BURRICE NÃO TEM LIMITES (II)
João Eichbaum
Quem é leigo, ou adquiriu seu diploma de bacharel em ciências jurídicas e sociais, através de pesadas prestações mensais, durante anos, numa dessas inúmeras faculdades criadas por espertalhões e comerciantes de ensino, quer dizer, tem diploma de bacharel, mas não tem formação jurídica, poderá pensar que o juiz tem razão. Afinal, se a Constituição Federal exige comprovação de insuficiência de recursos, mais não fez o juiz do que cumprir, literal e friamente, o mandamento constitucional.
Mas, vamos por partes. O que é uma Constituição?
A Constituição, como a própria palavra sugere, serve para constituir o Estado, para estabelecer as bases legais sobre as quais se assentam suas funções. Em outras palavras, a Constituição estabelece as normas fundamentais da estrutura do Estado em si mesmo e em suas relações para com os cidadãos, instituindo o poder e os seus limites. A Constituição define estruturas jurídicas e não regulamenta minúcias. As minúcias do dia a dia, dentro da estrutura jurídica montada pela Constituição, são regulamentadas pelas leis ordinárias.
Então, em resumo, a Constituição é norma que, fundamentalmente, se dirige ao Estado, para constitui-lo, para lhe desenhar o perfil. Quando a Constituição brasileira, por exemplo, no art. 5º, arrola os direitos individuais, ela não se dirige, diretamente, aos cidadãos, mas ao Estado, determinando o modo como esse deve se comportar perante os ditos cidadãos. Assim, quando diz no art. 5º, inciso LXXIV que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”, está estabelecendo uma obrigação ao Estado, a de prestar assistência jurídica gratuita, mas impondo limites, para que ele não esbanje esse benefício, devendo só concedê-lo para quem não tiver recursos suficientes. E foi, exatamente, em razão dessa norma, que se criou a Defensoria Pública, porque o Estado tem a obrigação de prestar assistência jurídica gratuita, nos limites impostos pela Constituição.
O que se está querendo dizer é que a Constituição não cuida do processo, da formalidade, do modus operandi, porque sua natureza é de outro porte, tem outra finalidade, tem uma característica estrutural e não regulamentadora. A regulamentação das normas fundamentais, que dizem respeito ao procedimento em juízo, por exemplo, fica a cargo da legislação ordinária. Aqui, portanto, a primeira distinção: Constituição é uma coisa, legislação ordinária é outra. A última decorre da primeira.
Então, você que é leigo ou possui apenas um diploma de bacharel em ciências jurídicas e sociais, sem formação jurídica, já tirou sua primeira conclusão: a Constituição Federal, não sendo uma norma de procedimento judicial, é imprópria como fundamento para decidir um incidente processual: para isso existem as normas específicas, as leis processuais, que regulam as minúcias de qualquer procedimento, judicial ou administrativo. (Continua)
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