O CRIME DE SANTO ANDRÉ - REFLEXÕES
Antônio Sabano
Juiz de Direito (RJ) aposentado, professor universitário.
Chocados, choramos a morte de uma jovem, filha de família desmantelada e que, desde tenra idade, namorava o seu algoz.
Pasmo me quedei ao ouvir a entrevista do coronel comandante da operação, revelando total despreparo e o fruto do medo a imperar nos meios policiais.
A operação foi uma festival de erros: jamais se poderia permitir que a jovem antes liberta voltasse à condição de refém; absurdo permitir no meio das negociações que a imprensa entrevistasse o delinqüente, transformando-o em “vítima” e frustrando todo o trabalho; o autor do ilícito esteve na mira de atiradores de elite, mas o comandante, com medo da imprensa e de questionamentos de porquê mandara atirar em um jovem de 22 anos que cometia o crime por amor (sic), não deu a ordem para atirar, parecendo que o coronel ignora a regra do Código Penal que retira a ilicitude do ato quando se age em legítima defesa de terceiro ou no estrito cumprimento do dever legal. O temor do coronel, ainda absurdo que seja, tem sua razão de ser: parte da imprensa, extrapolando seu direito de informar, se esmerava em buscar a culpa da Polícia e os erros de sua ação, em nada contribuindo para a solução do cárcere privado e do resguardo da vida das jovens!
Na verdade, as raízes são mais profundas, vivendo-se dias de incerteza e de vitória do crime, diante, não do crime organizado, mas sim da desorganização do Estado.
Vejamos: no Pará, queimar fórum, ameaçar juízes e promotores e por a polícia para correr virou rotina; no Rio Grande do Sul conflito entre polícia e sem- terras próximo ao Palácio Piratini; em São Paulo, conflito entre as polícias, sem a sensibilidade do governador em ouvir os policiais, latrocínios brutais; no Rio de Janeiro, ao lado do governo legal, existem outros dois, o das milícias e o dos traficantes, com a população perecendo por balas perdidas e sem reação alguma; em Curitiba e Região Metropolitana, no Paraná, gangues de inspirados pelo Funk e pelo Hip Hop, com suas vestes estapafúrdias, atacam pessoas em pleno Shopping; no Brasil inteiro, impossível ir a um simples jogo de futebol. Criminosos cada dia mais audaciosos e a atirar sem dó, nem piedade, em vítimas que sequer esboçam reação.
Por que?
As causas são muitas, mas todas nos levam a um viés comum – ausência do Estado e falência da família.
Não se pode conceber a segurança pública como encargo de apenas um Poder. O sistema envolve, em todos os níveis, os três Podres.
Ao Legislativo compete a edição de leis sérias e capazes de frear a sanha delinqüente. Entretanto, a cada dia mais se flexibiliza a norma legal penal, por sinal, um Código ultrapassado e uma enxurrada de leis esparsas. Olhe-se a recente lei de tóxicos a permitir que traficantes respondam processo em liberdade! Alguém sabe dizer por quantos anos e onde tramita a reforma do Código Penal?
Ainda convivemos com um arcaico Inquérito Policial, quando já deveríamos ter um Juizado de Instrução, emprestando mais celeridade e reduzindo o espaço para corrupção.
O Senado tomou a iniciativa de reformar o Código de Processo Penal, um avanço, isto se o Brasil não tiver que esperar quase meio Século para discussão e votação, como aconteceu com a reforma do Código Civil.
Ao Executivo compete administrar o sistema penitenciário, a pouca vergonha que todos conhecemos: presos cheios de mordomias e a gerenciar seus “negócios” mesmo encarcerados e tratados como “lixo humano”; administrar os Institutos de Reeducação de jovens, outro desastre. Cabe-lhe, ainda, gerir o sistema policial, hoje entregue a organização meramente política, deixando-se de lado a técnica profissional – não raro um cabo eleitoral levanta e voz e indaga do policial “sabe com quem está falando?”
Polícias sem o devido preparo, sem material humano e técnico, sem qualquer formação científica, remuneração pífia, levando o agente a morar em meio a favelas e junto ao covil dos bandidos (hoje chamam de comunidades, parecendo resquício de regimes já decadentes, mas ainda estimado por alguns políticos tupiniquins). Ainda se vive da concepção de que o preso deve confessar a qualquer preço, mas não se admite o uso do polígrafo!
Ainda em sua área de atuação, está o Ministério Público, titular da ação penal, fiscal da lei e fiscal externo da Polícia, mas que quer se transmutar em órgão investigativo, verdadeira superposição de atividades, ao tempo em que alguns de seus Membros se recusem a ofertar denúncia por simples falta da folha de antecedentes do indiciado, conduta, infelizmente, aceita por alguns magistrados.
Ao Poder Judiciário, cabe a missão de julgar, mas tornou-se casa de desentendimentos, fragmentado por constantes críticas de Ministros a chamar o Primeiro Grau de despreparado e negligente, ao passo que sequer conhecem a realidade do País e das dificuldades para o exercício da função por aqueles que estão junto do povo, vivendo suas angústias e mazelas de suas comarcas; antes se dizia “a Polícia prende, o juiz solta”; hoje, lastima-se que o juiz mantenha a prisão e os tribunais superiores soltem!
Juiz não é assistente social, antropólogo ou psicólogo, é um aplicador da lei, ajustando-a à realidade social do meio onde exerce seu múnus, mas sem o direito de decidir contra legem. Se a prisão é infecta, se a comida é ruim, se está superlotada, assim como as Casas de Reeducação, o problema não é dele, o juiz, mas sim o Poder Executivo. Ao juiz cabe, apenas, aplicar a lei.
As penas alternativas caíram na banalização e no descrédito: faço, pago uma cesta básica (ou choro estar desempregado ainda que ganhe muito na economia informal) e pronto, tudo bem! Enfim, ninguém precisa provar que é carente, basta a simples afirmação – viva a lei!
Assim, parte do crescimento da impunidade reside na sensação de impunidade resultante da frouxidão das leis e da ação magnânima, parcimoniosa e indolente e, porque não dizer, omissa, do Estado como um todo.
O crime de Santo André nos traz, além de seu trágico desfecho, a oportunidade refletir e buscar soluções para reprimir a crescente onda de violência e de por o bandido em seu devido lugar, restituindo ao povo brasileiro a paz e tranqüilidade a que fazem jus.
Só há um caminho, o esforço concentrado dos Três Poderes, sem rancores ou disputas entre si, tratando-se a segurança pública como um sistema técnico, sem espaços para conchavos políticos. Enfim, os agentes políticos da Republica são remunerados, ainda que mal em alguns casos, para defender os direitos do cidadão e não da marginalia, a quem se deve ofertar o direito de defesa e tratamento humanitário, mas nunca os tratando de forma subserviente, ainda que por omissão, como se faz hoje.
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