sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

METÁFORA
João Eichbaum

A glória de ser ministro do Supremo é construída, ou destruída, a poder de humilhações. Em seu livro de memórias, “Código de Vida”, Saulo Ramos conta um episódio que pode servir para ilustrar o atual momento, com a indicação de Alexandre Moraes, ministro da Justiça de Michel Temer, àquele cargo a gerar protestos nas redes sociais e a servir de mira para ácidas críticas na imprensa.
Saulo Ramos era ministro da Justiça do governo José Sarney e apadrinhou para ministro do Supremo Tribunal Federal seu então ex-secretário na Consultoria Geral da República, Celso de Mello, que havia sido também assessor jurídico da Casa Civil do mesmo Sarney.
Ao deixar a Presidência, Sarney se candidatou a senador pelo Amapá. Sua candidatura foi impugnada e o processo acabou no Supremo. Em plenário, o julgamento foi favorável a José Sarney, com votos da maioria. Celso de Mello, por ser o membro mais recente, foi o último a votar. Seu voto foi contrário aos interesses do Sarney.
Depois da sessão, Celso telefonou ao padrinho, Saulo Ramos, para justificar porque votara contra o poeta dos “Marimbondos de Fogo”, que lhe proporcionara a glória de vestir a toga do Supremo. Foi para desmentir a Folha de São Paulo que, na véspera do julgamento, anunciara seu voto como certo, a favor de Sarney – explicou.  E acrescentou: além disso, a vitória dele já estava garantida pela maioria e meu voto não o prejudicou.
Indagado por Saulo Ramos, o que faria, se não fosse a notícia da Folha, Celso de Mello respondeu de pronto: votaria a favor de Sarney. A resposta de Saulo Ramos também foi imediata e com todas as letras: “entendi, entendi que você é um juiz de merda”. E desligou o telefone, para nunca mais falar com o hoje ainda ministro Celso de Mello.
Celso de Mello e Alexandre Moraes têm origem comum. Ambos são oriundos do Ministério Público de São Paulo. Ambos também estiveram a serviço do governo que os indicou para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. A única diferença está no tempo e no avanço da tecnologia. Ao tempo de Celso de Mello não havia “facebook”. Mas, agora, o nome de Alexandre Moraes só entra nas conversas para ser enxovalhado. Sobre ele chove o granizo da repulsa. Ultimamente ainda carrega um incômodo adjetivo: plagiário.
O STF não é o que todos gostariam que fosse: um tribunal composto por provectos senhores, respeitáveis pela sabedoria, confiáveis pela honradez e admiráveis pela postura digna, antes e depois de vestir a toga. O sistema impede que assim seja, porque funciona de outra forma: no caldeirão sujo da farsa democrática, utilizado para cozinhar a eternização no poder, colocam-se em banho-maria os candidatos a ministro. Aquele que melhor servir aos propósitos do governo é o eleito, o ungido pelos deuses. “Notório saber jurídico” não passa de metáfora.



2 comentários:

Gigi disse...

Festejo a crônica de João Eichbaum. Seus escritos são de opinião inteligente e muito bem redigidos. "Metáfora" mostra como têm sido problemáticas as escolhas de ministros do Supremo Tribunal Federal, e não é de hoje. Celso de Mello, o atual decano do colegiado, foi nomeado por Sarney por indicação de Saulo Ramos, e veja-se o que este conta. A diferença é que hoje ficamos sabendo de imediato quase tudo, torcemos, nos revoltamos, mas a essência não muda. O presidente indica, o Senado referenda sempre e o sistema continua. Seria hora de mudar.

Gigi disse...

METÁFORA
Festejo a crônica de João Eichbaum. Seus escritos são de opinião inteligente e muito bem redigidos. "Metáfora" mostra como têm sido problemáticas as escolhas de ministros do Supremo Tribunal Federal, e não é de hoje. Celso de Mello, o atual decano do colegiado, foi nomeado por Sarney por indicação de Saulo Ramos, e veja-se o que este conta. A diferença é que hoje ficamos sabendo de imediato quase tudo, torcemos, nos revoltamos, mas a essência não muda. O presidente indica, o Senado referenda sempre e o sistema continua. Seria hora de mudar.