DUAS FACES DA POBREZA
Apesar das minhas idéias e da minha desbocada irreverência, tenho amigos que são padres. Mas, notem: são amigos que se tornaram padres, e não padres que se tornaram amigos. Um deles, é o Padre Francisco Bianchin, meu conterrâneo.. É uma bela figura humana, um cara de talento extraordinário, grande orador e também grande escritor. Pois o Xiko – é com essa originalidade que ele grafa o seu apelido – escreveu uma bela crônica em que exalta ruas, prédios e instituições de nossa terra, Santa Maria, semana passada, por ocasião dos festejos dos 150 anos da dita cidade que, trocada por outros amores, já não figura na primeira linha das minhas paixões.
Arrastado pela crônica do Xiko, voltei à minha infância. Órfão de pai aos 10 anos de idade, tive que ajudar a família, ganhando algum dinheirinho que nos garantisse para nós, minha mãe e meus três irmãos menores, o pão na mesa – e várias vezes não garantiu. O que poderia fazer um menino, naquele tempo, que lhe pudesse render alguma coisa? Não, não tinha isso de ir para as sinaleiras, pedir um real pro tio e pra tia, nem encher o saco de ninguém com panfletos. Pela única e simples razão de que, naquele tempo, Santa Maria não tinha sinaleiras. Não tinha, porque não precisava. Eram muito poucos os automóveis, só os ricos os tinham. Então, o que restava era trabalhar mesmo, e não era um trabalho fácil.
Ali, na Avenida Rio Branco, que o Xiko menciona na sua crônica, se instalou certa vez o “Teatro Novo Horizonte”, um teatro de lona, que tinha na frente um letreiro explicativo: não é circo, não é parque, é o Teatro Novo Horizonte. Era inverno, quando por lá se armou o tal teatro. E inverno em Santa Maria representa frio + umidade, coisa que nenhum menino pobre tem condições de enfrentar de igual para igual. Pois nessas noites de frio, eu me postava na calçada da Avenida Rio Branco, na frente do teatro de lona, com uma cestinha de bergamotas e uns pacotinhos de amendoim torrado, para vendê-los aos privilegiados assistentes do teatro. Tiritando de frio e de medo de não vender toda a mercadoria, porque a fome não aceita desculpas, ali ficava do começo ao fim do espetáculo, na esperança de que, quem não comprasse na entrada, compraria na saída (sem referência alguma àquele axioma popular que ofende “afrodescedentão”).
Também na rua Floriano Peixoto, esquina com Manoel Ribas – essa não mencionada pelo Xiko – havia um terreno baldio, onde se instalavam os parques de diversão, e para lá ia eu todas as noites – inverno e verão vender as minhas quitandas. Ah, que inveja, que tortura! Enquanto via outros meninos se divertindo, andando de roda gigante, de aviãozinho, de carrossel, etc. minha voz se perdia no burburinho, a gritar “amendoim torrado”, “bergamota”, desafinada pelo medo de não esgotar a mercadoria oferecida.
Essas ruas, o ponto negro da minha infância – sem falar na esburacada rua Dona Luiza, com esgoto a céu aberto, são ruas que jamais me sairão da memória, porque me ensinaram a ser homem, a ser gente, a me orgulhar do que fiz, sem que fosse preciso me valer de “cotas sociais” para me formar na UFRGS, nem me proteger sob lonas do MST ou de outros “movimentos sociais”, para conquistar um (bom) espaço na vida. Os meus conterrâneos que são ministros do Lula – todos filhinhos de papai – nunca experimentaram o que eu amargamente experimentei, mas estão engajados nesse governo que usa o meu dinheiro, ganho com suor, frio, lágrimas e medo de passar forme, para estimular a indolência e a paternidade irresponsável com uma espórtula eleitoreira, chamada “bolsa família”.
Posso falar, porque tenho no currículo pobreza, fome e miséria – atributos que me conferem autoridade para verberar as mentiras que a esquerda, impudicamente, prega, afim de conquistar o poder ou nele se manter, estabelecida sobre dois pilares, de que não abre mão: a desqualificação e a indolência.
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