quarta-feira, 9 de junho de 2010

CRÔNICAS IMPUDICAS

O MAIS ESPERTO

João Eichbaum

Você está numa pior. O carro está na oficina, esperando a liberação do seguro. Primeiro foi aquela coisa. A batida, você distraído, olhando para aquela bunda hipnótica e lasciva que subia na calçada à sua direita, não prestou atenção no carro que vinha à frente, dirigido por uma mulher, e bum!
Culpa sua, claro, bateu atrás, se ralou. A motorista não quis saber de arreglo, chamou os azuizinhos, porque estava sentindo uma dor nas costas, culpa sua: lesão corporal. Aí, um TC, termo circunstanciado, você tendo que aguardar audiência, comparecer na frente do juiz, pagar advogado e ter que aguentar aquele pobrerio em volta de você no juizado de pequenas causas, a justiça especializada para pobres. Sem contar o recolhimento da carteira, curso de direção, novos exames, o caralho.
Isso tudo, depois de esperar o guincho, o povinho curioso ao seu redor, querendo saber quem era o culpado e os azuizinhos com aquela antipatia que pede um boa bofetada na cara, mas é resistência, desacato, exige fiança, senão termina em cana. Tudo por causa duma bunda.
Mas isso ainda não era tudo. A explicação para sua mulher, que não perdoa nada e quer saber de tudo, tim-tim por tim-tim. Que desculpa você iria inventar? Não podia dizer a verdade. Mas como explicar que você não é barbeiro e, mesmo não sendo barbeiro, não tinha culpa.
Ah, sim, era uma mulher na direção...Mas isso sua mulher não iria aceitar como desculpa, iria chamar você de porco chauvinista, preconceituoso...
Ah, enfim...veio a idéia. A mulher travou, por causa de um pobre cachorrinho que vinha atravessando a rua, distraído, sem se dar conta de que duas quadras além havia uma faixa para pedestres.
Todas essas coisas haviam acontecido antes de você ter se entregado àquela péssima idéia de pedir aumento, logo num dia em que a mulher do chefe possivelmente estava com TPM. Ele olhou pra você de alto a baixo, fez um muxoxo e não disse nada, mas mentalmente há de ter mandado você se fuder. A resposta, propriamente, veio no fim do expediente: você ganhou os trinta.
Logo você, um executivo que se prezava, que se tinha como o melhor da empresa, criativo e operante. Dentro de trinta dias estará na rua, como milhões de brasileiros, dependendo do seguro desemprego, saindo desesperado à procura de novo emprego, largando currículo, olhando os classificados e vendo a imprensa festejar o PIB do Lula, o metalúrgico.
E hoje de manhã, pouco antes de você começar a ser torturado, outra vez, pelas hemorróidas, que não lhe permitem nem sentar pra ver televisão, pra ver aquela merda do time do Dunga, veio a notícia de última hora: com saudade das crianças, sua sogra vem passar um mês com vocês!
Porra, que fase!
Tudo isso acontece logo pra você, hein, o espermatozóide mais esperto e o mais apressadinho da sua turma, o único que conseguiu pegar carona no óvulo que passava...

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