quarta-feira, 5 de agosto de 2009

VARIAÇÕES EM TORNO DO TEMA FIADASPUTAS

ARBITRARIEDADE OU IGNORÂNCIA JURÍDICA?

João Eichbaum

Sob a acusação de “desobediência” à ordem judicial que lhe determinara o internamento de um paciente, uma médica no Rio de Janeiro foi presa, em “flagrante”, porque o paciente, afinal, não foi internado.
Entidades médicas, inconformadas, criticaram o Poder Judiciário, atribuindo-lhe qualificativos que não se pode confundir com elogios.
Também a imprensa, em editoriais, censurou a decisão do juiz, em tom que causou estragos no fígado dos magistrados. E a resposta desses veio à tona, inclusive em artigo publicado na Zero Hora de ontem. Para o articulista, não seria necessária toda essa celeuma, se a parte tivesse impetrado recurso contra a decisão do juiz.
Em primeiro lugar, não é bem assim. Recurso? E quem garante que o “recurso” resolve alguma coisa?
O caso da família Sarney, por exemplo. Os Sarney entraram com um pedido de amordaçamento da imprensa, mas o juiz de primeiro grau não o concedeu. Aí houve o “recurso” que foi aterrissar nas mãos de um desembargador amigo da família Sarney e deu no que deu: amordaçamento da imprensa.
Isso é dito só para mostrar que o “recurso” nem sempre é temperado com sabedoria. Nem todo o desembargador é sensato e há desembargadores que nunca prestaram concurso para a magistratura, tornaram-se magistrados sem nunca terem proferido uma sentença.
Toda a inconformidade da classe médica, respaldada pela imprensa, não é com o “sistema” judiciário ou processual, mas, no fundo, com a falta de preparo dos juízes e com a embriaguez que lhes causa o poder.
Tanto amordaçar toda a imprensa de um país, para que não publique as falcatruas da família Sarney, como prender uma médica, porque essa não internou um paciente, demonstra falta de sensatez, de maturidade, e até de desconhecimentos jurídicos. O desembargador Dácio Vieira, que mandou calar a imprensa, mostrou que tem pouca intimidade com o direito constitucional, violando o disposto no art. 5º, inc.IX da Constituição Federal, que assegura a liberdade de expressão. O juiz Nicolitt, que mandou prender a médica, não conhece princípios primários de direito processual penal. O flagrante do crime de desobediência só se concretiza na presença da autoridade desobedecida. Se a desobediência ocorrer na ausência dessa autoridade, o crime estará caracterizado, mas não o flagrante. A prisão, nesse caso, é ilegal.
E mais: o dever de prestar atendimento à saúde, mantendo leitos nos hospitais, é do Poder Executivo e esse é que deve responder em juízo, se for o caso, e não a pessoa física de um médico.
Ou então, vamos radicalizar: se o médico que não interna um paciente comete um crime, não cometerão crime os juízes que não “internam” bandidos?

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