quarta-feira, 1 de setembro de 2010

CRÔNICAS IMPUDICAS

DEUS

João Eichbaum
“Deus te conhece. Ele sempre tem o melhor para você, por mais que as circunstâncias mostrem o contrário”.


A frase, evidentemente, não é minha. Eu não poderia dizer, para quem quer que fosse, que “Deus te conhece”. Nem eu, nem primata algum da espécie humana poderia dizer, honestamente, uma coisa dessas. Pela simples e descomplicada razão de que ninguém conhece deus nenhum. Nenhum ser humano teve contato com qualquer tipo de deus, até hoje. Eu, particularmente, seria sádico e muito mal intencionado se, usando a inteligência, dirigisse uma frase dessas para quem está nadando na merda.
Claro, muitos contam histórias, as religiões enchem a cabeça dos crentes com inverossímeis lorotas, como a de Moisés ou a de Maomé, que teriam recebido missões divinas, diretamente, sem intermediários, como se o currículo deles autorizasse tal privilégio.
Mas o “Deus” sobre o qual as religiões contam e cantam maravilhas até hoje não deu as caras.
Ora, para quem tem inteligência e a usa, a primeira pergunta que ocorre é a seguinte: que razão teria esse “Deus” para se esconder? Porque é que ele não aparece e não vem botar ordem neste mundo, cuja criação lhe atribuem? Qual é a vantagem que ele leva, se escondendo?
Convenhamos, gente. Quem tem poder não se esconde. Quem manda em tudo não tem necessidade de falar por intermédio de terceiros.
E aí é que vem a questão. Como é que as religiões podem dizer, honestamente, que o Deus delas é isso e aquilo, tem essa e aquela virtude, que “quer o melhor para você”, se nunca viram esse Deus, se ele se esconde, se não mostra a cara, se não falou com ninguém?
Você aí, meu amigo, que sai de casa, nessas manhãs geladas, dentro de sua confortável Mercedes, ouvindo boa música, ar condicionado ligado e, sem descolar a bunda do assento de couro legítimo, aciona um botão e o portão se abre, lhe mostrando, na calçada da frente, um ser humano igual a você, deitado debaixo duma marquise, coberto por jornais, me diga, o que é que você pensa, honestamente, a respeito desse Deus, “que quer o melhor para você”?
Você examina a sua consciência e bate palmas para você mesmo, porque graças às suas virtudes você foi escolhido como um privilegiado por esse Deus? E o que é que você pensa a respeito daquele pobre morador de rua? Que ele está sendo castigado ou discriminado por esse mesmo Deus?
Você desceria do seu automóvel, renunciaria, por segundos, à sua comodidade, para dizer àquele miserável que “Deus quer o melhor para ele”?
Qualquer que seja a sua reação, você estará sendo injusto para com esse “Deus”, que foi inventado pelas religiões, lhe negando senso de justiça e de equilíbrio. Deus nenhum agiria assim, beneficiando alguns e punindo outros, lhe dando oportunidade de possuir uma Mercedes e matando o outro de frio. Isso não é obra de deuses. Isso é crueldade pura, e é inadmissível a crueldade como atributo divino.
O mundo é torto, cheio de injustiças, poucos têm muito, muitos não têm nada. Por isso ninguém tem autoridade para afirmar que “Deus quer o melhor para você”.
Aqueles que acreditam no Deus judaico-cristão ou em outras divindades merecem respeito. Cada um tem o direito de escolher o deus a quem quer respeitar, venerar, obedecer e até adorar.
Só não merecem respeito aqueles que, vaidosamente, se arrogam o direito de interpretar a vontade, os desígnios, os desejos e até a maneira de ser de divindades que nunca deram prova de sua existência. E não merecem respeito, porque mentem descaradamente, para justificar a boa vida que levam, à custa dos crentes.



Um comentário:

Janaína Rocha disse...

Meu queridíssimo,sempre usando bem as palavras com inteligência e sabedoria. Muita falta me faz nossas conversas, suas orientações e experiências de vida.
Aindo aguardo sua visita, agora ando mais aterefada trabalhando em duas escolas das 7h às 12h e depois das 16h às 22h.
Um forte abraço, cheio de saudades desse meu amigo que tenho carinho e admiração.
Jana