FELIZ ANO NOVO
João Eichbaum
Véspera de ano novo. Mercado
superlotado, filas de carrinhos junto aos caixas. Com as partes traseiras
denunciando um peso acima do sensualmente correto, piercing na narina esquerda,
as bochechas cheias, sem direito a covinhas, e o olhar de quem “não tá nem aí”,
a moça botou suas poucas compras na esteira: uma cerveja alemã, uma brasileira,
um pote de creme e um pacote de camisinhas Jontex.
Nada muda no ano novo. A
vida, como é vulgarmente denominado, do ponto de vista social, esse cruzamento
de interesses individuais no grupo dos animais humanos, vai continuar a mesma.
Claro que, do ponto de vista biológico, pode haver mudanças na vida de cada um,
ou até mesmo dentro do grupo humano, porque a natureza tem suas regras, contra
as quais nem sempre a ciência leva vantagem.
Mas, do ponto de vista
social, nada muda. Entra ano e sai ano, é sempre a mesma lengalenga: o povo e
os pobres, explorados, respectivamente, pelos políticos e pelos ricos.
Inflação, desemprego, salário baixo, violência, saúde mais para a morte do que
para a vida nos estratos inferiores, enquanto os dos estratos superiores se
acomodam no luxo ou, na pior das hipóteses, no Hospital Sírio Libanês.
Apesar dessa eterna mesmice,
quando chega o fim do ano o povo se enche de esperanças, como se a mudança de
calendário fosse capaz de, por si só, fazer milagres, dando um jeito melhor na
vidinha de cada um. E as esperanças individuais, engrandecidas, se refletem no
grupo. E o espírito festivo do Natal se emenda às esperanças de que o Ano Novo
revogue os malfeitos do Ano Velho.
Espírito de festa mais
esperança, só pode dar outra festa. E cada um festeja a mudança do ano, à
meia-noite, como pode. Alguns com fogos de artifício e grandes porres. Outros,
com ritos supersticiosos: lentilha, roupa branca, lombinho de porco, calcinha
amarela, etc.
Há quem prefira coisas mais simples, mais do
indivíduo do que do animal social, mesmo que nada implique mudanças. Como a
moça, que se supriu de camisinhas e saiu feliz. Nem podia ser de outra forma. Quem
se prepara para emendar um ano no outro, com o melhor dos divertimentos a que costumam
se entregar os animais humanos, só pode ter um feliz ano novo.
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