quinta-feira, 6 de maio de 2010

COM A PALAVRA, PAULO MARINHO

SUSPEITO

Paulo Marinho



- Documentos.

- Como?

- Documentos.

- Pra quê documentos?

- Ora, pra quê! Porque sim.

- Não estou entendendo.

- Olha aqui, malandro, não está vendo que somos da polícia? Não notou a farda? O revólver?

- Claro que notei. Só não entendi porque eu. Estou aqui numa boa, vendo o movimento.

- Pois por isso mesmo.

- Ué? E desde quando ver o movimento é crime?

- É esta sua atitude.

- Que atitude?

- Atitude suspeita.

- Cada vez entendo menos.

- Este seu jeito de ver o movimento. Não sei, não. Esse olhar. As mãos no bolso, esta pastinha aí debaixo do braço.

- Que é que tem a pastinha? Ganhei no amigo secreto do pessoal da firma. É de couro e...

- Olha aí, ó. Já tá mudando de assunto.

- Foi o senhor quem falou na pastinha.

- Não queira me confundir. Vocês são assim mesmo.

- Vocês quem?

- Os suspeitos.

- Ih, agora virei suspeito. Antes estava só em atitude suspeita. Agora já sou suspeito. Qual é o critério de vocês?

- Qual é o quê?!

- O critério.

- Não vem com esta de falar bonito pra cima da gente. Que critério é esse?

- Epa. Não vale, eu perguntei primeiro.

- Perguntou o quê?

- Do critério. Como é que vocês saem assim, pedindo documentos para o primeiro cidadão que encontram olhando o movimento?

- Qualquer um, não. Só para os suspeitos. Documentos.

- De suspeito?

- Como assim de suspeito?

- Ué, eu não sou suspeito?

- É.

- Então. O senhor quer documento de suspeito. De suspeito, não tenho.

- Você está querendo nos enganar. Esta tática é velha. Própria dos que andam em atitude suspeita. Queremos ver os documentos.

- Acho que não estamos nos entendendo. Que documentos afinal o senhor quer?

- Os de suspei... não. Péra aí. Viu? Você nos confundiu. Queremos ver os seus documentos. Carteira de identidade, CIC, estas coisas...

- Serve título de eleitor?

- Não. Título de eleitor só para votar.

- E preencher ficha.

- Que ficha?

- Ora, qualquer ficha. Nas lojas, por exemplo. Nas lojas pedem o título.

- É, mas a gente não é da loja. Somos da polícia.

- Eu sei. Vocês preenchem outras fichas.

- Que fichas, pelo amor de Deus?

- As fichas corridas.

- Ahá! Não disse? Você tem culpa no cartório.

- Cartório?

- É, no cartório. Só quem tem culpa no cartório é que tem ficha corrida.

- Mas eu não tenho ficha corrida!

- Ah, agora vai negar. Acabou de dizer que tem ficha corrida.

- Eu?! Eu disse que tenho culpa no cartório. Não! Ficha no cartório!

- Tá nervosinho, é?

- Claro. Vocês chegam assim, sem mais nem aquela e...

- Aquela quem?

- É uma maneira de dizer. O senhor está complicando.

- Você é que está complicado. Agora vai ter que explicar que história é essa de culpa no cartório.

- Ficha.

- Que seja. Que história é esta de ficha?

- Todo mundo tem ficha no cartório.

- Mas então é uma quadrilha.

- Que quadrilha?

- A dos que tem ficha no cartório. Pensa que não ouvimos?

- Mas até o senhor tem ficha no cartório.

- Eu?! Você tá ficando louco. Isso é uma acusação grave.

- Da ficha?

- Lógico. Em atitude suspeita, com uma pastinha só com um título de eleitor dentro, e nos acusando de ser da sua quadrilha. Você é muito suspeito.

- Olha aqui, eu estava só olhando o movimento.

- Viu? Entregou-se. Teje preso!

- Preso?

- Claro. Querendo enganar uma autoridade! Que movimento você tá olhando, se não tem movimento nenhum a esta hora, hein? Vamos pra delegacia.

- E qual é a acusação?

- Não interessa, espertinho. Com a ficha que você tem... tá preso e acabou. Vamos lá, e não esquece de trazer esta pastinha, que ela também é muito suspeita.

Nenhum comentário: