terça-feira, 15 de setembro de 2009

CRÕNICAS ESPORÁDICAS

Com nossos aplausos, temos de volta Paulo Wainberg

PROCESSO CRIATIVO
Paulo Wainberg


Eu sei, eu sei, faz tempo, vocês abrem o computador diariamente, cheios de esperança... e nada. Silêncio total, nenhuma crônica minha, logo eu que acostumei vocês – para o bem e para o mal – com crônicas diárias!
Concordo: que pena!
Mas é preciso entender que o ócio, criativo ou não, é um atributo, uma qualidade. O ócio, bem usufruído é uma virtude superior, jamais um pecado, ao contrário da preguiça, esta sim, um estágio inferior da alma, caso ela exista.
Bem, não foi o meu caso. Longe disso. Não estive em estado de ócio, nesse tempo todo. Preguiça? Talvez, mas ócio não.
Desde a última crônica, trabalhei muito. Concluí a revisão do romance Unhas, a história de um exterminador de paixões proibidas que, provavelmente, irá ao ar no próximo ano, dependendo da programação das editoras.
Além disto, mercê de uma soberba re-estruturação (o hífen, no caso, está ortograficamente correto, eu acho) deste escritório advocatício, passei muito tempo pensando e organizando.
Porque, não sei se já te contei, sou um organizador nato, um pensador, o síndico perfeito, que tudo sabe e nada faz, mas conhece quem faz... capice?
Por exemplo: Ligo para meu amigo e informo que estou organizando um churrasco na casa dele, para assistir o jogo, certo? Certo. A primeira parte está feita: o local. Depois ligo para o outro amigo e aviso que vai ter um churrasco na casa do primeiro amigo, para assistir o jogo – do Internacional, é óbvio – cabendo-lhe comprar a carne e assá-la. Depois ligo para o terceiro amigo, repito as informações e atribuo-lhe a parte das saladas. Ao quarto amigo incumbo o dever de levar as bebidas. E, na data aprazada, como, bebo e assisto o jogo. Tudo organizado, tudo perfeito, nenhuma falha no roteiro.
O mundo precisa de pessoas como eu!!!! Gente, como o mundo precisa de pessoas com eu, organizadores natos.
Quando minha esposa, em alguma recepção social lá em casa, me alerta: Serve o vinho!, juro que não entendo. Como assim, serve vinho? Como ela ousa se antecipar a minha ideia?
Na minha ordem natural das coisas, eu determino que alguém – ela inclusive – sirva o vinho. Sou eu quem pensa nesse tipo de obrigação. Jamais concebo que, a mim, caiba executá-la.
Não me peçam para fazer, é o que sempre digo. Eu sei o que é preciso fazer, portanto ponham ao meu lado alguém que faça o que eu sei o que deve ser feito.
Quando eu jogava – futebol, vôlei, tênis – nunca supus que me incumbisse fazer o gol, cortar ou fazer o ponto. Não, não mesmo! Eu deixava o outro na cara do gol, eu levantava a bola na fita da rede, eu gritava para o parceiro do fundo: é tua!
Só o que me faltava era quererem que eu corresse em campo, pulasse para a cortada ou fosse atrás da bolinha de tênis. Se ela viesse aonde eu estava, rebatia. Se não, é tua!, para o parceiro. Simples, uma lógica perfeita para um pensador, ou melhor, para um organizador.
Eu sou um sujeito que adora o ócio, mas não tenho tempo para aproveitá-lo, porque estou sempre organizando alguma coisa.
Hoje, por exemplo, estou firmemente dedicado a organizar um programa fenomenal para a noite: não sair de casa, não me mover, no máximo passar a mão na cabeça do meu cachorro, na frente da televisão.
Tarefa dura, considerando a quantidade de opções que se oferecem, vamos jantar fora, vamos ao cinema, vamos ao teatro, vamos na casa do fulano, senhoras, senhores, jovens e idosos, nesta cidade de Porto Alegre úmida, chuvosa, fria, alagada, quero meu rôbe-de-chambre, chinelas, estufa ( lá em casa falta alguém para acender a lareira, preciso resolver isso) e um filme de terror, daqueles que os mortos devoram os vivos que, morrendo, ressuscitam para devorar outros vivos e, quando tudo parece perdido está tudo perdido mesmo, quer dizer, um filme que não termina, não tem anticlímax, na primeira cena a gente sabe tudo o que vai acontecer, inclusive com a mocinha, cujas coxas se avistam quando ela cai nas garras de um morto, prestes a ser mordida, e é salva aos quarenta e sete do segundo tempo por uma menina de sete anos, loira de olho azul, que sabe atirar com um fuzil americano e tem uma pontaria incrível e que segundos depois será mordida e transformada em morta-viva a última cena do filme a indicar que o horror continua e a humanidade está condenada deixando no espectador uma mensagem de alerta se não cuidarmos direito das coisas a indústria farmacêutica ávida por dinheiro vai acabar conosco porque, por ganância desenvolveram o vírus que transforma mortos em mortos-vivos famintos por sangue dos vivos e são liderados por um gigantescamente musculoso negro que passa o filme inteiro com filetes de sangue escorrendo da boca e que apesar de morto e irracional sabe direitinho onde está a mocinha e o mocinho o xerife da cidade e escapa magistralmente de todas as armadilhas seguido pela multidão disforme e faminta e urrante de discípulos e coisa e tal.
É quando, lá pelas duas da madrugada, acordo com o grito da mocinha, fico impressionado com minha capacidade de dormir sentado na poltrona, desligo a TV e vou para a cama, onde me deito, me espreguiço e, antes de adormecer para sempre, até amanhã, ainda penso em como a vida é boa.
Consequentemente, não me recriminem pelo silêncio e saibam que, quando ele ocorre, é porque estou organizando alguma coisa.

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