DENÚNCIA FORA DE LUGAR
João Eichbaum
“Da mihi factum, tibi dabo jus”, reza um sábio axioma latino, definindo
as funções do juiz e as do postulante em juízo: dize-me o fato, o Direito
dir-te-ei eu.
Na ação penal pública, o postulante é o Ministério Público: a ele é
atribuída a função de requerer o enquadramento da conduta do réu no figurino
legal do crime, e sua consequente condenação.
Cabe-lhe, então, na condição de postulante, dizer o fato, narrando-o, em
obediência ao que determina o art. 41 do Código de Processo Penal: “a denúncia
conterá a exposição do fato com todas as circunstâncias”. Quer dizer, uma
denúncia não nasce por inspiração própria, senão que a ditam os fatos.
Os Procuradores da República, que atuam na operação chamada “Lava Jato”,
foram muito além daquilo que lhes permitem a lei e a ética forense. Abandonaram
o barco da circunspecção, que deve nortear as ações de todos os operadores do
processo, armando um espetáculo circense em torno do catatau a que chamaram de
denúncia. Apresentaram-na de viva voz e de corpo presente.
E para ornar com luzes e cores sua sabedoria teatral, os acusadores se
valeram de esquemas e organogramas - ou seja o que for dessa ordem - peças
dispensáveis para a “exposição do fato” que representa a narrativa de uma
conduta criminosa. Afinal, quem sabe escrever, escreve. E quem sabe ler, lê.
Resultado: um calhamaço de mais de cento e cinquenta páginas, nas quais,
ao invés de “expor fatos”, o Ministério Público copia literalmente tipos
penais, para neles enquadrar os denunciados - notadamente essa figura conhecida
como Lula - através de ilações.
Além de se desviarem das normas processuais que regulam a matéria, os
procuradores entregaram de mão beijada os pontos básicos sobre os quais poderá
a defesa se debruçar, sem muito esforço. E já no primeiro “round” perderam em
espaço, na mídia, para o Lula. Isso porque a demagogia e o messianismo, que encantam
a turba, dispensam diplomas da Harvard.
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