BRIGADIANOS: A VIDA ENTRE O ÓDIO
E O HEROÍSMO
João Eichbaum
Em serviço, estão sob a
contínua espreita da morte: sua vida serve como penhor de segurança da
sociedade. Há momentos em que, se transformando no braço impessoal do Estado, eles
deixam de ser puramente homens. Sua presença, na hora do perigo, atenua o
temor, infunde confiança, afugenta a ansiedade. Eles não escolhem o destino. O
destino é que os escolhe.
Aqui, são alçados à condição
de heróis, acolá são vergastados pelo ódio histérico de gente de cabeça
estragada. Quem os aplaude hoje, amanhã poderá odiá-los. Quem hoje os odeia,
poderá amanhã implorar-lhes socorro. Eles, como seres humanos, não possuem dois
lados da mesma personalidade. O que os transforma em objetos contraditórios de
amor e ódio é o dever.
Debaixo da farda, em cima
dos coturnos e com a arma na mão, são policiais e, como tais, assim tratados,
mesmo que no exercício dessa função, estejam salvando vidas. Mas lá, junto ao
mar, com as camisetas amarelas, o calção preto, o boné e o cinturão vermelhos,
o olhar atento sobre as águas furiosas e traiçoeiras, são sempre salva-vidas.
Assim são os brigadianos. Esfalfados
no treinamento sem trégua contra o crime e submetidos ao rigor intenso para o
desafio das águas indomáveis, não são feitos de matéria distinta dos seres
humanos, nem pertencem a uma classe especial de criaturas que dispensam os
sentimentos a que está submetida a espécie humana: têm família, têm filhos, sofrem
de paixões e desamores.
Mas, pelos serviços
prestados, a contraprestação do Estado é a negação de direitos fundamentais,
que só um salário e um tratamento digno podem proporcionar. Seus exíguos
vencimentos estão sempre correndo atrás das contas a pagar. Sua exposição à
morte nem sempre é reconhecida pela Justiça, que liberta o cafajeste, a quem
trata como coitado e sujeito de muitos direitos humanos. Nesse mesmo gesto ela
nega ao policial e à sociedade o supremo direito à vida.
Mesmo assim, o peso do
dever, os acasos odiosos do destino, a tensão de um dia inteiro em razão do
alerta, exigido pela missão de salvar vidas, não chegam ao ponto de torná-los
criaturas brutas, insensíveis, bloqueadas contra valores que possam torná-los
mais homens e menos policiais.
Salvando vidas contra as
ciladas do mar ou enfrentando as ciladas da morte para defender a sociedade,
vários deles ainda buscam uma trégua para curtir no “facebook” os escritos deste
cronista. É um privilégio concedido ao antigo companheiro de futebol, que foi
abandonado pela bola.
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