CONDENAÇÃO ANTECIPADA
A imprensa, satisfeita com a repercussão comercial do seu sensacionalismo que embriaga o populacho - como se a morte da menina Isabela tivesse sido o único crime ocorrido na cidade de São Paulo nos últimos anos - já condenou o casal Nardoni. E a Justiça, que tem dobradiça na coluna dorsal, mandando às favas os princípios constitucionais, o direito e a ordem processual, disse amén.
Noticia-se que o juiz de primeiro grau, ao decretar a prisão preventiva do referido casal, o fez porque haveria “sérios indícios de crueldade e insensibilidade”.
Ora, nem a crueldade, nem a insensibilidade figuram, no art. 312 do Código Penal, como circunstâncias que autorizem a prisão preventiva. Assim reza o mencionado dispositivo:
A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Não se pode admitir que o juiz não conheça o Código de Processo Penal e muito menos a Constituição Federal que assegura, no art. 5º, LVII:
ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
A crueldade e a insensibilidade são circunstâncias que dizem respeito ao mérito, isto é, assegurada a existência do delito e estando certa a autoria, cuida-se de examinar as circunstâncias que implicarão, por exemplo, a qualificação do crime.
Se um magistrado atalha todos os caminhos do processo e decreta a prisão preventiva em razão de circunstâncias do mérito, como se já tivesse sido julgado o casal, para que serve o Direito? Merece o nome de ciência o Direito, se o homem pode julgar simplesmente porque lhe puseram na mão a força do poder, sem extirpar seus defeitos e fraquezas?
Mas, a decisão do juiz aponta para algo que é de deixar apreensiva toda a população brasileira: a influência do poder da imprensa até na consciência dos magistrados.
Para mostrar a sua independência e sua cultura jurídica, deveria o juiz ter se valido exclusivamente da norma legal para decretar a prisão preventiva e não ter buscado nos seus sentimentos, provocados pelo sensacionalismo da imprensa, razões de que a lei não cogita no instituto da prisão preventiva.
Não conheço o inteiro teor do despacho, que pode até estar bem fundamentado. Mas me louvo na matéria da imprensa, segundo a qual a decisão do juiz apenas desnuda o ser humano, sem mostrar a frieza da toga, e verte suscetibilidades, bem ao gosto de quem só quer vender notícia.
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