quinta-feira, 30 de setembro de 2010

COM A PALAVRA, JANER CRISTALDO

BRASIL NÃO MERECE SEQUER UMA LÁGRIMA

Domingo que vem é meu dia de protesto cívico. Como faço há já vinte anos, não vou votar. Há quem defenda a idéia de votar no candidato menos pior. Discordo. Menos pior também é pior. Sem falar que me parece absurdo, em regime democrático, ser obrigado a votar. Em todo o Primeiro Mundo, o voto é facultativo. Só nesta América Latina, que vai a reboque da História, é obrigatório. Obrigatório em termos. Você sempre pode anular seu voto. Mas tem de comparecer às urnas. É o que tenho feito de 1990 para cá. Meu título continua em Florianópolis. No domingo, perto de meio-dia, vou justificar a ausência de meu domicílio eleitoral. E depois vou para meu boteco, aperitivar. Hoje, em São Paulo, pode-se beber em dia de eleições. Quando não se podia, meu garçom me servia um uísque e punha ao lado do copo uma garrafa de guaraná.
Não quero ser radical. Mas diria que qualquer pessoa de bom senso não pode votar nestas eleições. De um lado, a candidata preferencial é uma ex-guerrilheira que participou de um grupo terrorista e até hoje se orgulha disto. O segundo colocado não pode sequer acusá-la de terrorista, pois militou em outro grupo terrorista. Os três candidatos mais cotados são todos de extração marxista. Vinte anos após a queda do Muro de Berlim e do desmoronamento da União Soviética, no Brasil o fundo do ar ainda é vermelho.
O mais patético – para não dizer pateta – dos candidatos é sem dúvida José Serra. Não ousa dizer uma palavrinha contra seu adversário, o patrocinador de Dilma Rousseff. Pelo contrário, o colocou em sua campanha eleitoral. Ao dar-se conta que isto era um tiro no pé, retirou-o de sua publicidade. Mas acabou fazendo pior. Mais adiante, alertou o eleitorado: se vocês querem Lula em 2014, têm de eleger-me agora. Se Dilma vencer, Lula não emplaca. Traduzindo em bom português, o que disse Serra? Disse que sem ele seu adversário não será eleito. Com oposição assim, o PT não precisa de base aliada.
Os políticos viraram bonecos de ventríloquo. Quem fala é o marqueteiro. O candidato repete. Mais ainda: para cúmulo do ridículo, o PSDB contratou para fazer sua campanha um guru indiano sediado nos Estados Unidos. A dez mil dólares por dia. Pode? Recorrer aos serviços de um vigarista estrangeiro para conduzir uma campanha eleitoral? Edir Macedo faria melhor. Ao constatar a mancada, os tucanos mandaram o guru de volta aos States. Teria sido mais barato enviar o Serra para fazer meditação transcendental em um ashram em Poona.
Os tucanos têm em mãos farto material para desmoralizar o PT. Desde o mensalão, dólares na cueca, o assassinato de Celso Daniel, os escândalos da Casa Civil, desde Zé Dirceu a Erenice, os cinco milhões de reais dados de mão beijada a Lulinha, e por aí vai. Não usaram esta munição. Serra, já que vai perder, podia ao menos perder com dignidade. Vai morrer humilhado.
Marina da Silva, sem comentários. Lanterninha, insiste no discurso surrado de meio-ambiente, cultua também Lula e põe-se em cima do muro ante qualquer questão polêmica. É boa alternativa para os petistas que admitem existir corrupção no governo do PT. Votam na morena Marina no primeiro turno e no segundo voltam ao redil. Como não vai ter segundo turno, vão acabar mesmo votando no primeiro no PT.
Almas ingênuas ainda acreditam numa virada. Recebo não poucos e-mails de coronéis de pijama que ainda acreditam em milagre. Coronel, quando veste pijama, vira valente. Quando na ativa, é cachorro que enfia o rabo entre as pernas com medo da voz do dono. Outro que alimenta esperanças é o recórter chapa-branca tucanopapista hidrófobo da Veja. Que tenha suas preferências políticas, vá lá. Que acredite que o PSDB possa levar é ingenuidade atroz. Ou subserviência de jornalista vil. A última chance de Serra seria uma recidiva de linfoma. Mas estamos a uma semana das eleições e a recidiva não ocorreu. Se ocorrer mais tarde, será tarde demais.
Dona Dilma está com todas as chances de ganhar no primeiro turno. Serra que se dê por feliz se não levar capote. Quando um candidato deposita suas esperanças em chegar ao segundo turno, como faz o tucano, é porque já deu as eleições por perdidas. Pior ainda: antes mesmo do primeiro turno, Serra está lançando sua candidatura à Prefeitura de São Paulo. Como pode um eleitor votar em um candidato que já pensa em receber um docinho pela derrota? Pelo jeito, Serra ainda não percebeu que estas eleições significam seu enterro político.
Dias piores esperam o Brasil. Nada de melhor se pode esperar de uma terrorista – que eu saiba, a candidata ainda não se penitenciou de seu passado – dominada pela atrabilis e mandonismo. E que consegue falar um pior português que o Supremo Apedeuta. País inacreditável, este nosso: pelo jeito ainda sentiremos saudades de Lula.
De minha parte, tanto faz como tanto fez. Desde há muito não deposito esperança nenhuma neste Brasil. Quando um presidente que acoberta crimes durante dois mandatos tem ainda 80% de aprovação do eleitorado, nada mais se pode fazer. Lasciate ogni speranza voi che entrate! Vou cuidar de meu jardim. Tratar de bem viver os dias que me restam. E o Brasil que se lixe. Povinho que elege Lula ou Dilma não merece sequer uma lágrima.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

ESSE CIRCO CHAMADO JUSTIÇA

A DEPENDÊNCIA DO JUDICIÁRIO
João Eichbaum

Em várias crônicas, tenho criticado o Judiciário, mostrando que a Justiça não é confiável. Pelo que me lembro, em duas crônicas, mostrei minha indignação diante da falta de personalidade de quem deseja ser ministro, seja do Supremo Tribunal Federal, seja do Superior Tribunal de Justiça.
Em outras palavras, disse que o candidato a ministro desses tribunais tem que vender a alma ao diabo.
Pois em sua última edição a revista Veja traz entrevista com a ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, eleita, recentemente, para o cargo de Corregedora do Conselho Nacional de Justiça, aquele órgão que, com o nosso dinheiro, faz propaganda de um produto que não existe: a “justiça”.
Pois a ministra Eliana, que é juíza de carreira e chegou ao Superior Tribunal de Justiça graças ao Jader Barbalho e ao Antônio Carlos Magalhães (que currículo, hein!) não se peja de confessar que “para ascender na carreira, o juiz precisa dos políticos”, acrescentando que “nos tribunais superiores o critério é única e exclusivamente político”.
E diz mais a ministra: “os piores magistrados terminam sendo os mais louvados. O ignorante, o despreparado, não cria problema com ninguém, porque sabe que num embate ele levará a pior. Esse chegará ao topo do judiciário.”
Então, tudo o que se disse nessa coluna sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal encontra respaldo nos dizeres da ministra Eliana. Não é invenção, não é pura crítica. É uma triste realidade.
E vai mais longe a ministra, criticando a “juizite”, isto é, a vaidade dos magistrados, que se satisfazem plenamente com o orgasmo que o poder lhes proporciona. E Sua Excelência admite ainda que “nós, magistrados, temos tendência a ficar prepotentes e vaidosos, espécie de super-homem decidindo a vida alheia”.
Longe de merecer destaque na galeria dos heróis, porque ela mesma confessa que “se não tivesse padrinhos”, não estaria no STJ, a ministra merece aplauso por desvendar as fraquezas do judiciário, que são a vaidade e a ignorância.
Graças a ela, sabemos que a Justiça é uma farsa, já que é comandada pelos “piores magistrados”, uma vez que “os corretos ficam onde estão”, isto é, não chegam ao topo do judiciário. E é no topo do Judiciário que a justiça dá sua última palavra.
Então, meus amigos, não estamos sozinhos, nesse descrédito que macula e compromete a justiça. Aos nossos argumentos se junta a palavra de uma ministra, integrante do Conselho Nacional do Justiça, que se confessa “fruto do sistema”, permitindo a suposição de que a justiça não é um valor perseguido por pessoas responsáveis, independentes e íntegras, mas mero espetáculo (deslumbrante, pelo poder e pelos belos salários, para os magistrados). Ou seja não passa de “um circo, chamado justiça”.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

COM A PALAVRA, JANER CRISTALDO

HOLOCAUSTO VENDE BEM

Essa agora! Leio nos jornais que a Câmara Municipal de Porto Alegre aprovou um projeto que torna obrigatório o ensino do Holocausto na rede pública da cidade. A proposta, votada na semana passada, será sancionada no dia 18 de outubro e começa a valer a partir de 2011 para as escolas públicas de ensino fundamental. Autor da proposta, o vereador Valter Nagelstein (PMDB) argumenta que o Holocausto -extermínio de judeus na Europa durante o regime nazista (1933-45)- foi "o mais grave" episódio da história de desrespeito aos direitos humanos e que estudá-lo propicia aos alunos "uma visão mais profunda sobre o preconceito".
O que a notícia não diz é se será ou não uma disciplina, a ser desenvolvida durante o ano letivo. Pelo jeito, é. Ora, a questão do holocausto cabe em uma, no máximo duas aulas. Mais importante, a meu ver, seria estudar o comunismo, doutrina que dominou o século passado e fez não seis milhões de cadáveres, mas cem milhões.
Só na China, o Livro Negro do Comunismo – antologia coordenada por Stéphane Courtois - debita a Mao 65 milhões de cadáveres em tempos de paz. Em Mao, a História Desconhecida, de Jung Chang e Jon Halliday, os autores falam em 70 milhões. 65 ou 70, não se tem notícia na História de homem que, sozinho, tenha matado tanto. Entre 58 e 61, no Grande Salto para a Frente, 28 milhões de chineses morreram de fome. Segundo Jung Chang, foi a maior epidemia de fome do século XX - e de toda história registrada da humanidade. A China produzia carne e grãos, mas Mao exportava estes produtos para a União Soviética, em troca de armas e tecnologia nuclear. Segundo o Grande Timoneiro, como era chamado Mao, as pessoas "não estavam sem comida o ano todo - apenas seis ou quatro meses".As 846 páginas do livro tornam o relato cansativo. Basta, a meu ver, o resumo: URSS - 20 milhões de mortos; China - 65 milhões; Vietnã - 1 milhão; Coréia do Norte - 2 milhões; Cambodja - 2 milhões; Europa do Leste - 1 milhão; América Latina - 150 mil; África - 1,7 milhão Afeganistão - 1,5 milhão; movimento comunista internacional e PCs fora do poder - uma dezena de milhar de mortos.
Mais interessante seria estudar a Inquisição. Se o Holocausto produziu Israel, a Inquisição construiu a Res Publica Christiana, hoje chamada Europa, e consolidou o poder vaticano, emblema contemporâneo dos maiores faustos do mundo. Certo dia, em Toledo, quis visitar o Museu da Inquisição, na época lá instalado. Perguntei a uma toledana onde ficava. Ela, de bate-pronto, me retrucou: por que o senhor não vai visitar nossa catedral? Ela é belíssima. A catedral eu já havia visitado, sua arquitetura majestosa sempre me faz chorar. Mas o que eu queria ver, daquela vez, eram os instrumentos que haviam possibilitado a ereção da catedral. A vontade é de vomitar. Difícil conceber o talento do humano engenho quando se trata de fazer o próximo sofrer. Mas, enfim, há males que vêm para o bem, como diria - e disse - João Paulo II, a propósito do comunismo. Turista algum se comoveria hoje até as lágrimas, visitando aquele templo imponente, não fossem as torturas horrendas pelas quais passaram os homens da época que o erigiram.
Se comparado com a Inquisição ou com o comunismo, o nazismo durou o que duram as rosas. Foram apenas doze anos de poder. O regime nazista está longe de ser "o mais grave" episódio da história de desrespeito aos direitos humanos, como pretende o vereador gaúcho. Na Rússia, o comunismo teve vigência por sete décadas. Pior ainda, a ideologia tomou conta do Ocidente todo, a ponto de seus melhores cérebros fazerem a defesa incondicional de um dos maiores assassinos do século, Joseph Vissarionovitch Djugatchivili, mais conhecido como Stalin, o de aço. Quando o tirano morreu, houve quem não acreditasse na notícia. Porque um deus não pode morrer.
Segundo a Confederação Israelita do Brasil, Porto Alegre é a primeira cidade do país a aprovar um projeto nesse sentido. Aposto que a próxima será São Paulo. Quanto a estudar o comunismo, que seria mais útil, nem pensar. Os nazistas já morreram e o que quer que lhes diga respeito não mais os atinge. Os comunistas, estão aí. Responsáveis por um passado hediondo e livres como passarinhos. Mais ainda: ocupando os altos escalões do governo.
Quanto ao Holocausto, sempre vende bem.

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

ESSE CIRCO CHAMADO JUSTIÇA

O SEMINARISTA
João Eichbum

O Cezar Peluso é ministro presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça. O CNJ, sabe, é aquele que faz propaganda da justiça, um produto que não se encontra nem pra remédio, no mercado nacional.
O Cezar Peluso, presidente das duas entidades que só têm marca, mas não têm produto, tem um bigodinho que me lembra o Hitler, para disfarçar a cara de seminarista.
Não sei se vocês já repararam: quem foi seminarista vai ter sempre cara de seminarista, uns até já adquirem jeito de padre, sotaque de padre, caminhar de padre.
O Cezar Peluso foi seminarista. Ele queria ser papa. Tinha um tio que era bispo ou coisa parecida e, certamente, já contava com o voto do tio bispo, para ser papa. Mas, foi derrubado no caminho que conduz ao Vaticano, certamente pelo latim, que é uma pedra muito dura.Ou por algum rabo de saia. E aí se contentou com o poder suburbano, tornando-se presidente do Supremo.
Mas a cara de seminarista ele conservou, porque não larga da carolice. Pois saibam que o Cezar Peluso é daqueles que se cristalizaram no tempo: ainda acredita em confissão e comunhão.
É, sim. Ele costuma confessar os pecados, que não hão de ser pequenos, partindo-se da consideração do poder que ele comanda. Seu confessor é ninguém menos do que o arcebispo de São Paulo, Odilo Scherer. É para o bispo Odilo que o Peluso conta os pecadinhos pequenos, que começam com a vaidade, e vai para os grandes, que servem para inchar a vaidade.
Seguinte. O bispo Odilo Scherer assinou manifesto pedindo a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa, para que sujeitos como Joaquim Roriz não possam se eleger. Mas o Cezar Peluso quer pintar de inconstitucional a dita lei, execrada pelo seu grande amigo Pedro Gordilho, advogado de Roriz
Então, já que o Peluso prefere dar ganho de causa para o seu amigo advogado, que vai forrar os bolsos com o dinheiro que Joaquim Roriz arrecadou por aí, o Peluso vai ter que se ajoelhar aos pés do confessor, por causa da lei da Ficha Limpa, que para ele é uma lei suja.
É por isso que eu digo: o Peluso, nem com o bigodinho consegue disfarçar a cara de seminarista. Crente e temente a Deus, ele sabe perfeitamente que pode pecar, beneficiando seu amigo Pedro Gordilho, porque o confessor Odilo Scherer ouvirá o pecado, mas o absolverá, garantindo-lhe o céu.
Quem foi seminarista sabe disso: pode pecar à vontade, porque basta confessar, e todos os pecados estarão apagados, depois da reza de alguns padre-nossos e ave-marias. E aí pouco importa que políticos de ficha suja se safem com o empate na votação do Supremo, provocado pela vaidade e pela preocupação com os amigos.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

CRÔNICAS IMPUDICAS

AMA COM FÉ E ORGULHO
João Eichbaum

O Laurentino Gomes, no seu livro “1822”, desvenda nossas origens, como já começara a fazê-lo no anterior, “1808”: o Brasil nasceu de uma diarréia. As dores do nascimento deste “gigante”, que hoje está entregue aos cuidados do Lula, que, por sua vez, o entrega a pessoas como Erenice Guerra, não foram dores de parto, mas dores de barriga.
Olhem o que diz o Laurentino: “ ao se aproximar do riacho do Ipiranga, às 16h30 de 7 de setembro de 1822, o príncipe regente, futuro imperador do Brasil e rei de Portugal, estava com dor de barriga”. E, invocando o testemunho do coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo, subcomandante da guarda de honra do príncipe, conta o autor de “1822” que, volta e meia, Dom Pedro I, tinha que descer da mula que o levava, para aliviar o intestino no matagal que se estendia ao longo da estrada.
E foi com essa disenteria que o príncipe regente, Dom Pedro I, proclamou a independência do Brasil, às margens do Ipiranga, um arroio de água escura e cor de barro, que coleava entre roçados e inços, ao longo da estrada que levava de Santos a São Paulo.
Então, meus amigos, o que é que vocês queriam de um país que nasceu de uma caganeira?
Que fosse um país culto, como a França? Rico como a Alemanha? Poderoso como os Estados Unidos? Trabalhador como o Japão?
Não, meu caro, não adianta reclamar. Você não tem escolha: ou é a Dilma, ou é o Serra, ou é a Marina. Porque um país nascido de uma diarréia não pode dar coisa melhor.
Olhe em volta de você, meu amigo, olhe os deputados estaduais e federais, os senadores, os ministros do Supremo, o presidente atual e aquele ex-presidente de culhão roxo desta pobre república, gerada num churrio, como é que você iria arranjar coisa melhor?
Não, meu caro! A natureza não se muda.
O Brasil é o que o príncipe regente, Dom Pedro I, mulherengo e pusilânime, dominado pelo José Bonifácio, gerou.
Você pode até amar “com fé e orgulho” esta terra, mas não verá “país nenhum” que tenha políticos iguais aos gerados nas Alagoas, no Maranhão, no Pernambuco.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

COM A PALAVRA, JANER CRISTALDO

IMPRENSA FRANCESA PERDEU A VERGONHA

Comentei há alguns dias: leitora me alerta que não foi só o Le Monde que publicou um suplemento endeusando Lula e seu governo. O argentino El Clarín também fez o mesmo. E se há suplementos laudatórios em um jornal francês e outro argentino, nestas vésperas de eleição, certamente surgirão outros até outubro.
Não deu outra. Hoje, o jornal francês Le Figaro, em reportagem de capa, afirma que Lula foi o presidente responsável por "modernizar o Brasil". Não consegui acessar o texto, o site é reservado para assinantes do jornal. Só tive acesso ao lead. Recorro então a um resumo feito pelo Estadão. O texto é assinado pela correspondente do jornal no Rio de Janeiro, Lamia Oualalou.
A reportagem conta a história de Ricardo Mendonça, paraibano de Itatuba que se mudou para o Rio de Janeiro à busca de emprego em 2003 e conseguiu entrar na universidade graças a uma bolsa do programa Pro-Uni, do governo federal. O jornal atribui o sucesso de Mendonça às políticas do governo Lula."Histórias como esta de Ricardo o Brasil registra aos milhões. A três meses do fim do seu segundo mandato, este é um país mudado que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixará ao seu sucessor", escreve o Le Figaro.

Barbudo onipresente

O jornal diz que quando Lula chegou ao poder, em 2003, o Brasil era um país sem "grandes esperanças" que havia finalmente dado uma chance a um "turbulento barbudo onipresente na cena eleitoral deste o restabelecimento da democracia". O Le Figaro destaca que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu combater a hiperinflação com o Plano Real, mas que se tornou "muito impopular" antes de deixar o poder em 2002. Citando analistas políticos brasileiros, o jornal diz que Lula foi responsável por ampliar políticas sociais do governo anterior. "O chefe de Estado reagrupou algumas medidas sociais do seu antecessor e às deu uma dimensão inimaginável", diz a reportagem do jornal. "Pela primeira vez na história, o Brasil assiste a uma redução continua e inédita das desigualdades. Em dois mandatos, 24 milhões de brasileiros saíram da miséria e 31 milhões entraram para a classe média." E por aí vai. Menção nenhuma à quadrilha do mensalão, chefiada por seu então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Nada sobre a quebra de sigilo bancário de um humilde caseiro, o Francenildo, por um outro de seus ministros, Antonio Palloci. Nada sobre dólares na cueca. Nada sobre a aliança com corruptos notórios como José Sarney e Fernando Collor de Mello.Muito menos aos constantes ataques à imprensa feitos por Lula, que quer os jornais subjugados à vontade do governo. Nenhuma palavrinha ao tráfico de influência e nepotismo imperantes na Casa Civil, cuja ministra instituiu uma bolsa-família para seu marido, sobrinho, filhos e amigos dos filhos. Nada sobre a candidata à Presidência, Dilma Roussef, que indicou a ministra corrupta para o cargo e hoje releva todos seus crimes.
Falta de informação da correspondente no Rio de Janeiro? Duvido. É de supor-se que um correspondente leia os jornais do país que cobre. Ora, a imprensa não passa dia sem noticiar um caso de corrupção no governo Lula. A única hipótese que resta é que o Planalto comprou mais um jornal em Paris. Se comprou mais um jornal francês, terá comprado outros mundo afora. Na França, falta ainda comprar o Libé e o Nouvel Obs. Basta esperar para ver..

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

ESSE CIRCO CHAMADO JUSTIÇA

OS DEUSES DE TOGA (IV)

João Eichbaum

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal obriga seus ministros a usarem toga, nas sessões de julgamento.
A toga é uma espécie de camisolão unissex, preto, de cetim, que vai até os pés, com uma largura suficiente para caber em cima do terno, do terninho ou do vestido.
Suas Excelências usam dois tipos de toga: a simples e a de gala. A simples é amarrada por trás, como um avental. A de gala tem que ser enfiada pela cabeça, mostra uns babados na frente, e ainda é adornada por uma faixa de seda, que vai por cima da pança dos ministros e ministras.
E vocês acham que eles vestem as togas sem auxílio de ninguém?
Nada disso, meus caros. Deuses são deuses e eles nunca dispensam os “servos”. Os deuses existem exatamente para que haja “servos” a servi-los. Senão, não tinha graça ser deus, ou Deus. Deus nenhum vive sem platéia, sem bajulação, sem capachos e sem orgasmos múltiplos (o deus judaico-cristão, por exemplo, teve seis orgasmos durante a criação, “viu que era bom” diz o Gênesis)
Pois lá no Supremo Tribunal Federal alguns “servos” têm a função específica de cuidar das togas e preparar a cerimônia de vestidura dos ministros. São os chamados “capinhas”. Eles também têm que usar uma capa preta, que lhes vai até o peito: não é comprida como a dos ministros, para evitar confusões.
Antes da sessão, os “capinhas” tiram as togas dos armários e, no salão branco, contíguo ao salão do plenário, as estendem sobre uma vistosa mesa de jacarandá. Quando chegam os ministros, os “capinhas” os vestem, dobrando-se à alegria de estarem empregados no serviço público, mesmo que sua tarefa seja abominavelmente servil, como se fossem feitos de matéria de qualidade inferior à dos ministros, como se não os igualassem as baixezas e as necessidades fisiológicas animais.
Não se sabe se é a resignação e a humildade dos “capinhas” que, não os deixando sair do rés do chão, inflam a vaidade dos ministros, ou se é a vaidade dos ministros que os mantém naquele nível situado pouco abaixo do rego apertadinho dos gauipecas. Porque já é aí, nesse cerimonial antes da sessão, que começam os orgasmos de suas excelências, os quais se multiplicam no plenário, quando lhes advém a certeza de que são deuses, graças às suas preclaras cabeças: dão a palavra final sobre o destino das criaturas.
De qualquer maneira, a subserviência é que marca o caráter dos “capinhas”: eles têm que fazer o que os ministros querem, ou seja, preservar-lhes os caprichos, servindo mais como capachos do que como “capinhas”.
O Gilmar Mendes, por exemplo, segundo noticia a revista Piauí, “não tem paciência para esperar a amarração”, por isso sai andando, e o “capinha”, como um cachorrinho fiel, vai atrás do andar arrogante de Sua Excelência, para lhe amarrar a toga.
A ministra Ellen Gracie, tida por muitos como inteligente e culta, proibiu seu “capinha” de estender a toga sobre a dita mesa de jacarandá porque, segundo sua invejável cultura jurídica, a mesa produz maus fluidos: é sobre ela que se estendem os cadáveres dos finados ministros, para serem velados, antes de serem enterrados com suas vaidades e eternamente esquecidos.
Esse é o serviço dos “capinhas”, funcionários públicos de carreira, pagos com o nosso dinheiro, até para a checagem final imposta pela vaidade das ministras Ellen Gracie e Carmen Lúcia: se a toga não está escondendo o glamouroso bico dos sapatos.
Bem, já que a crônica foi sobre a toga, vocês hão de perguntar: para que serve a toga?
Ora, ora, o camisolão aquele, que custa a bagatela de 370 reais, debitados na conta do contribuinte, serve apenas para impressionar, levando os demais primatas a pensar que os ministros do Supremo são diferentes.

terça-feira, 21 de setembro de 2010

COM A PALAVRA, JANER CRISTALDO

AS TRÊS VIAS DE ACESSO(junho 2006)

Após ler minha crônica sobre os cavacos do ofício do jornalismo, uma amiga me pergunta porque não estou lecionando numa universidade. Coincidentemente, a resposta está no artigo de Cláudio de Moura Castro, na Veja da semana passada:“Na UFRJ, um aluno brilhante de física foi mandado para o MIT antes de completar sua graduação. Lá chegando, foi guindado diretamente ao doutorado. Com seu reluzente Ph.D., ele voltou ao Brasil. Mas sua candidatura a professor foi recusada pela UFRJ, pois ele não tinha diploma de graduação. Luiz Laboriou foi um eminente botânico brasileiro, com Ph.D. pelo Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech) e membro da Academia Brasileira de Ciências. Mas não pôde ensinar na USP, pois não tinha graduação”.
Estas peripécias, eu as conheço de perto. Começo pelo início. Nunca me ocorreu lecionar na universidade. Eu voltara da Suécia, cronicava em Porto Alegre e fui tomado pela resfeber, doença nórdica que contraí na Escandinávia. Traduzindo: febre de viagens. Li nos jornais que estavam abertas inscrições para bolsas na França e me ocorreu passar alguns anos em Paris. A condição era desenvolver uma tese? Tudo bem. Paris vale bem uma tese. Tese em que área? Busquei algo que me agradasse. Na época, me fascinava a literatura de Ernesto Sábato. Vamos então a Paris estudar Sábato.
Mas eu não tinha o curso de Letras. O cônsul francês, ao me encontrar na rua, perguntou-me se eu não podia postular algo em outra área. Em Direito havia mais oferta de bolsas. Poder, podia. Eu cursara Direito. Mas do Direito só queria distância. Mantive minha postulação em Letras. Para minha surpresa, recebi a bolsa. A França me aceitava, em função de meu currículo, para um mestrado em Letras, curso que eu jamais havia feito. Nenhuma universidade brasileira teria essa abertura. Aliás, os componentes brasileiros da comissão franco-brasileira que examinava as candidaturas, tentaram barrar a minha. Fui salvo pelos franceses.
Fui, vi e fiz. Em função de meu currículo, aceito para mestrado, fui guindado diretamente ao doutorado. Tive o mesmo reconhecimento que o aluno do MIT. Acabei defendendo tese em Letras Francesas e Comparadas. Menção: Très bien. Não me movera nenhuma pretensão acadêmica, apenas o desejo de curtir Paris, suas ruelas, vinhos, queijos e mulheres. A tese não passou de diletantismo. De Paris, eu escrevia diariamente uma crônica para a Folha da Manhã, de Porto Alegre. Salário mais bolsa me propiciaram belos dias na França. Foi quando minha empresa faliu. Conversando com colegas, fiquei sabendo que um doutorado servia para lecionar. Voltei e enviei meu currículo para três universidades. Sei lá que loucura me havia acometido na época: um dos currículos enviei para o curso de Letras da Universidade de Brasília.Fui a Brasília acompanhar meu currículo. Procurei o chefe do Departamento de Letras. Ele me cobriu de elogios, o que só ativou meu sistema de alarme. Que minha tese era brilhante, que meu currículo era excelente, que era um jovem doutor com um futuro pela frente. Etc. Mas... eu tinha apenas os cursos de Direito e Filosofia, não tinha o de Letras. Me sugeria enviar meu currículo ao Departamento de Filosofia, já que a tese tinha alguns componentes filosóficos.Ingênuo, fui até o Departamento de Filosofia. O coordenador me recebeu muito bem, analisou minha tese, cobriu-a de elogios. Mas... eu não tinha o Doutorado em Filosofia. Apenas o curso. Considerando o grande número de artigos publicados em jornal, sugeria que eu fosse ao Departamento de Comunicações. Besta atroz, fui até lá. O coordenador considerou que meu currículo como jornalista era excelente. Mas... eu não tinha o Curso de Jornalismo.
Na Universidade Federal de Santa Catarina abriu um concurso para professor de Francês. Já que eu era Doutor em Letras Francesas, me pareceu que a ocasião era aquela. Duas vagas, dois candidatos. Fui solenemente reprovado. Uma das alegações foi que eu falava francês como um parisiense, e a universidade não precisava disso. A outra, e decisiva, era a de que eu tinha doutorado em Letras Francesas, mas não tinha curso de Letras.
Já estava desistindo de procurar emprego na área, quando fui convidado para lecionar Literatura Brasileira, na mesma UFSC que me recusara como professor de francês. Convidado como professor visitante, o que dispensa concurso. Mas o contrato é por prazo determinado, dois anos. O curso precisava de doutores para orientar teses e eu estava ali por perto, doutor fresquinho, recém-titulado e livre de laços com outra universidade. Fui contratado.Acabei lecionando quatro anos, na graduação e pós-graduação. Findo meu contrato, foi aberto um concurso para professor de Literatura Brasileira. Me inscrevi imediatamente. Uma vaga, um candidato. Me pareceram favas contadas. Ledo engano. Eu não tinha o curso de Letras. Fui de novo solenemente reprovado. Não tinha graduação em Letras.
Na mesma época, abriu um concurso na mesma universidade para professor de espanhol. Ora, eu já havia traduzido doze obras dos melhores autores da América Latina e Espanha (Borges, Sábato, Bioy Casares, Robert Arlt, José Donoso, Camilo José Cela). Vou tentar, pensei. Tentei. Na banca, não havia um só professor que tivesse doutorado. Pelo que me consta, jamais haviam traduzido nem mesmo bula de remédio. Mais ainda: não tinham uma linha sequer publicada. Novamente reprovado. Minhas traduções poderiam ser brilhantes. Mas eu jamais havia feito um curso de espanhol.
Melhor voltar ao jornalismo. Foi o que fiz. Anos mais tarde, já em São Paulo, por duas vezes fui convidado para participar de uma banca na Universidade Federal de São Carlos, pelo professor Deonísio da Silva, então chefe de Departamento do Curso de Letras. Uma das bancas era para escolher uma professora de Literatura Espanhola, outra uma professora de Literatura Brasileira. Deonísio sugeriu-me participar, como candidato, de um futuro concurso. Impossível, eu não tinha o curso de Letras. Quanto a julgar a candidatura de um professor de Letras, isto me era plenamente permissível.
Por estas e por outras – e as outras são também importantes, mas agora não interessam – não estou lecionando. Diz a lenda que na universidade da Basiléia havia um dístico no pórtico, indicando as três vias de acesso à universidade: per bucam, per anum, per vaginam. Lenda ou não, o dístico é emblemático. A universidade brasileira, particularmente, é visceralmente endogâmica. Professores se acasalam com professoras e geram professorinhos e para estes sempre se encontra um jeito de integrá-los a universidade. A maior parte dos concursos são farsas com cartas marcadas. Pelo menos na área humanística. As exceções ocorrem na área tecnológica, onde muitas vezes a guilda não tem um membro com capacitação mínima para proteger. Contou-me uma professora da Universidade de Brasília: “eu tive muita sorte, os dez pontos da prova oral coincidiam com os dez capítulos de minha tese”. O marido dela era um dos componentes da banca. A ingênua atroz – ou talvez cínica – falava de coincidência.
Na universidade brasileira, nem um Cervantes seria aceito como professor de Letras, afinal só teria em seu currículo o ofício de soldado e coletor de impostos. Um Platão seria barrado no magistério de Filosofia e um Albert Camus jamais teria acesso a um curso de Jornalismo. No fundo, a universidade ainda vive no tempo das guildas medievais, que cercavam as profissões como quem cerca um couto de caça privado. Na Espanha e na França, desde há muito se discute publicamente a endogamia universitária. Aqui, nem um pio sobre o assunto. E ainda há quem se queixe quando os melhores cérebros nacionais buscam reconhecimento no Exterior.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

COM A PALAVRA, JANER CRISTALDO

GUILDA ABOMINA FORMAÇÃO AMPLA

Leio na Folha de São Paulo :O advogado Evandro Sathler, mestre em ciências sociais e jurídicas e doutor em geografia, viu-se em uma sinuca de bico quando quis prestar concurso para professor em universidade pública."Não me qualifico nos editais para docente de direito porque meu doutorado é em ciência sociais, nem nos de geografia porque meu bacharelado é em direito", diz.
O caso de Sathler ilustra um problema emergente: o descompasso entre a presença cada vez maior de profissionais multidisciplinares e sua inserção nas universidades, ainda estruturadas em "caixinhas" -departamentos organizados em torno de uma área do conhecimento.
O jornal lista vários outros casos de pessoas plenamente habilitadas para o magistério, com mestrado ou doutorado em determinadas disciplinas, mas que não podem fazer concurso por não terem graduação na área. No fundo, o corporativismo das guildas. Certo, determinados campos do conhecimento humano exigem uma formação prévia. Ninguém pode fazer um mestrado em engenharia ou medicina sem antes ter passado pelo curso. Mas o mesmo não ocorre nas ciências humanas. Até 1969, era jornalista que exercia o jornalismo e estamos conversados. Uma junta de militares, mais conhecida como os Três Patetas, tentando cercear a liberdade de expressão, resolveu regulamentar a profissão. A partir de então, só podia exercer o ofício quem tivesse curso universitário. As esquerdas, que lutaram contra os militares mas sempre gostaram da idéia de censura, adoraram a nova lei.
Hoje, são os velhos comunas e petistas os que mais defendem a exigência de curso universitário para o exercício do jornalismo. Tanto que a profissão foi desregulamentada mas ainda há quem tente uma emenda constitucional para reestabelecer o diploma. O que vai na contramão de todos os países do Ocidente. Desconheço país em que tenha vigência este quesito absurdo. Na França, por exemplo, a lei é singela: é jornalista todo aquele que tirar a parte maior de seus proventos do jornalismo.
O mesmo diria de Letras. Ainda ontem, eu contava que minha formação literária ocorreu em um boteco, o Chalé da Praça XV, de Porto Alegre. Nos cafés se discute – e se lê – mais literatura do que nos cursos de Letras. Estes cursos estão contaminados por uma peste oriunda da Europa que contamina o estudo de Letras, a tal de teoria literária. É disciplina absolutamente inútil e que tomará pelo menos metade do tempo do aluno. Teoria literária à parte, você terá de ler os Rosas, Machados, Verissimos e Clarices da vida. Cervantes, Swift, Thackeray, Dostoievski, Kuprin, Nietzsche, Hölderlin, Lagerkvist, Boye, que é bom, ni pensar.
Ah, conheço bem esta via crucis. Quando voltei de Paris, com um doutorado flamante em Letras pela Sorbonne Nouvelle, quase cai no ostracismo porque não tinha curso de Letras. Em verdade, acabei caindo no desemprego. Fora um interregno de quatro anos, como professor-visitante, não consegui mais vaga na universidade. Apesar de ter lecionado Literatura Brasileira e Comparada e orientado teses durante quatro anos. Transcreverei em outro espaço a crônica que escrevi há mais de quatro anos, onde faço um relatório de meu calvário.
Mas foi bom. Amor facti, como diria Nietzsche. O desemprego me empurrou para São Paulo, onde voltei ao jornalismo. (São Paulo sempre acaba chamando). Escapei do deserto de idéias de Florianópolis e dos miasmas exalados pela ilha. E da burocracia universitária. Descobri que ilhéu tem a cabeça do tamanho da ilha em que habita. Me dei conta disto quando descobri que no curso de Filosofia da UFSC havia uma ementa: História da Filosofia Catarinense. Pode? O Estado nunca teve um filósofo e no entanto já tinha uma história da filosofia.
Como dizia Camus, ao chegar em Porto Alegre: “je déteste ces ilôts de civilization”. Desemprego pode ser muito transformador. Foi o meu caso. Da ilha, guardo comigo boa lembrança de algumas alunas e de raros amigos. O resto, o ensino universitário, foi pura perda de tempo, caminhada rumo ao inútil.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

ESSE CIRCO CHAMADO JUSTIÇA

OS DEUSES DE TOGA (III)
João Eichbaum

O ministro Antônio Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, queria mesmo era ser papa, informa Luiz Marcklouf Carvalho, na reportagem “Supremo, quousque tandem”, que a revista Piauí publica, neste mês de setembro.
Para ser papa, a primeira coisa que fez foi estudar num seminário. Mas, desistiu de ser papa, certamente porque o seu latim não era lá essas coisas. Tanto que, não tendo cacife para ingressar numa universidade pública, fez vestibular numa faculdade católica, cursou direito e se tornou juiz.
Aí então, quis ser ministro do Supremo Tribunal Federal, que é bem mais fácil do que ser papa. Seus amigos fizeram força, usaram de prestígio, entraram nos bastidores do poder, puseram em ação toda o tipo de influência – requisito único para que alguém seja ministro do Supremo.
Não deu certo. O presidente da república, na época, Fernando Henrique Cardoso, teria dito que o Peluso era bom e “queria nomeá-lo, mas a vez era de uma mulher”.
Quer dizer, antes do “notório saber jurídico” o que conta é o sexo. E como a dona Ruth Cardoso queria uma fêmea como ministra, a escolhida foi Ellen Gracie, patrocinada por Nelson Jobim.
Como um “caniço agitado pelo vento”, Antônio Cezar Peluso, que antes apoiava o governo militar, mudou de lado, se dedicou aos “direitos humanos” dos presos e, com isso, ganhou o apoio de Márcio Thomaz Bastos, ministro da Justiça de Lula, muito chegado também aos direitos humanos dos bandidos, porque dá mais lucro defender quarenta ladrões do que um Ali Babá. O Peluso acabou indo para o Supremo aos quarenta e nove do segundo tempo, na vaga destinada para um macho. Branco, diga-se de passagem, porque, assim como há vagas para machos e fêmeas, separadamente, as há também para brancos e negros.
Quis a política dos opositores que fosse levado a julgamento pelo Supremo o Palocci, também ministro do Lula, acusado de haver mandado quebrar o sigilo fiscal de um pobre diabo, caseiro Francelino dos Santos, que havia botado a boca no trombone, comprometendo o dito Palocci.
E vocês acham que, tomado de gratidão, uma das virtudes hauridas na religião católica e nos corredores do seminário, o Peluso iria condenar o Palocci, ministro do Lula?
Aqui, ó!
Para justificar o favorecimento a Palocci, o ministro Peluso confessou, cândida mas indiretamente, que não conhece processo penal: “não havia prova de que Palocci tinha mandado quebrar o sigilo do caseiro Francelino dos Santos Costa” e só havia prova de que Palocci sabia da quebra do sigilo do miserável caseiro. Mas, como o Palocci não foi denunciado por prevaricação, o Peluso confessa que “só pude votar como votei”.
Pronto. Em menos tempo do que exigem os bocejos praticados pelos ministros, durante as sessões modorrentas do Supremo, o Palocci estava livre.
O presidente do Supremo Tribunal Federal não sabia que uma denúncia, para ser recebida, não necessita de “provas”. E que a classificação do crime dada pelo Ministério Público na denúncia é o que menos importa, porque nem sempre o Ministério Público conhece direito penal. O que importa é a descrição do fato delituoso com todas as circunstâncias, razão pela qual pode o juiz “dar nova definição jurídica” ao crime.
Assim é o Supremo. Quem não pode ser papa, pode ser ministro. E sexo conta muito para ser ministro.
Finalmente: para ser ministro do Supremo não precisa conhecer direito processual penal.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

CRÔNICAS TRADICIONALISTAS

GAUCHOS E BRASILEIROS
Paulo wainberg


Vinte de setembro é o feriado nacional dos gaúchos. Comemoramos a Revolução Farroupilha que durou dez anos, de 1835 a 1845.
Foi nesse dia que o General Bento Gonçalves e suas tropas tomaram a cidade de Porto Alegre, destituindo o Governador da Província que representava o Império brasileiro.
Tudo começou quando, na zona Sul do Estado, em Pelotas mais precisamente, desenvolveram a técnica do charque, que permitia o transporte de carne, nas condições terríveis das estradas e dos transportes de então, sem que ela apodrecesse.
Antes da Charqueada só era possível o transporte de vacas e bois e ovelhas vivos, o que transformava a viagem num verdadeiro horror.
Logo o Império botou seus olhos gananciosos sobre a Charqueada e tratou de sobretaxar o charque e, de quebra, a banha, o arroz e tudo o mais que se produzisse na Zona Sul, o que causou intransponível revolta dos grandes latifundiários de então.
Expressão fardada dos interesses econômico-financeiros abalados, agregaram, os revoltosos, o espírito republicano ao seu movimento e deram vazão aos desejos separatistas que moviam grande parte de seus seguidores.
No dia Vinte de Setembro de 1835, sob o comando do General Bento Gonçalves, deu-se a tomada de Porto Alegre e o início da Revolução que, em pouco tempo ficou conhecida como ‘dos farrapos’, eis que seus exércitos eram constituídos, mesmo, de farrapos.
Em pouco tempo Porto Alegre repeliu os invasores que, por mais que tentassem, nunca mais conseguiram recuperar a cidade, o que valeu o título imperial de “Mui leal e valerosa cidade de Porto Alegre”.
Vendo que o movimento perdia a força, coube ao General Netto, rico fazendeiro e grande combatente, promulgar a República de Piratini, assim chamada porque o ato foi praticado na cidade de Piratini, então em poder dos rebeldes e primeira sede do governo republicano.
Bento Gonçalves foi nomeado presidente da nova república e compôs seu ministério. E passaram anos achando que governavam o novo país, mesmo que a República do Piratini tivesse uma sede errante e itinerante, mudando de local na mesma proporção em que os revolucionários eram desalojados das posições que ocupavam.
A Revolução Farroupilha foi fratricida, sangrenta, inconstitucional, provocou um inominável massacre de escravos e terminou em fragorosa derrota, quando os revolucionários foram obrigados a aderir ao Pacto do Poncho Verde, com rendição incondicional e completa submissão ao poder do Império, que pouco cumpriu das cláusulas ajustadas.
Mais de cem anos após, dois notáveis gaúchos, Barbosa Lessa e Paixão Cortes, profundos estudiosos dos hábitos e costumes dos gaúchos, deram início ao hoje super difundido movimento tradicionalista gaúcho, representado pelos Centros de Tradição Gaúchas, os CTGs.
Graças a eles divinizou-se o dia 20 de setembro que, anos após, por lei estadual, tornou-se feriado no o Estado.
Há alguns anos, durante o mês de setembro, monta-se um “acampamento farroupilha’ no Parque Mauricio Sirotsky Sobrinho, um dos mais bonitos na cidade, a celebrar o Vinte de Setembro e os ideais farroupilhas.
Armam-se barracas rudimentares, piquetes (o que será um piquete?), os gaudérios mudam para lá com seus cavalos, bombachas, botas, camisa quadriculada, chapéu e, é claro, o lenço vermelho no pescoço, além da guaiaca, relho e outros apetrechos, e passam os dias proseando, comendo carreteiro de charque, churrasco e bebendo chimarrão, caminhando pelo bom e velho barro que chuvas ininterruptas produzem.
A Prefeitura já propôs pavimentar a área, mas a gauchada não aceita de modo algum, está fora da tradição, gaucho que é gaucho tem mesmo é que enfiar a bota e o pé no barro.
Boa parte da população ali instalada substitui o chimarrão pela cachaça, o que inevitavelmente provoca muitas brigas e algumas mortes.
Dezenas de shows de música nativista, dança, teatro, trovas, torneios, inclusive com os cavalos, fazem a alegria desses milhares de pessoas, homens, mulheres e crianças a brincar de ser gaucho.
O que os tradicionalistas enfatizam, sempre que podem, é que, em primeiro lugar, são brasileiros, depois gaúchos.
Porque, como é óbvio, antes do Vinte de Setembro, temos o Sete de setembro, data da nossa independência. Porém, longe, mas muito longe de ser comemorada com a mesma intensidade, alegria e ufanismo.
A questão é: Por que comemoramos o Vinte de Setembro, o início de uma guerra terrível que nenhum benefício trouxe ao Estado, ao País e ao povo brasileiro?
Não conheço – posso estar enganado – nenhum lugar no mundo onde se comemore a guerra, mesmo a mais libertária.
É costume comemorarmos a paz, honestamente. E a vitória. No dia da paz, espocam fogos de artifícios, o povo desfila, dança, brinca e é feliz.
Por aqui, comemoramos a guerra e a derrota!
Ouso afirmar que não foi na Revolução Farroupilha que se forjou a alma do gaucho nem naquele período, a tradição floresceu.
Acontece que Barbosa Lessa e Paixão Cortes, a partir de 1947, para estimular o sentimento gaucho e instituir o culto às tradições, até então quase desconhecidas, não podiam celebrar a paz, porque as comemorações, neste caso, teriam que ser no dia 1 de março, data da assinatura do tratado do Poncho Verde, o dia da derrota!
Aliás, não foi tratado, foi acordo, pacto e rendição. Os revolucionários bem que insistiram num tratado. Mas o Império recusou. Tratados são celebrados entre países e a República do Piratini jamais foi reconhecida como um país, pelo governo central.
A rendição foi assinada por David Canabarro, então presidente da República do Piratini, e pelo Barão de Caxias (depois Duque), representante do Império.
O documento jamais fala em “república” e, o máximo que concede, é chamar os insurgentes de “republicanos”.
Entretanto, a sede do governo do Estado chama-se Palácio Piratini. O hino Riograndense tem uma frase que diz: “Foi o Vinte de Setembro, o precursor da liberdade”.
Por que Palácio do Piratini? E de qual liberdade foi o Vinte de Setembro precursor?
Acho que, uma coisa é ter orgulho de sua história e cultuar as tradições.
Outra é, com total desonestidade intelectual, mitificar, iludir e atribuir a um erro histórico, sanguinário e cruel, a grandeza reveladora de um grande povo.
Nos CTGs não se toca nem se dança o samba. Aliás nem mesmo as músicas mais tradicionais são permitidas, se o ritmo não for aquele, instituído como o tradicional. Não se aceitam instrumentos modernos!
Nos CTGs tem que ser como era, ou como se pensa que era. Não pode mudar uma palha.
A pilcha, traje completo de gaúcho, é oficial e de gala, por força de lei estadual. De terno e gravata você nem entra em fandango ou baile de CTG.
Entretanto, temos maravilhas culturais. A poesia gauchesca é notável, o mesmo ocorrendo com a música. Nossos grandes declamadores, ou ‘pajeadores’ transbordam de emoção e nos deixam embevecidos.
Para quem não conhece, recomendo a música “Guri”, interpretada por Mario Passarinho. E ouça um CD com os poemas declamados por Jayme Caetano Braum
Quem, como eu, já chegou de madrugada, num frio de rachar e o Minuano soprando, num barracão no meio do campo, sabe o que vou dizer.
Fomos recebidos, eu então jornalista em viagem pelo Estado com a Secretaria de Turismo, por quatro peões que, para quem não sabe, são os gaúchos mais simples, humildes e ignorantes. Eles trabalham conduzindo o gado e dele cuidando, esses sim, gaúchos a cavalo troteando pelo pampa. Não nos esperavam e foram acordados.
Em poucos minutos, na fogueira de chão, o espeto de costela foi posto a assar, enquanto a conversa fluía, simples, uma acolhida tipicamente gaúcha, hospitaleira e pura.
Então um deles pega a gaita, um acordeão de oito baixos e começa a cantar. E daquela boca rude e mal tratada, saíram versos belíssimos, verdadeiras odes, que ele, na hora, compunha. Mais tarde, outro declamou.
Eu me vi participante da verdadeira cultura regional, muitas vezes ingênua, mas emocionada e linda como poucas.
Nenhum produção, nenhum adereço supérfluo, nenhuma regra de comportamento a ditar o que pode ou não pode.
Gaúchos como eles são, os peões ou tropeiros, transmitindo boca à boca, tradição, alegria de viver e cordialidade.
A costela, assada no fogo de chão, saiu perfeita, a carne desgrudando do osso, um sabor especial de coisa pura, não contaminada por especiarias da cidade.
Comemos e ficamos, até o amanhecer, quando eles saíram para o campo, para os seus afazeres.
E nós seguimos viagem.
Há, pois uma alma gaucha, um modo de ser gaucho, típico e próprio, que nada tem a ver com a cidade e é representado, de modo estilizado, repetido, com jeito de Xerox, na maioria dos CTGs que visitei.
Representa muito mais o espírito brasileiro do gaucho, sua verdadeira índole, brasilidade e integridade, o momento notável da Guerra Cisplatina.
Aí sim, em 1826, o Rio Grande Sul, representando o Império e o País, enfrentou a Argentina e seus correntinos, que pretendiam adicionar a Província de Sacramento ou Cisplatina – hoje Uruguai – e a Província de São Pedro, hoje Rio Grande do Sul, ao seu território.
Naquele momento, não fora a fibra gaúcha e o desejo de permanecermos brasileiros, poderíamos hoje estar falando espanhol e achando que Maradona foi melhor do que Pelé.
Entretanto, nossos tradicionalistas não celebram essa data, não lhe dão o valor histórico devido e usam o episódio quase como desculpa: o Rio grande do Sul lutou para ser brasileiro.
Como se isso justificasse o ideal separatista dos Farrapos, até hoje sonhado e idealizado por muitos, alguns de péssima origem, como um admirador de Hitler que ‘criou’ a República do Pampa, cuja bandeira seria a mesma do III Reich.
Se você for contra o que estou dizendo, faço um convite: pegue sua mala de garupa, sua bomba e sua cuia, encilhe o pingo e aprochegue-se ao acampamento farroupilha. Instale a tralha num piquete, acenda um palheiro, faça cosquinha no seu cusco e durma de bota, bombacha e chapéu, num pelego sobre a lama.
Pela manhã tome um mate bem quente e, para não esquecer de onde está, cumprimente seu vizinho:
– Oigalê, tchê!
– Buenas vivente! E essa chuva que não para, tchê?
– Tá mais braba que vaca em atoleiro, tchê!
- Pior, índio véio, já tá transbordando a sanga!
– Ala putcha, tchê!
Siga o dia, comendo carne com aipim, bebendo mate e cachaça e não se esquive do estrume nem do esterco. Cuide-se dos mosqueiros e não esqueça a faca na bota, caso algum gaiato arraste a asa para sua china.
Bom proveito, tchê.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

COM A PALAVRA JANER CRISTALDO

QUANDO ESMOLAR VIRA SINÔNIMO DE TRABALHAR

Esta nossa imprensa fantástica e seus eufemismos maravilhosos. As pessoas desmoralizam as palavras que as definem e depois buscam outras para serem definidas. Aconteceu, por exemplo, com favela. À medida que a palavrinha passou a ser sinônima de tráfico e banditismo, os jornais recorreram à outra: comunidade. Ora, esta palavra é bastante ampla e eu não estaria sendo inadequado se falasse da comunidade de Higienópolis ou do Anália Franco. Mas não. Comunidade agora é a Heliópolis ou da Rocinha. Líder de favela soa mal. É expressão associada a drogas e criminalidade. Melhor líder da comunidade.
Minha faxineira, outro dia, me perguntava:- É verdade que não se pode falar mais em favela? A professora de meu filho disse que agora é comunidade.
Claro que pode, Cristina. O que um professor diz não tem força de lei. E tentei explicar para ela em que consiste o tal de pensamento politicamente correto. Cristina é pessoa bastante atilada e logo percebeu que estavam mexendo com a linguagem.
Outro dia, vi uma manchete divina no Estadão:
67% DAS CRIANÇAS QUE TRABALHAM NA RUA TÊM TRANSTORNO
Fiquei intrigado. Moro há vinte anos em São Paulo e jamais vi crianças trabalhando na rua. Fui à notícia:Além de sofrerem violência física em casa, 67% das crianças que trabalham nos semáforos das ruas de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo, e dos Jardins, zona sul, apresentam transtornos emocionais. De 185 que trabalham nessas áreas, 124 têm problemas como hiperatividade, fobias e depressão. Entre as crianças analisadas, todas tinham nível de estresse superior aos limites normais.
Ah bom! O jornal falava das crianças que esmolam nas ruas. O diagnóstico resulta de uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), daí o politicamente correto. Falava dessas crianças que esperam os carros diante dos semáforos e fazem uma rápida apresentação de malabares. A propósito, amigos me contam que a prática está disseminada por todas as capitais da América Latina. É óbvio que as tais de criancinhas não tomaram, espontânea e universalmente, a decisão de serem malabaristas em todo um continente. Claro que existem ONGs internacionais que, em vez de as tirarem da miséria, as treinam para pedir esmolas.
Continua a notícia:Entre as crianças emocionalmente abaladas, 27% têm diagnóstico fechado para distúrbios graves, como déficit de atenção e hiperatividade, transtorno de conduta (personalidade antissocial), depressão, fobias, enurese (urina durante o sono, ligada a questões emocionais) e transtorno de oposição e desafio (agressividade).Nos depoimentos, as crianças falam em abusos sexuais (15,5% afirmaram terem sido molestadas nos semáforos), situações de violência (32,8% disseram ter sofrido espancamento) e abusos emocionais (31,6% sofrem xingamentos constantes de motoristas - o que traumatiza principalmente as mais novas)."
A pesquisa é representativa de toda a periferia da capital paulista. Retrata a situação de famílias desestruturadas, que têm renda miserável e não vêem outra opção a não ser trabalhar nas ruas", disse a coordenadora do estudo, Andrea Feijó de Mello, pesquisadora do Programa de Atendimento e Pesquisa em Violência (Prove) da Unifesp. "Há milhares de crianças assim, a maioria não atendida por programas assistenciais." É óbvio que a miséria é estressante. Como também é óbvio que uma criança jogada nas ruas está sujeita a toda espécie de abusos. Aqui em São Paulo, há pessoas alugando filhos alheios para esmolar nas ruas. E certamente estão alugando também adultos. Frente a meu edifício, todos os dias vejo uma mulher jogada na calçada, que mal tem condições de manter-se em pé. Está quase morta, a coitada. Como ela chega ali? Caminhando é que não é. Alguém a deposita de manhã e vem buscá-la à noite.
Mas o Estadão – leia-se no fundo a Unifesp – fala em famílias que “não vêem outra opção a não ser trabalhar nas ruas”. Esmolar virou sinônimo de trabalhar.
Para quando a regulamentação do novo ofício?

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

CRÔNICAS IMPUDICAS

ESSES SÃO OS BRASILEIROS

João Eichbaum

Laurentino Gomes, no seu livro, intitulado “1822”, lançado recentemente, pintando o quadro social do Brasil, na época em que foi proclamada a “Independência”, assim o descreve: “de cada três brasileiros, dois eram escravos, negros, mulatos, índios ou mestiços. Era uma população pobre e carente de tudo, que vivia à margem de qualquer oportunidade, em uma economia agrária e rudimentar, dominada pelo latifúndio e pelo tráfico negreiro”.
Só faltou dizer uma coisa muito importante: um, de cada três brasileiros, era português.
O tráfico negreiro, evidentemente, era feito pelos portugueses. O latifúndio também pertencia aos portugueses, porque “negros, escravos, mulatos, índios ou mestiços” não estavam com nada, não tinham capital, nem prestígio para conseguir da coroa qualquer dádiva que deles fizessem latifundiários ou mercadores de negros.
Esses eram os brasileiros, os exploradores e os explorados, sobre os quais recairia a responsabilidade de construir o Estado brasileiro.
Partindo-se do fato de que dom João VI, ao deixar o Brasil, raspou os cofres, como se iria construir um Estado independente?
Foi para isso que, conquistada a independência, se importaram imigrantes.
Não fosse a mão de obra e a criatividade alemã e italiana, o que seria do Brasil? Subsistiria com latifúndios e mercado de negros?
Felizmente a imigração trouxe o empreendedorismo, a capacidade de investimento, a criatividade.
Graças à imigração, a indústria superou ao latifúndio e à mercancia de negros.
O Brasil adquiriu nova cara, a partir da imigração, portanto. Mas, os dois terços de sua população, composta por negros, mestiços e índios se multiplicou mais do que aquele terço de imigrantes que, substituindo os portugueses exploradores, puseram mãos à obra.
Hoje, enquanto descendentes de alemães e italianos, no sul, mantêm o parque industrial brasileiro, os dois terços descendentes de escravos, mestiços e índios, somados aos descendentes portugueses, fazem política e conquistam o poder porque constituem a maioria.
O Luiz Inácio Lula da Silva, o José Dirceu, o José Sarney, o Jader Barbalho, o Renan Calheiros dominam o Brasil: são os nordestinos que nunca pegaram no batente, cresceram na política porque seus eleitores são maioria e ampliam o quadro social daquele Brasil da época da independência: quem manda mesmo são os “bolsa-família”, os MST, e todos aqueles que não produzem, mas mamam vorazmente nas tetas da República.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

ESSE CIRCO CHAMADO JUSTIÇA

E A JUSTIÇA PRECISA DE PROPAGANDA?

João Eichbaum
É um saco!
Já não chega a propaganda política, os gingles irritantes, os candidatos prometendo céu azul sempre, sem nuvens, sem enchentes, saúde de primeiro mundo (embora se calem sobre as filas do SUS) segurança absoluta, educação impecável, ainda temos que aturar a propaganda do Judiciário.
Justiça Eleitoral! Aí vem uma voz de nordestino sem humor e sem graça, carregada de “ss” chiados, pedir voto consciente, dizer que a urna é confiável, e que a justiça eleitoral existe.
Para quê, meus senhores? Porque é que a justiça eleitoral precisa usar o nosso dinheiro para mostrar que existe? Por que não trabalha em silêncio e faz a sua propaganda com um serviço decente, efetivo, sem filas nos cartórios eleitorais, para que a gente possa dizer orgulhosamente que é um serviço que funciona mesmo?
Gastar dinheiro em propaganda inutilmente, sem nenhuma finalidade prática? O que que é isso?
Ah, talvez a gente seja muito ingênuo, a ponto de ignorar que há dinheiro sobrando e que alguém tem que lucrar...
E o Conselho Nacional de Justiça, hein? Aquela propaganda horrorosa com gritos estapafúrdios de uma mulher levando surra, um vozeirão de macho bêbado, ruídos de pancadas? Merecemos isso? É para isso que “o Brasil faz a justiça”?
Será que os desembargadores, juízes, ministros, promotores, procuradores e advogados que compõem o tal de CNJ não têm um pingo de bom senso e precisam alugar e turbinar nossos ouvidos com uma publicidade – pior do que sem pé nem cabeça – irritante e burra? Será que eles não sabem que o juiz só deve falar nos autos?
Por favor, poupem o nosso dinheiro! Não é preciso fazer propaganda da justiça! Se a justiça funcionasse e fosse boa não necessitaria de propaganda! A justiça só é boa para a família judiciária que é composta por juiz, mulher de juiz, filho de juiz, genro de juiz, nora de juiz, irmão de juiz, filha de juiz, primo de juiz e muitos amigos do juiz, que são tratados como se fossem da família.
Você aí, meu amigo publicitário, que foi lesado pela burrice ou pela semvergonhice do assessor que faz sentença para juiz, desembargador e ministro, você assinaria em baixo dessa propaganda?
Ah, sim, entendi! Dando lucro, mesmo que tenha que dividi-lo com quem mandou fazer a propaganda, tudo vale, né, mano?
.

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

CIRCULA NA INTERNET

ORIENTAÇÕES SOBRE SEXO SEGURO POR UM ADVOGADO

Antes de transar, consulte um advogado.

Você lembra do tempo em que "sexo seguro" significava usar camisinha
para evitar doenças sexualmente transmissíveis e gravidez? Esqueça,
os bons tempos terminaram. Confira aqui as dicas para sexo seguro que
um homem deve observar no maravilhoso mundo feminista moderno!
A coisa está ficando assim: sabe aquela gatinha que você conheceu na
balada, que deu a maior mole, você convidou para um motel e ela
topou?

Primeiro leve a garota à uma emergência hospitalar e solicite um
teste de dosagem de álcool e outros entorpecentes, para evitar
acusação de posse sexual mediante fraude. (Art. 215 CPB)

Depois passe com ela em um cartório e exija que ela registre uma
declaração de que está praticando sexo consensual, para evitar
acusação de estupro. (Art. 213 CPB)

Exija também o registro de uma declaração de que ela está
praticando sexo casual, para evitar pedido de pensão por rompimento
de relação estável. (Lei 9.278, Art. 7)

Depois vá a um laboratório e exija o exame de beta-HCG
(gonadotrofina coriônica humana) para ter certeza que você não é o
pato escolhido para sustentá-la na gravidez de um bebê que não é
seu. (Lei 11.804 Art. 6)

No motel ou em casa, use camisinha e nada de "sexo forte" pra evitar
acusações de violência doméstica e pegar uma Maria da Penha nas
costas.
Além disso, você deve paparicá-las, elogiá-las, jamais
criticá-las ou reclamar coisa alguma, devem ser perfeitos capachos,
para não causar qualquer "sofrimento físico, sexual ou psicológico
e dano moral", sem que tenha obviamente os mesmos direitos em
contrapartida. (Lei 11.340 Art. 5)

Na saída do motel leve-a ao Instituto Médico Legal e exija um exame
de corpo de delito, com expedição de laudo negativo para lesões
corporais (Art. 129 CPB) e negativo para presença de esperma na
vagina, para TENTAR evitar desembolsar nove meses de bolsa-barriga
caso ela saia dali e engravide de outro. (Lei 11.804 Art. 6)

Finalmente, se houver presença de esperma na vagina da moça, exija
imediatamente uma coleta de amostra para futura investigação de
paternidade (Lei 1.060 Art. 3 inciso VI) e solicitação de
restituição de eventuais pensões alimentícias obtidas mediante
ardil ou fraude. (Art. 171 CPB)

Fazendo tudo isso, você pode fazer "sexo seguro". se ainda estiver
interessado.

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

COM A PALAVRA, JANER CRISTALDO

VATICANO NEGARÁ BÍBLIAPARA DEFENDER IRANIANA?

Comentando, no início do mês passado, a hipócrita intervenção de Lula no caso da iraniana condenada à lapidação em Tabriz, eu escrevia que as raízes da prática estão, em verdade, na Bíblia. Nos Evangelhos, temos o episódio da adúltera que estava prestes a ser lapidada, segundo a lei judaica, e Jesus tomou sua defesa. É o momento do famoso “aquele dentre vós que está sem pecado seja o primeiro que lhe atire uma pedra”. No que de mim dependesse, eu atiraria todas. Ateu sendo, pecado é coisa que desconheço.
Lapidação não é prática original dos muçulmanos, mas do Antigo Testamento. No Levítico, a execução dos adúlteros é lei: “O homem que adulterar com a mulher de outro, sim, aquele que adulterar com a mulher do seu próximo, certamente será morto, tanto o adúltero, como a adúltera”.
Diga-se de passagem, a prática nem consta do Corão. Foi introduzida na Sharia, a lei islâmica, através de um "hadith", leis baseadas em episódios da vida do Profeta ou nos seus conselhos. Esteja ou não no Corão, é penalidade imposta a adúlteros em vários países islâmicos.Com detalhes perversos: as pedras não podem ser tão grandes que provoquem a morte imediata, nem tão pequenas que não provoquem a morte. O ritual dura em torno de duas horas. Decididamente, os filhos de Alá devem ter muito estômago. Pois haja estômago para matar a pedradas uma mulher enterrada na areia.
Se os judeus se civilizaram e hoje não mais lapidam mulheres, o mesmo não ocorreu com os muçulmanos. Ocorre que o islamismo é uma das três religiões ditas abraâmicas. Tem suas origens na Bíblia – da mesma forma que o cristianismo se apossou do Antigo Testamento – e Abraão é um de seus profetas.
O Vaticano disse ontem que poderá intervir, por meio de canais diplomáticos, em apoio à iraniana Sakineh Ashtiani, sentenciada à morte por apedrejamento após ser condenada por adultério e pelo assassinato do seu ex-marido. É o que leio nos jornais de hoje. A declaração do porta-voz da Santa Sé, Federico Lombardi, ocorre após o filho dela, Sajjad Ghaderzadeh, ter apelado ao papa Bento XVI e ao governo da Itália, em entrevista, para que salvem a vida da mãe.
"A Santa Sé acompanha o caso com atenção e participação", diz Lombardi, em comunicado. Perguntinha a quem interessar possa: qual é mesmo livro que prega a lapidação? Ora, direis, hoje a Igreja Católica não lapida mais mulheres, apesar de tê-las torturado e queimado através dos séculos. Mas a lapidação é prescrita no Pentateuco e, segundo o testemunho de João, persistia até os dias do Cristo.
Nisto reside a grande contradição da Igreja de Roma. Como base de sua fé, adota um livro bárbaro, que prega não só a lapidação de mulheres, como a lei de talião, a escravidão, a destruição dos altares de outras tribos e o genocídio. Claro está que a Santa Sé não mais defende tais prescrições. Mas tampouco renega o Livro. Muito menos o deus cruel e inumano que o permeia. O Vaticano seria mais coerente se apoiasse o apedrejamento de Sakineh.

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

ESSE CIRCO CHAMADO JUSTIÇA

OS DEUSES DE TOGA (II)

João Eichaum

Vocês sabem que, no Supremo Tribunal Federal, existe um “Departamento de Arquitetura”?
Sim, por incrível que pareça, existe.
Alguém aí sabe me dizer pra quê a Justiça precisa de “arquitetura”? Para arquitetar acórdãos?
E olhem que não é só um arquiteto. É um departamento. Certamente vários profissionais de arquitetura lá se concentram, para tomar cafezinho, falar da vida alheia e receber um salário de dar inveja a cada fim de mês, devidamente engordado por uma saudável gratificação.
E no mesmo departamento haverá, com certeza, muitos auxiliares, técnicos, secretárias boazuadas, etc.
A gente ficou sabendo da existência desse departamento, em razão do acentuado gosto pela realeza, que é a marca do atual presidente, Cezar Peluso. Pois sua excelência, o senhor ministro presidente que, antes mesmo de ser escolhido para o cargo, já tinha certeza de que seria presidente, porque, pelo “rodízio”, estava chegando sua vez, mandou buscar no Rio de Janeiro três cadeiras que, no tempo do império, pertenciam ao Supremo. Quis decorar seu atual gabinete com os referidos alisadores de traseiro.
E foi por isso que convocou o “Departamento de Arquitetura”, quer dizer, mostrou para o Brasil e para o mundo, que existe uma equipe de arquitetura de plantão para atender aos caprichos de quem administra o Supremo. A missão, dada por Peluso ao dito departamento, era a de “redesenhar a planta com os velhos móveis”, segundo informa a revista Piauí, na matéria “Data Venia, o Supremo”.
Quem pode, pode: nós pagamos pelo direito à pompa, às circunstâncias e à comodidade, que tem o traseiro do ministro, mas o nosso traseiro não tem nenhum direito, enquanto espera na fila do SUS.
Um órgão que deveria primar pela austeridade, pelo respeito ao dinheiro do contribuinte, um órgão que deveria se impor pela força da moral, pairando inimputável acima dos demais poderes, para julgá-los exemplarmente, não é nada disso: está com a bunda entalada na vala comum.
O gosto pela pompa levou o ministro Cezar Peluso a mandar às favas o artigo 37 da Constituição Federal, que impõe a impessoalidade no exercício da função pública.
E nos tocou pagar o frete das cadeiras imperiais, do Rio de Janeiro para Brasília, numa das quais o ministro acomoda sua meritíssima bunda. As outras duas cadeiras, mantidas a certa distância da mesa presidencial, servem ao traseiro comum dos visitantes. Que é, como o do ministro, rachado no meio.
Só uma perguntinha ainda, enquanto você fica adquirindo a convicção de que seu único direito é o de beijar o fiofó o diabo. Será que o Supremo Tribunal Federal sabe diferenciar a moral do direito, ou isso perde o sentido, diante de questões mais relevantes, como a das nádegas dos ministros, por exemplo?

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

CRÔNICAS EMOCIONADAS

HISTÓRIAS DE VERDADE

Paulo Wainberg

Abrahão Finkelstein, proprietário da Mercatur Turismo, ex- presidente da Federação Israelita do Rio Grande do Sul, é meu ídolo desde a adolescência.
Dono de um portentoso pé esquerdo, foi o terror de zagueiros e goleiros, entre eles o Henrique, pai do poeta e psicanalista Celso Gudfreind.
Ele atuava naquela região misteriosa, entre a meia e a ponta esquerda, misteriosa porque ele surgia do nada, onde antes não havia ninguém, de repente estava lá o Abrahão, colocando o avante na cara do gol ou, ele mesmo, definindo a jogada, colocando a bola bem ali, onde a coruja pia, no ângulo, indefensável.
Durante uma época em que joguei de ala, no futebol de salão, coube-me marcá-lo, resultando no apelido que ele me deu: asa negra. Porque, devido às minhas pernas compridas, ele não conseguia passar por mim.
Foi o que ele disse.
Eu digo diferente: ídolos existem para serem marcados.
Mas, não é pelas qualidades futebolísticas que o Abrahão Finkelstein é meu ídolo.
Ele é um cara excepcional, em todos os sentidos. Íntegro, sério, excelente empresário. E possuí um humor inigualável, surpreendente, surgido do nada, como se ele estivesse aparecendo por ali, entre a meia e a ponta esquerda.
Humor inteligente, sério e responsável. Absolutamente coerente com suas idéias, em resumo, muito me espelhei no Abrahão, em todos os aspectos de minha vida e, também, na literatura.
Durante muito tempo fui um admirador silencioso e, há alguns anos, revelei-me. Não desta forma despojada, mas contei a ele de minha idolatria.
Ele, é claro, não acreditou. É modesto, como os grandes costumam ser.
Por ser como ele é, com ele acontecem coisas insólitas, daquelas que entram na história, a ser contada por gerações.
Para terem uma idéia, foi personagem do Moacyr Scliar no romance – se não me engana a memória – o Exército de Um Homem Só. Ou no livro A Guerra do Bom Fim.
O que vou contar, agora, realmente aconteceu. E só poderia ter o Abrahão como protagonista, porque só pessoas como ele produzem momentos assim, antológicos.
Outubro de 2003. Estou jantando, tranquilamente, quando toca o telefone. Atendo:
– Paulinho, é o Abrahão. Por que não estás aqui na livraria?
– Como assim, Abrahão, por que eu devia estar aí?
– Ué, hoje é o lançamento do teu livro?
Ele se referia ao livro A Mãe Judia, o Gênio Cibernético e outras Histórias, que havia sido lançado em outubro de 2002!
No ano passado!!!!
Foi o que eu disse:
– Mas Abrahão, isso foi no ano passado!
E, então as coisas se esclareceram.
Naquela época os convites eram impressos, dá para imaginar? E eu havia enviado o convite para ele, no endereço do escritório.
Por alguma razão, perdeu-se o convite, que só foi achado no ano seguinte, pela faxineira, embaixo de um armário, ou entre documentos de arquivo, isto não sei bem.
A diligente limpadora olhou a data – outubro – e responsavelmente colocou a peça no interior da agenda do Abrahão, no dia marcado.
Ele, é claro, viu o convite e avisou sua esposa:
– Vamos ao lançamento do livro do Paulo.
E foram.
Os dois, na livraria, estranharam: não havia ninguém, nada indicava uma sessão de autógrafos. No início, ainda sem perceber o engano, ficaram chateados, poxa!, ninguém veio ao lançamento do livro do Paulo, nem ele veio!
Chamaram o gerente da livraria, com justa indignação e mostrando o convite:
– O que aconteceu? Já terminou a sessão de autógrafos? Estamos no horário, onde está o autor?
O gerente leu o convite e mostrou o ano:
– Foi no ano passado, meu amigo. O senhor está um pouco atrasado...
Aí revela-se a grandeza do Abrahão e seu notável humor. Percebendo o lance, não teve dúvidas, ligou para mim, fingindo brabeza, como é que eu não estava lá.?
O caso rendeu boas e continuadas gargalhadas. O Scliar contou a história, em sua coluna na Zero Hora.
Dias atrás, quando mandei o convite para o lançamento de Unhas, para o Abrahão, fui claro: o ano é 2010!!!!
Ele, claro, esteve lá e pude dar-lhe um grande, enorme abraço.
Olha, não tenho nenhuma vergonha de dizer: eu amo o Abrahão Finkelstein, meu ídolo permanente.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

COM A PALAVRA, JANER CRISTALDO

VAI MAL A UNIVERSIDADE

Recebi até agora vários mails sobre a crônica em que comento o analfabetismo de um repórter de Veja, ao grafar “a enfisema”. Aconteceu o que eu temia. Três missivistas nada viram demais no texto, apesar de o redator repetir “a enfisema” pelo menos nove vezes. Em verdade, título à parte – “Vai mal a Veja” – não fiz comentário algum. Contentei-me em reproduzir a reportagem, ciente de que o leitor identificaria a mancada. Estou superestimando a cultura vernácula das gentes. Três, pelo menos, não a identificaram. Sendo que um deles é professor universitário.
Nada de espantar. Em meus dias de universidade, cansei de ouvir expressões como uma grama, duzentas gramas, com a unidade de medida flexionada assim no feminino. Tanto por alunos como por professores. Quando eu dizia um grama, percebia um certo espanto no interlocutor. Mesmo hoje, você encontra este erro nos grandes jornais, já nem falo dos jornalecos do interior. Mas o que mais me doía no estômago era ouvir de minhas aluninhas – de Letras - a expressão “a esperma”. É coisa que só ouvi em Florianópolis. O esperma para mim nada tem demais. Mas “a esperma” soa para mim como algo emético.O raciocínio do analfabeto não deixa de ter sua lógica. Substantivos que terminam em a só podem ser femininos. Ora, não é preciso ser etimólogo para se saber que os substantivos do português derivados de palavras gregas terminadas em “ma” vão para o masculino. Tripanossoma, cromossoma, carcinoma, teorema, eczema, enema, eritema, estoma, estroma, genoma, lipoma, mioma, protoplasma, etc. Mas quem se preocupa com etimologia? Quem sabe hoje que palavras banais como sintoma, aroma ou dilema são derivadas do grego? Piores que os sonetos, só foram as emendas. O professor universitário que nada viu de anormal no texto de Veja, me escreve: “Na real, tive uma boa formação básica lendo todos os autores nacionais que tu detestas (Érico Veríssimo, Machado de Assis, Jorge Amado, só para citar alguns). Foi com esta turma que eu aprendi bastante do português que eu sei hoje”. Pelo jeito, leu com muita desatenção. Ou saberia que se escreve Erico Verissimo, assim sem acentos, e não Érico Veríssimo. De qualquer forma, nenhum desses escritores escreveria "a enfisema".Já um outro leitor, com formação em Medicina, adverte: “Ah!... Mas talvez em Veja o cultíssimo autor estivesse a exercer sutilissimamente, recorrendo à repetição como ênfase, o recurso extraordinário da eclipse? Ao dizer "a enfisema" não estaria visível, ali no entremeio, apenas para excelentes entendedores o termo "doença"? Como aliás está, afinal, também eclipsado o termo "pulmonar" -- visto que enfisema é sinal suscetível de manifestar-se em praticamente qualquer região da anatomia?”A este, que conheço de longa data, vou conceder um crédito. Vou supor que esteja fazendo piada. Queria dizer elipse, não? Eclipse é outra coisa. Seja como for, o leitor está sendo muito leniente. Sou mais a hipótese de analfabetismo. Ninguém fala em elipse quando alguém diz "uma grama". O que é muito comum, inclusive nos jornais de boas famílias.Não, não estou propondo que se volte a estudar grego no secundário, como se fazia há algumas décadas. Mas penso que todo universitário – e particularmente os professores universitários – deveriam ter um dicionário em suas bibliotecas. Sei, bibliotecas são raras, mesmo entre acadêmicos. Mas pelo menos um bom dicionário numa estante qualquer de casa.Talvez o leitor se espante, mas falamos grego todos os dias. Palavras como táxi ou telefone são o mais puro grego. Ou pélago. Ou nosocômio. Se pronunciamos geologia, geografia, ictiologia, heliocêntrico, cosméticos, paleografia, bíblia, hagiografia, homossexualismo – e milhares de outras palavras – estamos de volta à antiga Grécia.
Não é preciso erudição para conhecer isto. Basta um mínimo de informação, de atenção à língua que falamos. Não vamos exigir isto de Lula e Dilma. (A propósito, a candidata está falando pior que seu criador). Mas não se pode admitir que jornalistas ou universitários falem em “a enfisema” ou “uma grama”.
Veja vai mal e a universidade também.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

CRÔNICAS IMPUDICAS

DEUS

João Eichbaum
“Deus te conhece. Ele sempre tem o melhor para você, por mais que as circunstâncias mostrem o contrário”.


A frase, evidentemente, não é minha. Eu não poderia dizer, para quem quer que fosse, que “Deus te conhece”. Nem eu, nem primata algum da espécie humana poderia dizer, honestamente, uma coisa dessas. Pela simples e descomplicada razão de que ninguém conhece deus nenhum. Nenhum ser humano teve contato com qualquer tipo de deus, até hoje. Eu, particularmente, seria sádico e muito mal intencionado se, usando a inteligência, dirigisse uma frase dessas para quem está nadando na merda.
Claro, muitos contam histórias, as religiões enchem a cabeça dos crentes com inverossímeis lorotas, como a de Moisés ou a de Maomé, que teriam recebido missões divinas, diretamente, sem intermediários, como se o currículo deles autorizasse tal privilégio.
Mas o “Deus” sobre o qual as religiões contam e cantam maravilhas até hoje não deu as caras.
Ora, para quem tem inteligência e a usa, a primeira pergunta que ocorre é a seguinte: que razão teria esse “Deus” para se esconder? Porque é que ele não aparece e não vem botar ordem neste mundo, cuja criação lhe atribuem? Qual é a vantagem que ele leva, se escondendo?
Convenhamos, gente. Quem tem poder não se esconde. Quem manda em tudo não tem necessidade de falar por intermédio de terceiros.
E aí é que vem a questão. Como é que as religiões podem dizer, honestamente, que o Deus delas é isso e aquilo, tem essa e aquela virtude, que “quer o melhor para você”, se nunca viram esse Deus, se ele se esconde, se não mostra a cara, se não falou com ninguém?
Você aí, meu amigo, que sai de casa, nessas manhãs geladas, dentro de sua confortável Mercedes, ouvindo boa música, ar condicionado ligado e, sem descolar a bunda do assento de couro legítimo, aciona um botão e o portão se abre, lhe mostrando, na calçada da frente, um ser humano igual a você, deitado debaixo duma marquise, coberto por jornais, me diga, o que é que você pensa, honestamente, a respeito desse Deus, “que quer o melhor para você”?
Você examina a sua consciência e bate palmas para você mesmo, porque graças às suas virtudes você foi escolhido como um privilegiado por esse Deus? E o que é que você pensa a respeito daquele pobre morador de rua? Que ele está sendo castigado ou discriminado por esse mesmo Deus?
Você desceria do seu automóvel, renunciaria, por segundos, à sua comodidade, para dizer àquele miserável que “Deus quer o melhor para ele”?
Qualquer que seja a sua reação, você estará sendo injusto para com esse “Deus”, que foi inventado pelas religiões, lhe negando senso de justiça e de equilíbrio. Deus nenhum agiria assim, beneficiando alguns e punindo outros, lhe dando oportunidade de possuir uma Mercedes e matando o outro de frio. Isso não é obra de deuses. Isso é crueldade pura, e é inadmissível a crueldade como atributo divino.
O mundo é torto, cheio de injustiças, poucos têm muito, muitos não têm nada. Por isso ninguém tem autoridade para afirmar que “Deus quer o melhor para você”.
Aqueles que acreditam no Deus judaico-cristão ou em outras divindades merecem respeito. Cada um tem o direito de escolher o deus a quem quer respeitar, venerar, obedecer e até adorar.
Só não merecem respeito aqueles que, vaidosamente, se arrogam o direito de interpretar a vontade, os desígnios, os desejos e até a maneira de ser de divindades que nunca deram prova de sua existência. E não merecem respeito, porque mentem descaradamente, para justificar a boa vida que levam, à custa dos crentes.