golpe contra o tigre de bengala, um tiranossauro rex ou uma tartaruga. Em algum momento do projeto errara nos cálculos.
E agora, diante de um Grrr enfurecido, como explicar-se? De que modo poderia indenizar o caçador e o resto da Tribo pelas perdas e danos e lucros cessantes que seu equívoco causara? Porque, sem dúvida, a ira de toda a Caverna desabaria sobre ele e de nada adiantaria lembrar a seus patrícios que ele havia descoberto como dominar o fogo e que, graças à sua arte, a saga triunfal do clã estava indelevelmente gravada nas paredes, para toda a eternidade.
Todas as honrarias recebidas no vernissage de lançamento dos desenhos de mamutes e bizontes seriam esquecidas e o mínimo que podia esperar pelo fracasso era o exílio, o desterro, a perda dos direitos políticos, além do deboche e do escárnio.
Grrr esmurrava o próprio peito, exigindo explicações, quando Croq teve uma epifania, a inspiração salvadora que não apenas o tirou daquele constrangimento como condicionou os rumos da evolução do Homo Sapiens até os dias atuais.
Olhou candidamente para Grrr que se esmurrava, grunhia, e pulava à sua frente, numa perfeita imitação de macaco, e declarou: “nada neste mundo é perfeito”.
Deu as costas e voltou ao interior da Caverna onde refez seus cálculos, desenhos e projetos e apresentou a Grrr, meses depois, o tacape perfeito que assegurou a sobrevivência da Tribo e deu a Grrtz, o Guardião, a idéia de atacar as tribos vizinhas, usando o tacape como arma de guerra. Em pouco tempo a Tribo expandiu-se, escravizando as vizinhas e transformando a Caverna na maior potência mundial da época.
Ao receber das mãos de Croq o novo tacape, Grrr experimentou o artefato tal como fizera na vez anterior, desferindo potente cacetada na cabeça de Croq. Desta vez produziu-se o efeito desejado e o corpo de Croq alimentou boa parte da tribo, durante o inverno.
Entretanto a frase “nada neste mundo é perfeito” repetiu-se boca a boca por gerações e gerações e, quanto mais evoluía a Humanidade, mais se convencia da verdade contida naquelas palavras. Mais e mais pessoas usaram-nas para justificar fracassos, erros, esquecimentos, traições, impotência e falta de orgasmos.
Milhões de anos após, uma única coisa desafiava a inteligência humana: se nada neste mundo é perfeito, como explicar o domingo? Sim, porque domingo era o dia perfeito, dia de acordar tarde, não ter compromisso nem trabalho, dia destinado ao lazer absoluto, sem restrições ou imposições.
Obviamente aquilo não podia continuar assim. Urgia que algo fosse feito para extinguir a exceção que afrontava a norma – nesses tempos já com conteúdo divino.
Quebraram a cabeça os luminares da ciência, da fé e da filosofia até que um deles, assim como ocorrera com o remoto Croq, teve sua epifania, a revelação da verdade e a solução para o drama: Criou a segunda-feira, destinada única e exclusivamente a estragar o domingo ou, pelo menos, o final do domingo.
Os entardeceres dominicais, antes tão saboreados, tornaram-se fonte de apreensão, desânimo e até depressão, ante à iminência da segunda-feira, restabelecendo-se a plenitude do conceito original: nada neste mundo é perfeito.
A segunda-feira não é exatamente um dia. Funciona mais como uma espécie de ameba gigante, um imenso glóbulo branco rastejante que se insinua em nossos corações no domingo à noite e vai se expandido, tomando conta de tudo e de todos.
A segunda-feira não passa, arrasta-se.
Cada minuto dura duas horas, cada hora dois dias, a manhã é lenta, a tarde não deslancha e quando finalmente vem a noite não sobra forças nem para um suspiro de alívio, tudo o que se quer é desabar.
Segunda feira de noite nada estréia, nada acontece, restaurantes fecham, bares não abrem, clubes se escondem, a cinema não se vai e teatro? Nem pensar.
Estamos diante de um legítimo qui pro quo desde que inventamos esse dia atormentador.
Tenho refletido na procura de soluções, novos rumos, caminhos alternativos, opções diferenciadas, qualquer coisa que altere nossa sina semanal de, após cada domingo, nos defrontarmos com uma segunda-feira.
A primeira idéia que me ocorreu foi acabar com os domingos. Não é lógico? Se as segundas-feiras foram criadas para estragar os domingos, eliminando os domingos as segundas-feiras vão estragar o que?
E por aí me fui, investindo tempo e todo o meu dinheiro na interminável pesquisa, cada linha do emaranhado me conduzindo ao mesmo ponto final: o cataclismo universal, o derradeiro Bang extinguindo todos e tudo, inclusive as segundas feiras.
Concluí que está além das minhas forças, não há nada que eu possa fazer. O jeito é dar um jeito, um jeitinho brasileiro, mudar o enfoque, a visão da coisa, entende?
Por exemplo, considerar que segunda-feira é um ótimo dia porque está a uma semana da próxima. Transformar o domingo num dia tão ruim, tão chato e horrível que a segunda-feira se transforme numa bênção. Não sair de casa na segunda e começar a semana apenas na terça. Mudar o nome de segunda para primeira-feira, entrar num bar de manhã e só sair à meia-noite, fazer análise durante dez anos para entender o problema, fazer massagem linfática seja lá o que for isso, ir a missa, visitar uma tia-avó que há anos não vê.
Outra hipótese é não dormir domingo à noite. Fique acordado e não terá o dissabor de despertar com uma enorme segunda-feira pela frente. E como não dormiu talvez nem precise escovar os dentes e tomar banho. Um bom truque é vestir, no domingo, a roupa que vai usar na segunda, emende um dia no outro, compreendeu? É uma forma de não dar chances ao azar.
Faça um curso de bloqueio mental com algum hindu e transforme-se num zumbi às segundas-feiras. Vá trabalhar mas não faça nada o dia inteiro e deixe tudo para a terça.
Enfim, como diz o outro, são infindáveis possibilidades de conviver com a epidemia, aceitar os fatos da vida, inclusive que papai e mamãe são casados.
Ou adote uma postura radical e definitiva: Nunca mais pense nesse assunto. E se conseguir, me avise.
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