METÁFORA
João
Eichbaum
A glória de ser ministro do Supremo é construída, ou
destruída, a poder de humilhações. Em seu livro de memórias, “Código de Vida”,
Saulo Ramos conta um episódio que pode servir para ilustrar o atual momento,
com a indicação de Alexandre Moraes, ministro da Justiça de Michel Temer, àquele
cargo a gerar protestos nas redes sociais e a servir de mira para ácidas
críticas na imprensa.
Saulo Ramos era ministro da Justiça do governo José
Sarney e apadrinhou para ministro do Supremo Tribunal Federal seu então
ex-secretário na Consultoria Geral da República, Celso de Mello, que havia sido
também assessor jurídico da Casa Civil do mesmo Sarney.
Ao deixar a Presidência, Sarney se candidatou a senador
pelo Amapá. Sua candidatura foi impugnada e o processo acabou no Supremo. Em
plenário, o julgamento foi favorável a José Sarney, com votos da maioria. Celso
de Mello, por ser o membro mais recente, foi o último a votar. Seu voto foi
contrário aos interesses do Sarney.
Depois da sessão, Celso telefonou ao padrinho, Saulo
Ramos, para justificar porque votara contra o poeta dos “Marimbondos de Fogo”,
que lhe proporcionara a glória de vestir a toga do Supremo. Foi para desmentir
a Folha de São Paulo que, na véspera do julgamento, anunciara seu voto como
certo, a favor de Sarney – explicou. E
acrescentou: além disso, a vitória dele já estava garantida pela maioria e meu
voto não o prejudicou.
Indagado por Saulo Ramos, o que faria, se não fosse a
notícia da Folha, Celso de Mello respondeu de pronto: votaria a favor de
Sarney. A resposta de Saulo Ramos também foi imediata e com todas as letras: “entendi,
entendi que você é um juiz de merda”. E desligou o telefone, para nunca mais
falar com o hoje ainda ministro Celso de Mello.
Celso de Mello e Alexandre Moraes têm origem comum. Ambos
são oriundos do Ministério Público de São Paulo. Ambos também estiveram a
serviço do governo que os indicou para o cargo de ministro do Supremo Tribunal
Federal. A única diferença está no tempo e no avanço da tecnologia. Ao tempo de
Celso de Mello não havia “facebook”. Mas, agora, o nome de Alexandre Moraes só
entra nas conversas para ser enxovalhado. Sobre ele chove o granizo da repulsa.
Ultimamente ainda carrega um incômodo adjetivo: plagiário.
O STF não é o que todos gostariam que fosse: um tribunal
composto por provectos senhores, respeitáveis pela sabedoria, confiáveis pela
honradez e admiráveis pela postura digna, antes e depois de vestir a toga. O
sistema impede que assim seja, porque funciona de outra forma: no caldeirão
sujo da farsa democrática, utilizado para cozinhar a eternização no poder,
colocam-se em banho-maria os candidatos a ministro. Aquele que melhor servir
aos propósitos do governo é o eleito, o ungido pelos deuses. “Notório saber
jurídico” não passa de metáfora.
2 comentários:
Festejo a crônica de João Eichbaum. Seus escritos são de opinião inteligente e muito bem redigidos. "Metáfora" mostra como têm sido problemáticas as escolhas de ministros do Supremo Tribunal Federal, e não é de hoje. Celso de Mello, o atual decano do colegiado, foi nomeado por Sarney por indicação de Saulo Ramos, e veja-se o que este conta. A diferença é que hoje ficamos sabendo de imediato quase tudo, torcemos, nos revoltamos, mas a essência não muda. O presidente indica, o Senado referenda sempre e o sistema continua. Seria hora de mudar.
METÁFORA
Festejo a crônica de João Eichbaum. Seus escritos são de opinião inteligente e muito bem redigidos. "Metáfora" mostra como têm sido problemáticas as escolhas de ministros do Supremo Tribunal Federal, e não é de hoje. Celso de Mello, o atual decano do colegiado, foi nomeado por Sarney por indicação de Saulo Ramos, e veja-se o que este conta. A diferença é que hoje ficamos sabendo de imediato quase tudo, torcemos, nos revoltamos, mas a essência não muda. O presidente indica, o Senado referenda sempre e o sistema continua. Seria hora de mudar.
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