A JUSTIÇA DA IMPRENSA
Com a nítida intenção de defender o sensacionalismo comercial que a imprensa usa para injetar nas pessoas a culpa de um casal pela morte de uma menina, J.R. Guzzo escreveu na revista Veja: “Ninguém, naturalmente, pode ser condenado por antecipação: mas o pai e a madrasta de Isabella, denunciados como réus, não vão ser condenados por antecipação. Quem vai condená-los ou absolvê-los é a Justiça de São Paulo – não o inquérito policial, o Ministério Público, a mídia ou a opinião popular. Quem está propondo condenação sem provas ou sem julgamento? Quem está negando algum direito de defesa aos acusados?”. E mais adiante: “A verdadeira dificuldade para o casal Nardoni não está na violação de seus direitos. Está, isso sim, no fato de que não surgiu até agora, após quarenta dias de investigação, feita com todos os recursos da polícia e sob o intenso holofote da imprensa, o mais remoto indício de que o crime possa ter sido praticado por alguma outra pessoa.”
Além de escrever mal e sem a fluência indispensável da lógica, o jornalista nada entende de justiça. Observem a ausência de conteúdo, no primeiro parágrafo acima citado: “Ninguém, naturalmente, pode ser condenado por antecipação: mas o pai e a madrasta de Isabella, denunciados como réus, não vão ser condenados por antecipação.
São duas orações ligadas pela conjunção “mas”. Ao que parece, o jornalista ignora que essa conjunção é adversativa, apresenta a idéia básica de oposição, de contraste. A conjunção “mas”, ligando orações com o mesmo sentido, anula-as, esvazia-lhes o conteúdo. A menos que, inconscientemente, o jornalista quisesse suprimir o “não” da segunda oração, que ficaria, então, assim: “mas o pai e a madrasta de Isabella, denunciados como réus, vão ser condenados por antecipação”. Aí o “mas” estaria empregado corretamente, do ponto de vista gramatical, naturalmente.
Seguem-se outras bobagens, como se a sua palavra fosse garantia da lisura do processo e a salvaguarda do direito de defesa. E maior bobagem ele diz, quando invoca a “Justiça de São Paulo”. Ora, não sabe ele que os acusados serão julgados pelo circo chamado Tribunal do Júri? Não sabe ele que os jurados são pessoas sem vínculos com a ciência do direito e que, por isso mesmo, estarão mais submetidas aos arroubos de oratória, ao espetáculo teatral do júri, do que à armação do silogismo cientifico que desemboca na conclusão justa? Ora, vá contar lorotas para outros. Os jurados, sejam eles quais forem, já estão devidamente industriados pelo sensacionalismo da mídia. Os jurados, como todo o povo brasileiro, de olho vidrado na televisão e incapaz de formar um raciocínio independente da mídia, já condenaram antecipadamente o casal. Tal como o jornalista que, contrariando ao que ele próprio pretendia afirmar, escreve: “A verdadeira dificuldade para o casal Nardoni não está na violação de seu direitos. Está, isso sim, no fato de que não surgiu até agora, após quarenta dias de investigação, feita com todos os recursos da polícia e sob o intenso holofote da imprensa, o mais remoto indício de que o crime possa ter sido praticado por alguma outra pessoa.”
É lamentável que as pessoas, para aparecer, e a imprensa, para lucrar, tenham que subir sobre o cadáver de uma infeliz criança.
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