quinta-feira, 9 de abril de 2009

COLUNA DO PAULO WAINBERG

CARTA A UM AMIGO
Paulo Wainberg


Prezado Liberato.
Na sua coluna no jornal Zero Hora, meu querido e antigo amigo Liberato Vieira da Cunha nos conta, com seu estilo sempre delicado e, sei lá, evocativo, que foi abordado num bar da rua chique de Porto Alegre, por uma legítima deusa, com tornozeleira e tudo, querendo saber se ele era o doutor Genésio. E que, levado por instintos éticos estimulados pela surpresa de ter diante dele tal monumento feminino, gaguejou (imagino eu) que não, não era o doutor Genésio, arrependendo-se imediatamente.
Quase posso ver a cena pois o Liberato é um dos últimos lordes desta tão defasada Porto Alegre e, notem, que uso a palavra “lorde” não no sentido banal da aristocracia decadente, mas sim no sentido da elegância e da máxima educação no trato e na conduta.
A tal ponto que o arrependimento dele, assim revelado, surpreendeu-me não pelo sentimento e sim pela revelação.
Tirando o fato de que ler o Liberato é sempre uma delícia, confesso que fiquei curioso com alguns aspectos do drama por ele vivido e ouso me apresentar com um conselheiro amigo, para futuras experiências que, com toda a certeza ainda cairão no seu colo, literalmente.
Em primeiro lugar, quem será o doutor Genésio? O único Genésio que conheço é aquele vagabundo sustentado pela mulher do vizinho, certamente não seria por quem a deusa de tornozoleira estaria procurando, visto ser, o nosso Genésio, um doutor lato senso.
Você iria consultar com um médico chamado doutor Genésio? Entregaria sua causa milionária ao advogado doutor Genésio? Permitiria ao doutor Genésio que obturasse seu dente, construísse sua casa, lhe desse aulas de filosofia, ensinasse seu filho a tocar violão, torceria para o time cujo presidente fosse o doutor Genésio?
Talvez sim, afinal os titulares dos nomes próprios não podem ser responsabilizados pelos desatinos dos pais, mas, Genésio, francamente, sem desmerecer ninguém, está mais para vendedor de bilhete de loteria premiado do que para doutor.
Um senador, sem dúvida, poderia chamar-se Genésio.
Porém a deusa loira (acho que era loira), estava naquele bar à espera do doutor Genésio, queria encontrar com ele, tinha planos para ele, seria um doutor Genésio afortunado a ter à disposição de seus olhos tal magnífica mulher que deixou meu amigo Liberato vidrado.
Que espécie de Genésio é esse, capaz de tamanha façanha?
Não quero fazer julgamentos antecipados, não sou disso e nunca fui, tenho o maior respeito por deusas em geral e por aquela em particular, admiro mulheres com tornozeleiras nos tornozelos a quem, num exercício mental de sublimação e auto-piedade, atribuo características apropriadas de quem está disponível desejando se indisponibilizar, se é que me entende, mas suponho que o doutor Genésio dela é homem de posses, com dinheiro ao vivo no bolso e disposto e gastá-lo.
Recuso-me a acreditar que o doutor Genésio seja um psicanalista que marcou uma consulta inicial com a deusa naquele café. Com evidência cristalina, tratava-se do primeiro encontro da deusa com o doutor Genésio, homem de meia idade, tanto que ela foi, impávida e colossal, saber do Liberato se era ele o doutor Genésio.
Talvez o doutor Genésio seja um corretor de imóveis e a deusa, assim ansiosa, uma potencial compradora de um apartamento de luxo, talvez o doutor Genésio seja um vendedor de jóias, um auxiliar de contabilidade, talvez o doutor Genésio seja qualquer coisa e talvez a deusa seja igualmente qualquer coisa, ambos em busca de qualquer outra coisa e, em não se conhecendo, marcaram encontro naquele local.
Neste caso – e em segundo lugar – estaria o Liberato trajando roupas com as cores anunciadas pelo doutor Genésio? Ou, o que é mais provável, estaria a deusa desejando, inconscientemente, que o doutor Genésio fosse o Liberato? Porque, aqui entre nós, o Liberato tem tudo para provocar tais inconscientes, mesmo que esteja inocentemente bebericando uma água mineral ou um prosaico cafezinho.
Conta-nos a crônica que, arrependido de ter-se negado a ser o doutor Genésio, observou tudo aquilo dirigindo-se ao outro canto do bar, em busca de seu encontro enquanto ele, bem, ele continuou ali, bebericando. E escrevendo mentalmente a crônica, com toda a certeza.
O que teria acontecido a seguir?
Com o Liberato posso imaginar, terminou sua bebida, foi para casa, escreveu sua crônica, colocou Vivaldi no DVD e continuou a leitura de Proust, em busca do tempo perdido.
O doutor Genésio, por sua vez, chegou atrasado e, com um rápido passar de olhos identificou a loira que, com a mesma segurança anterior, aproximou dele e perguntou:
- O senhor é o doutor Genésio?
- Sou eu mesmo, minha filha. Vamos tomar um drinque?
- Eu vou aceitar uma taça de champanhe.
- Para mim um uísque. Red.
- O senhor demorou a chegar...
- O trânsito está uma loucura. E não me chame de senhor. Para ti eu sou simplesmente Genésio.
- Tudo bem, Genésio então. Um brinde? À nossa.
- A nós, minha filha, como é o seu nome mesmo?

Em terceiro lugar, o conselho amigo que prometi ao Liberato: na próxima vez em que uma deusa perguntar se você é o doutor Genésio, responda que sim, que é você mesmo, deixe de lado os pruridos e os arroubos literários e escreva sobre outra coisa.
Não lha faltarão assuntos para crônicas.
Um abraço afetuoso.

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