terça-feira, 20 de setembro de 2016

DENÚNCIA FORA DE LUGAR
João Eichbaum

“Da mihi factum, tibi dabo jus”, reza um sábio axioma latino, definindo as funções do juiz e as do postulante em juízo: dize-me o fato, o Direito dir-te-ei eu.

Na ação penal pública, o postulante é o Ministério Público: a ele é atribuída a função de requerer o enquadramento da conduta do réu no figurino legal do crime, e sua consequente condenação.

Cabe-lhe, então, na condição de postulante, dizer o fato, narrando-o, em obediência ao que determina o art. 41 do Código de Processo Penal: “a denúncia conterá a exposição do fato com todas as circunstâncias”. Quer dizer, uma denúncia não nasce por inspiração própria, senão que a ditam os fatos.

Os Procuradores da República, que atuam na operação chamada “Lava Jato”, foram muito além daquilo que lhes permitem a lei e a ética forense. Abandonaram o barco da circunspecção, que deve nortear as ações de todos os operadores do processo, armando um espetáculo circense em torno do catatau a que chamaram de denúncia. Apresentaram-na de viva voz e de corpo presente.

E para ornar com luzes e cores sua sabedoria teatral, os acusadores se valeram de esquemas e organogramas - ou seja o que for dessa ordem - peças dispensáveis para a “exposição do fato” que representa a narrativa de uma conduta criminosa. Afinal, quem sabe escrever, escreve. E quem sabe ler, lê.

Resultado: um calhamaço de mais de cento e cinquenta páginas, nas quais, ao invés de “expor fatos”, o Ministério Público copia literalmente tipos penais, para neles enquadrar os denunciados - notadamente essa figura conhecida como Lula - através de ilações.


Além de se desviarem das normas processuais que regulam a matéria, os procuradores entregaram de mão beijada os pontos básicos sobre os quais poderá a defesa se debruçar, sem muito esforço. E já no primeiro “round” perderam em espaço, na mídia, para o Lula. Isso porque a demagogia e o messianismo, que encantam a turba, dispensam diplomas da Harvard.

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