BURRICE NÃO TEM LIMITES (IV)
João Eichbaum
Então, qualquer pessoa medianamente inteligente, que tenha alguma noção de processo, há de concluir que o procedimento judicial tem regras próprias, regras essas emanadas da legislação ordinária, instituídas nos Códigos de Processo, ou na legislação processual esparsa. Repita-se: a Constituição não tem regras para o andamento processual, para a prestação jurisdicional postulada pelos cidadãos.
No caso específico do pedido de assistência judiciária, existe lei própria, que é a Lei 1.060, cujo artigo 4º é explícito, redigido em vernáculo inteligível, e que vale a pena relembrar: “a parte gozará dos benefícios da justiça gratuita, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários do advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família”. E o §1º complementa: “presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar esta condição, nos termos desta Lei,sob pena de pagamento até o décuplo das custas”.
Juiz nenhum pode ignorar a lei. É sua obrigação conhecê-la. E o juiz só está autorizado a arredar a aplicação da lei, quando, fundamentadamente, reconhecer sua inconstitucionalidade. Mas não lhe é permitido simplesmente ignorá-la, quando o caso exige exame à luz dessa lei.
No caso que se está comentando, houve essa ignorância. O juiz invocou diretamente a Constituição Federal, autorizando que se lhe impute o desconhecimento da lei ordinária que rege a questão.
Mas afora desconhecer a lei, o vernáculo, os princípios gerais do direito constitucional, o juiz ainda se arvorou em agente fiscal, exigindo que a autora exibisse, em cinco dias, comprovante de rendimentos atualizado ou sua declaração de renda e bens, ainda que isenta, junto ao Fisco, relativa ao último ano fiscal.
Claro, depois de demonstrar que desconhece a legislação própria, seria demais exigir que o senhor juiz conhecesse também o artigo 197 do Código Tributário Nacional, que limita a exigência de obrigação de fornecer informações de interesse do fisco a determinados casos e pessoas. Que não é o caso da parte que postula assistência Judiciária Gratuita.
Foi muito além do chinelo o sapateiro. Ignorando que existe um instituto chamado “impugnação do pedido de assistência judiciária”, o juiz substituiu a parte contrária, facilitou-lhe o procedimento, ao exigir da postulante de justiça gfratuita a exibição de documentos fiscais, o que equivale a exibição de prova. Ou seja, o juiz usou e abusou do seu poder, atuando como parte contrária no feito.
E se parte não tiver prestado declaração de renda? O que acontecerá?
Ah, sem dúvida, o senhor juiz negar-lhe-á o benefício da justiça gratuita, pisoteando sobre a própria Constituição que invocou, mostrando ignorância quanto ao disposto no art. 5º, inc. II: ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei ( que lei exige a apresentação de documentos fiscais para obter justiça gratuita?); inc.XXXV: a lei excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.
O discurso “politicamente correto” de que não está obstando à parte o ingresso em juízo, mostra uma pobreza de inteligência que depõe contra seu próprio subscritor.
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