terça-feira, 13 de dezembro de 2016

CARTA PARA GABRIEL GARCIA MÁRQUEZ
João Eichbaum

Não sabemos o que te levou a deixar a Colômbia, Gabo. Em tua biografia, não és explícito, ou não tens a coragem de confessar a razão pela qual trocaste tua pátria por um país do qual só se conhecem os Mariachis e os filmes do Cantinflas.

Toda a tua inspiração nasceu naquela terra onde ficou enterrado o teu umbigo, naquela terra onde deste vida e voz aos personagens dos teus romances. Certo, tiveste talento – e que talento! – para retratar com brilho esses personagens, emprestando-lhes um papel que os eternizou para o mundo.

Os Buendia, a Cândida Erêndira e sua avó desalmada, o pobre apaixonado Florentino Ariza e sua grande paixão, a inquebrantável Firmina Daza, são personagens pinçados do meio de um povo sofredor, dominado por ditadores, submetido a paixões políticas e, nos últimos tempos, escravizado sob o temor dos senhores do tráfico de drogas, as FARC assassinas.

Morreste, certamente levando nos teus pensamentos, enquanto os tinhas sob domínio, a imagem dessa Colômbia maltratada pela guerra entre governo e tiranos das drogas. Uma Colômbia infeliz, um matadouro de inocentes, um país de poucos insignes e muitos miseráveis, uma Colômbia desprezada pelo mundo.

Não, Gabo. A Colômbia não é essa ferida, de que te descartaste, trocando-a pelo México. A Colômbia é um país lindo, construído por um povo solidário. Um povo que compreende a dor dos que dele não fazem parte. Um povo que se torna irmão de quem sofre. Um povo que sabe se organizar na desventura e dar à solidariedade uma dimensão não menor do que a da dor.

Sabe, Gabo, um acidente de avião matou quase todo um time de futebol do Brasil, a Chapecoense, de que nunca ouviste falar. Na viagem para Medellin, onde iria disputar, contra o Atlético Nacional, uma vaga na Libertadores, a equipe brasileira encontrou a noite indesejável da morte. O avião que a levava foi destruído nas montanhas da Antioquia colombiana.

Mas, a Colômbia tomou para si a dor dos brasileiros. Sem o desassossego da derrota e abortando na garganta o grito retumbante da vitória, a torcida atleticana compareceu ao estádio no dia e na hora marcados para o jogo. Vestido de branco, o povo calou-se para ouvir, no silêncio, as verdades da morte.  E triste, como um pássaro cantante engaiolado, reverenciou os que se foram e se submeteu ao luto dos que ficaram: transformou a rivalidade em ternura.


Medellin mostrou o que é o povo da Colômbia. A Colômbia, Gabo, a Colômbia que tu abandonaste, não é um país de virtudes corriqueiras. Ela mostrou grandeza diante do sofrimento de outrem, recolhendo os mortos, acolhendo os vivos e dobrando os joelhos diante dos que jaziam tomados pela dor. E escreveu, plasmando para o mundo, como uma poesia de tua lavra, a história de um desconhecido clube de futebol chamado Chapecoense: CHEGOU COMO UM SONHO E VOLTOU COMO UMA LENDA.

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