SUSPEITO
Paulo Marinho
- Documentos.
- Como?
- Documentos.
- Pra quê documentos?
- Ora, pra quê! Porque sim.
- Não estou entendendo.
- Olha aqui, malandro, não está vendo que somos da polícia? Não notou a farda? O revólver?
- Claro que notei. Só não entendi porque eu. Estou aqui numa boa, vendo o movimento.
- Pois por isso mesmo.
- Ué? E desde quando ver o movimento é crime?
- É esta sua atitude.
- Que atitude?
- Atitude suspeita.
- Cada vez entendo menos.
- Este seu jeito de ver o movimento. Não sei, não. Esse olhar. As mãos no bolso, esta pastinha aí debaixo do braço.
- Que é que tem a pastinha? Ganhei no amigo secreto do pessoal da firma. É de couro e...
- Olha aí, ó. Já tá mudando de assunto.
- Foi o senhor quem falou na pastinha.
- Não queira me confundir. Vocês são assim mesmo.
- Vocês quem?
- Os suspeitos.
- Ih, agora virei suspeito. Antes estava só em atitude suspeita. Agora já sou suspeito. Qual é o critério de vocês?
- Qual é o quê?!
- O critério.
- Não vem com esta de falar bonito pra cima da gente. Que critério é esse?
- Epa. Não vale, eu perguntei primeiro.
- Perguntou o quê?
- Do critério. Como é que vocês saem assim, pedindo documentos para o primeiro cidadão que encontram olhando o movimento?
- Qualquer um, não. Só para os suspeitos. Documentos.
- De suspeito?
- Como assim de suspeito?
- Ué, eu não sou suspeito?
- É.
- Então. O senhor quer documento de suspeito. De suspeito, não tenho.
- Você está querendo nos enganar. Esta tática é velha. Própria dos que andam em atitude suspeita. Queremos ver os documentos.
- Acho que não estamos nos entendendo. Que documentos afinal o senhor quer?
- Os de suspei... não. Péra aí. Viu? Você nos confundiu. Queremos ver os seus documentos. Carteira de identidade, CIC, estas coisas...
- Serve título de eleitor?
- Não. Título de eleitor só para votar.
- E preencher ficha.
- Que ficha?
- Ora, qualquer ficha. Nas lojas, por exemplo. Nas lojas pedem o título.
- É, mas a gente não é da loja. Somos da polícia.
- Eu sei. Vocês preenchem outras fichas.
- Que fichas, pelo amor de Deus?
- As fichas corridas.
- Ahá! Não disse? Você tem culpa no cartório.
- Cartório?
- É, no cartório. Só quem tem culpa no cartório é que tem ficha corrida.
- Mas eu não tenho ficha corrida!
- Ah, agora vai negar. Acabou de dizer que tem ficha corrida.
- Eu?! Eu disse que tenho culpa no cartório. Não! Ficha no cartório!
- Tá nervosinho, é?
- Claro. Vocês chegam assim, sem mais nem aquela e...
- Aquela quem?
- É uma maneira de dizer. O senhor está complicando.
- Você é que está complicado. Agora vai ter que explicar que história é essa de culpa no cartório.
- Ficha.
- Que seja. Que história é esta de ficha?
- Todo mundo tem ficha no cartório.
- Mas então é uma quadrilha.
- Que quadrilha?
- A dos que tem ficha no cartório. Pensa que não ouvimos?
- Mas até o senhor tem ficha no cartório.
- Eu?! Você tá ficando louco. Isso é uma acusação grave.
- Da ficha?
- Lógico. Em atitude suspeita, com uma pastinha só com um título de eleitor dentro, e nos acusando de ser da sua quadrilha. Você é muito suspeito.
- Olha aqui, eu estava só olhando o movimento.
- Viu? Entregou-se. Teje preso!
- Preso?
- Claro. Querendo enganar uma autoridade! Que movimento você tá olhando, se não tem movimento nenhum a esta hora, hein? Vamos pra delegacia.
- E qual é a acusação?
- Não interessa, espertinho. Com a ficha que você tem... tá preso e acabou. Vamos lá, e não esquece de trazer esta pastinha, que ela também é muito suspeita.
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