QUANDO DEUS SE DISTRAI, O
CAPETA ENTRA EM CENA
João Eichbaum
Foi dar com o rabo do olho
no mancebo de apuradas feições, a veneranda madame, de cabelo caju protegido
contra a neve da idade, emitiu o nome de Jesus como jaculatória, por ter
sentido uma coisa estranha, um rebuliço interior, que balanceava entre um sopro
no coração e um orgasmo múltiplo.
Bem treinado nas artes de
bom falar, expelindo adjetivos e advérbios, para evitar que substantivos mal
interpretados o obrigassem a desmanchar dúvidas, o mancebo, de feições apuradas
e um olhar de arranca-coração, estava se apresentando como padre àquela
senhora, encarregada das chaves da igreja.
Então era aquela a criatura
enviada por Deus para prestar os serviços de missa, confissões e demais
sacramentos na capela da praia Presidente? Desde que Deus levara seu marido a
conhecer as belezas do céu, a distinta viúva nunca tivera a ventura de ver um
padre tão vistoso, de falar tão doce e de olhar tão escorreito como aquele. Não
teve o mínimo repuxo de dúvida: entregou as chaves ao ministro de Deus.
Tão logo o mancebo instalou
no altar aquela ostentação da natureza, que era sua pessoa, todas as beatas
senhoras acenderam os olhos, ao mesmo tempo em que desencravavam suspiros,
trancados há muito tempo lá no fundo. Aquele padre era uma obra muito bem acabada
de Deus, pomposo, homem de fazer vista, figura de não caber em missa de sétimo
dia.
Terminada a missa, se
estabeleceu a fila do beija-mão do homem de Deus, com pedidos de confissão. O
padre foi todo ouvidos. Sentou-se no confessionário com pose de santo e foi
abrindo os tímpanos para ouvir sussurros de pecados, pecadilhos e outras
confidências de maior calibre, não descuidando de salivar conselhos.
Mas, um ministro da
eucaristia que, com medo do Lava a Jato do Juízo Final, também fora debulhar
seus pecados nos ouvidos do padre, coçou uma pulga atrás da orelha: ficou cheio
de ave-marias e pai-nossos por rezar a título de penitência, mas não recebeu aquele
sinalzinho básico de absolvição das culpas.
Ele, que iniciara sua
carreira como anjo de procissão e por isso era escolado em ritos, rezas e
outros negócios de sacristia, resolveu desovar nas orelhas do presidente da
comunidade a suspeita de que o aparecido na paróquia não tinha jeito de quem
havia sido remetido por Deus. Então, pelo sim, pelo não, foram ao padre e lhe
requereram carteira de identidade, com assinatura do bispo, selo da mitra e
tudo o mais.
Com a desculpa de que ia
pegar a identidade na casa da viúva onde se hospedara, o padre tomou outro
rumo. Sumiu, escafedeu-se, para não ser vistoriado. Desapareceu e deixou como
legado aos maridos a tortura de não saberem que pecados suas mulheres lhe
haviam deitado nos ouvidos.
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