terça-feira, 3 de janeiro de 2017

BRIGADIANOS: A VIDA ENTRE O ÓDIO E O HEROÍSMO

João Eichbaum

Em serviço, estão sob a contínua espreita da morte: sua vida serve como penhor de segurança da sociedade. Há momentos em que, se transformando no braço impessoal do Estado, eles deixam de ser puramente homens. Sua presença, na hora do perigo, atenua o temor, infunde confiança, afugenta a ansiedade. Eles não escolhem o destino. O destino é que os escolhe.

Aqui, são alçados à condição de heróis, acolá são vergastados pelo ódio histérico de gente de cabeça estragada. Quem os aplaude hoje, amanhã poderá odiá-los. Quem hoje os odeia, poderá amanhã implorar-lhes socorro. Eles, como seres humanos, não possuem dois lados da mesma personalidade. O que os transforma em objetos contraditórios de amor e ódio é o dever.

Debaixo da farda, em cima dos coturnos e com a arma na mão, são policiais e, como tais, assim tratados, mesmo que no exercício dessa função, estejam salvando vidas. Mas lá, junto ao mar, com as camisetas amarelas, o calção preto, o boné e o cinturão vermelhos, o olhar atento sobre as águas furiosas e traiçoeiras, são sempre salva-vidas.

Assim são os brigadianos. Esfalfados no treinamento sem trégua contra o crime e submetidos ao rigor intenso para o desafio das águas indomáveis, não são feitos de matéria distinta dos seres humanos, nem pertencem a uma classe especial de criaturas que dispensam os sentimentos a que está submetida a espécie humana: têm família, têm filhos, sofrem de paixões e desamores.

Mas, pelos serviços prestados, a contraprestação do Estado é a negação de direitos fundamentais, que só um salário e um tratamento digno podem proporcionar. Seus exíguos vencimentos estão sempre correndo atrás das contas a pagar. Sua exposição à morte nem sempre é reconhecida pela Justiça, que liberta o cafajeste, a quem trata como coitado e sujeito de muitos direitos humanos. Nesse mesmo gesto ela nega ao policial e à sociedade o supremo direito à vida.

Mesmo assim, o peso do dever, os acasos odiosos do destino, a tensão de um dia inteiro em razão do alerta, exigido pela missão de salvar vidas, não chegam ao ponto de torná-los criaturas brutas, insensíveis, bloqueadas contra valores que possam torná-los mais homens e menos policiais.

Salvando vidas contra as ciladas do mar ou enfrentando as ciladas da morte para defender a sociedade, vários deles ainda buscam uma trégua para curtir no “facebook” os escritos deste cronista. É um privilégio concedido ao antigo companheiro de futebol, que foi abandonado pela bola.


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