CARTA PARA GABRIEL GARCIA
MÁRQUEZ
João Eichbaum
Não sabemos o que te levou a
deixar a Colômbia, Gabo. Em tua biografia, não és explícito, ou não tens a
coragem de confessar a razão pela qual trocaste tua pátria por um país do qual
só se conhecem os Mariachis e os filmes do Cantinflas.
Toda a tua inspiração nasceu
naquela terra onde ficou enterrado o teu umbigo, naquela terra onde deste vida
e voz aos personagens dos teus romances. Certo, tiveste talento – e que talento!
– para retratar com brilho esses personagens, emprestando-lhes um papel que os
eternizou para o mundo.
Os Buendia, a Cândida
Erêndira e sua avó desalmada, o pobre apaixonado Florentino Ariza e sua grande
paixão, a inquebrantável Firmina Daza, são personagens pinçados do meio de um
povo sofredor, dominado por ditadores, submetido a paixões políticas e, nos
últimos tempos, escravizado sob o temor dos senhores do tráfico de drogas, as
FARC assassinas.
Morreste, certamente levando
nos teus pensamentos, enquanto os tinhas sob domínio, a imagem dessa Colômbia
maltratada pela guerra entre governo e tiranos das drogas. Uma Colômbia
infeliz, um matadouro de inocentes, um país de poucos insignes e muitos
miseráveis, uma Colômbia desprezada pelo mundo.
Não, Gabo. A Colômbia não é
essa ferida, de que te descartaste, trocando-a pelo México. A Colômbia é um
país lindo, construído por um povo solidário. Um povo que compreende a dor dos
que dele não fazem parte. Um povo que se torna irmão de quem sofre. Um povo que
sabe se organizar na desventura e dar à solidariedade uma dimensão não menor do
que a da dor.
Sabe, Gabo, um acidente de
avião matou quase todo um time de futebol do Brasil, a Chapecoense, de que
nunca ouviste falar. Na viagem para Medellin, onde iria disputar, contra o
Atlético Nacional, uma vaga na Libertadores, a equipe brasileira encontrou a
noite indesejável da morte. O avião que a levava foi destruído nas montanhas da
Antioquia colombiana.
Mas, a Colômbia tomou para
si a dor dos brasileiros. Sem o desassossego da derrota e abortando na garganta
o grito retumbante da vitória, a torcida atleticana compareceu ao estádio no
dia e na hora marcados para o jogo. Vestido de branco, o povo calou-se para
ouvir, no silêncio, as verdades da morte.
E triste, como um pássaro cantante engaiolado, reverenciou os que se
foram e se submeteu ao luto dos que ficaram: transformou a rivalidade em
ternura.
Medellin mostrou o que é o
povo da Colômbia. A Colômbia, Gabo, a Colômbia que tu abandonaste, não é um
país de virtudes corriqueiras. Ela mostrou grandeza diante do sofrimento de
outrem, recolhendo os mortos, acolhendo os vivos e dobrando os joelhos diante
dos que jaziam tomados pela dor. E escreveu, plasmando para o mundo, como uma
poesia de tua lavra, a história de um desconhecido clube de futebol chamado
Chapecoense: CHEGOU COMO UM SONHO E VOLTOU COMO UMA LENDA.
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