LECTIO LAPIDUM PARA PROCURADORES DA REPÚBLICA
João Eichbaum
Calma, meus amigos, antes de ensinar, para os Procuradores da República, o que significa “lectio lapidum”, vou explicar para vocês. É uma expressão latina cujo sentido é do de “desempedrar” ou “limpar as pedras”. Em outras palavras, burilar, tirar as rebarbas, deixar a coisa limpa.
Isso me ocorre porque os jornais gaúchos dos últimos dias trazem manchetes bem a gosto da platéia, com respeito à ação civil promovida pelos Procuradores da República do Lula: ACUSAÇÃO EXPLOSIVA, CONTEÚDO INFLAMÁVEL. Notícias desse tipo, bombásticas, boas para encher espaços, fazem o povo gozar (em qualquer sentido).
O que fornece matéria para tais manchetes não é senão a petição inicial que, assinada por agentes do Ministério Público Federal, rolou pelos jornais: eles quiseram barbarizar, mandar ver, mijar pra cima, mostrar poder de fogo, fazer sucesso.
Não sei se é do conhecimento de algum Procurador da República de que não se faz justiça sem um ingrediente axiológico. A justiça é um valor que se põe como exigência do ser humano e, nessa condição, se integra no exercício da soberania do Estado. Traduzindo: o sentimento de justiça, de ânsia pela justiça, domina o ser humano. Ninguém gosta de ser injustiçado. O mais cruel dos facínoras persegue esse sentimento (uso a palavra “sentimento” apenas para o fim de facilitar a idéia de justiça) porque, no fundo, no fundo ele se sente um injustiçado.
Bem. Para cada pessoa a justiça não passa de um “sentimento”. Mas, para o Estado, ela representa um “valor”, que deve ser preservado. De modo que, como “valor”, ela exige um tratamento científico e tal tratamento é imposto pela filosofia. Então é a filosofia, como ciência, que informa as regras para a realização da justiça, através de um silogismo, assim formado:
Premissa maior, a lei;
Premissa menor, o fato.
Conclusão: a sentença.
Uma sentença, portanto, nasce da aplicação da lei sobre o fato. Quem profere a sentença é o juiz, mas, para fazê-lo, o magistrado precisa conhecer os fatos, já que a lei ele conhece.
Assim, o suplicante, isto é, o interessado em que o juiz aplique a lei deve narrar-lhe o fato. Nada mais que isso: o fato. Quem irá qualificar, quem irá adjetivar o fato, dizendo se ele é legal ou ilegal, moral ou imoral, é o juiz. A parte que comparece perante o juiz, repita-se, deve apenas narrar o fato, suplicando que se lhe aplique a lei.
Mas, não foi assim que agiram os Procuradores da República. Enchendo de adjetivos e advérbios sua petição, eles deixaram os fatos, quer dizer, o verbo e o substantivo, para segundo plano. Quem ganhou com isso foi a imprensa, que só se interessa pelo espetáculo, que é qualificado, evidentemente, pelos adjetivos.
Nas próximas crônicas, expurgando os excessos, ou seja, burilando a petição inicial (lectio lapidum) dos procuradores da República vamos ver que, se tal peça fosse feita com técnica processual, não se prestaria para manchetes.
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