terça-feira, 28 de outubro de 2008

COISAS DA VIDA

DUAS HISTÓRIAS

João Eichbaum

Bruno tem dezoito anos e está confinado no quarto dos fundos de uma casa, na periferia da cidade de Rio Grande. Ele não fala, perdeu todos os movimentos, do pescoço para baixo.
Bruno teve seus dias de glória. Trapezista de um circo, fascinou expectadores, deslumbrou crianças, aglutinou aplausos. Até o dia em que a sorte lhe foi madrasta, quando caiu de uma altura de três metros, durante a apresentação, no picadeiro, sofrendo lesão na coluna dorsal e quebrando duas vértebras.
No mesmo circo trabalhava sua mãe, vendendo churrasquinhos e maçãs douradas. Ela também teve que deixar o mísero emprego, para dar assistência ao filho. Nem casa para morar eles têm. Moram de favor. Sua casa era o ônibus do circo.
Sem carteira assinada, necessitando de fisioterapia, é evidente que Bruno e sua mãe mal conseguem sobreviver com os cincoenta cruzeiros semanais que o dono do circo lhe manda.
Carlos Eduardo tem vinte e um anos de idade e mora em Hoffenheim, na Alemanha, onde joga futebol. Sua mãe, que trabalha na limpeza da prefeitura de Ajuricaba, cidade de sete mil habitantes no noroeste do Estado, conseguiu uma licença do prefeito e foi para lá, passar algum tempo na companhia do filho e cozinhar-lhe quitutes. De lá, com passagens pagas pelo filho, conhecerá Roma e Paris. De Ajuricaba, para Roma e Paris. Tudo porque Carlos Eduardo joga bola e ganha muito bem, em euros.
São duas histórias.
Jogar bola, qualquer guri joga. É bem possível que o Bruno também jogasse, antes de entrar para o circo.
Jogar bola é uma atividade que não necessita muito treino, nem disciplina, nem muita habilidade. Quem joga bola não corre risco de vida. Mas quem enfrenta as alturas num trapézio, sim. Precisa de treino, concentração, habilidade, coragem, tudo ao mesmo tempo.
Mas não são essas qualidades que fascinam a multidão. A multidão se satisfaz com golos e dribles, coisas que se praticam ao rés do chão, na terra firme. Sem perigo de vida. O máximo que pode acontecer é a fratura de um braço, de uma perna, de uma costela.
Entre Bruno e Carlos Eduardo, portanto, há grandes diferenças.
Ambos eram pobres, mas agora o destino escolheu a melhor parte para Carlos Eduardo, que só sabe jogar bola.
As mães de um e de outro também são pobres. Por algum tempo, certamente, ambas passaram pelas mesmas dificuldades. Por que, agora, estão em patamares sociais diferentes? O que tem uma melhor do que a outra?
Respondam-me os que acreditam num “Deus bom, justo e misericordioso”. Expliquem-me e justifiquem a presença desse “Deus” na vida de Bruno e Carlos Eduardo. Se me convencerem de que Carlos Eduardo é melhor do que Bruno, para merecer tudo o que possui, pelo simples fato de jogar bola, passarei a acreditar nesse “Deus”. Se não me explicarem, prefiro continuar a acreditar que ele não existe, porque um “Deus” que não tem critérios, deus não pode ser.

Um comentário:

Jerri Dias disse...

Considere-se linkado.
Volto mais tarde aqui.
Abraço.