GUILDA ABOMINA FORMAÇÃO AMPLA
Leio na Folha de São Paulo :O advogado Evandro Sathler, mestre em ciências sociais e jurídicas e doutor em geografia, viu-se em uma sinuca de bico quando quis prestar concurso para professor em universidade pública."Não me qualifico nos editais para docente de direito porque meu doutorado é em ciência sociais, nem nos de geografia porque meu bacharelado é em direito", diz.
O caso de Sathler ilustra um problema emergente: o descompasso entre a presença cada vez maior de profissionais multidisciplinares e sua inserção nas universidades, ainda estruturadas em "caixinhas" -departamentos organizados em torno de uma área do conhecimento.
O jornal lista vários outros casos de pessoas plenamente habilitadas para o magistério, com mestrado ou doutorado em determinadas disciplinas, mas que não podem fazer concurso por não terem graduação na área. No fundo, o corporativismo das guildas. Certo, determinados campos do conhecimento humano exigem uma formação prévia. Ninguém pode fazer um mestrado em engenharia ou medicina sem antes ter passado pelo curso. Mas o mesmo não ocorre nas ciências humanas. Até 1969, era jornalista que exercia o jornalismo e estamos conversados. Uma junta de militares, mais conhecida como os Três Patetas, tentando cercear a liberdade de expressão, resolveu regulamentar a profissão. A partir de então, só podia exercer o ofício quem tivesse curso universitário. As esquerdas, que lutaram contra os militares mas sempre gostaram da idéia de censura, adoraram a nova lei.
Hoje, são os velhos comunas e petistas os que mais defendem a exigência de curso universitário para o exercício do jornalismo. Tanto que a profissão foi desregulamentada mas ainda há quem tente uma emenda constitucional para reestabelecer o diploma. O que vai na contramão de todos os países do Ocidente. Desconheço país em que tenha vigência este quesito absurdo. Na França, por exemplo, a lei é singela: é jornalista todo aquele que tirar a parte maior de seus proventos do jornalismo.
O mesmo diria de Letras. Ainda ontem, eu contava que minha formação literária ocorreu em um boteco, o Chalé da Praça XV, de Porto Alegre. Nos cafés se discute – e se lê – mais literatura do que nos cursos de Letras. Estes cursos estão contaminados por uma peste oriunda da Europa que contamina o estudo de Letras, a tal de teoria literária. É disciplina absolutamente inútil e que tomará pelo menos metade do tempo do aluno. Teoria literária à parte, você terá de ler os Rosas, Machados, Verissimos e Clarices da vida. Cervantes, Swift, Thackeray, Dostoievski, Kuprin, Nietzsche, Hölderlin, Lagerkvist, Boye, que é bom, ni pensar.
Ah, conheço bem esta via crucis. Quando voltei de Paris, com um doutorado flamante em Letras pela Sorbonne Nouvelle, quase cai no ostracismo porque não tinha curso de Letras. Em verdade, acabei caindo no desemprego. Fora um interregno de quatro anos, como professor-visitante, não consegui mais vaga na universidade. Apesar de ter lecionado Literatura Brasileira e Comparada e orientado teses durante quatro anos. Transcreverei em outro espaço a crônica que escrevi há mais de quatro anos, onde faço um relatório de meu calvário.
Mas foi bom. Amor facti, como diria Nietzsche. O desemprego me empurrou para São Paulo, onde voltei ao jornalismo. (São Paulo sempre acaba chamando). Escapei do deserto de idéias de Florianópolis e dos miasmas exalados pela ilha. E da burocracia universitária. Descobri que ilhéu tem a cabeça do tamanho da ilha em que habita. Me dei conta disto quando descobri que no curso de Filosofia da UFSC havia uma ementa: História da Filosofia Catarinense. Pode? O Estado nunca teve um filósofo e no entanto já tinha uma história da filosofia.
Como dizia Camus, ao chegar em Porto Alegre: “je déteste ces ilôts de civilization”. Desemprego pode ser muito transformador. Foi o meu caso. Da ilha, guardo comigo boa lembrança de algumas alunas e de raros amigos. O resto, o ensino universitário, foi pura perda de tempo, caminhada rumo ao inútil.
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