sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

FELIZ ANO NOVO

João Eichbaum

Véspera de ano novo. Mercado superlotado, filas de carrinhos junto aos caixas. Com as partes traseiras denunciando um peso acima do sensualmente correto, piercing na narina esquerda, as bochechas cheias, sem direito a covinhas, e o olhar de quem “não tá nem aí”, a moça botou suas poucas compras na esteira: uma cerveja alemã, uma brasileira, um pote de creme e um pacote de camisinhas Jontex.

Nada muda no ano novo. A vida, como é vulgarmente denominado, do ponto de vista social, esse cruzamento de interesses individuais no grupo dos animais humanos, vai continuar a mesma. Claro que, do ponto de vista biológico, pode haver mudanças na vida de cada um, ou até mesmo dentro do grupo humano, porque a natureza tem suas regras, contra as quais nem sempre a ciência leva vantagem.

Mas, do ponto de vista social, nada muda. Entra ano e sai ano, é sempre a mesma lengalenga: o povo e os pobres, explorados, respectivamente, pelos políticos e pelos ricos. Inflação, desemprego, salário baixo, violência, saúde mais para a morte do que para a vida nos estratos inferiores, enquanto os dos estratos superiores se acomodam no luxo ou, na pior das hipóteses, no Hospital Sírio Libanês.

Apesar dessa eterna mesmice, quando chega o fim do ano o povo se enche de esperanças, como se a mudança de calendário fosse capaz de, por si só, fazer milagres, dando um jeito melhor na vidinha de cada um. E as esperanças individuais, engrandecidas, se refletem no grupo. E o espírito festivo do Natal se emenda às esperanças de que o Ano Novo revogue os malfeitos do Ano Velho.

Espírito de festa mais esperança, só pode dar outra festa. E cada um festeja a mudança do ano, à meia-noite, como pode. Alguns com fogos de artifício e grandes porres. Outros, com ritos supersticiosos: lentilha, roupa branca, lombinho de porco, calcinha amarela, etc.

 Há quem prefira coisas mais simples, mais do indivíduo do que do animal social, mesmo que nada implique mudanças. Como a moça, que se supriu de camisinhas e saiu feliz. Nem podia ser de outra forma. Quem se prepara para emendar um ano no outro, com o melhor dos divertimentos a que costumam se entregar os animais humanos, só pode ter um feliz ano novo.



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