segunda-feira, 3 de maio de 2010

CRÔNICAS REPETITIVAS

RIMAR É BOM? RIMAR É RUIM?

Paulo Wainberg

Dom Cardume jurou de morte
Capo Dentinho,
chefe da família rival,
bandido sedutor e formoso
como nunca se viu igual.
Por ciúme.

Convocou Kid Legume,
seu capanga mais fiel,
violento e brutal,
sempre ansioso de passar o gume do punhal
em carnes nobres, de gente ou animal.

Dom Cardume amava Capitela,
a donzela com gosto de mel, motel
e sarapatel.
Quando estava com ela
sentia-se no céu
e longe do perfume dela
sofria de ciúme cruel.

Quando percebia Capo Dentinho,
com maroto jeitinho,
para Capitela arrastar a asa,
tinha assomos e chiliques,
desses de destruir a casa.

Além disso, o desafeto
dominava um território
que Dom Cardume
desejava ardentemente:
o Seleto Estuário,
xodó da comunidade,
onde o dinheiro fluía
abundantemente
para a aquisição do material
vendido à supina,
mas sem qualquer vergonha:
cocaína e maconha.

“Suprimindo o inimigo”,
pensava Cardume consigo,
“os negócios ficam todos comigo”.
Orgulhoso da própria finura
relatou o plano a Legume
sem omitir a mistura
e terminou, às gargalhadas:
– Mato um coelho com duas cajadadas.

Kid Legume sorriu azedo.
Um sorriso?
Não, um arremedo.
Seu punhal ia falar cedo,
muito cedo.

Entretanto Capitela,
de origem portuguesa,
cuidando da vida dela,
não dava sorte ao azar:
“Com um dos dois hei de ficaire,
afinal eu mereiço”
e para ambos dava trela,
levando a parelha no beiço.

Capo Dentinho,
que para bobo não servia,
também tinha seus segredos,
vislumbres e devaneios.
Dar cabo de Dom Cardume
era um dos meios para,
sem muita balela,
ficar com a donzela e
com aguda proficiência
eliminar a concorrência.

Convocou para a missão
Joe “Scare” Burburinho,
seu comparsa terminal,
homem cujos bofes maus,
famosos até em Macau,
jamais prestava socorro,
gato em árvore matava,
não tirava boi do morro
e nada achava mais lindo
do que o sangue,
quando jorrava.

Naquela noite fatídica,
Dom Cardume saiu do alfaiate
e foi para a boate.
E Capo Dentinho,
depois de tomar um mate,
foi para a mesma boate.

Capitela dançava o número dela:
strip-tease à capela.

Dom Cardume babava
e Capo Dentinho envesgava.
O corpo de Capitela,
por ambos frequentado,
era de não botar defeito,
de passar a mão com jeito,
de enlouquecer a clientela
do mais fino ao ordinário.

Cada homem ali presente,
mais ou menos perdulário,
suando no próprio bafo,
desejava ardentemente
nela passar o sarrafo ou,
como se diz no popular,
sem medo de vexame
ou de ser vulgar,
enfiar-lhe o salame .

Dom Cardume e Capo Dentinho,
olhando-se de soslaio,
imaginavam o outro
no fundo de um balaio
recheado com cimento,
duro, cinzento e frio,
em repouso e quietinho,
lá no fundo do rio.

Com o dedo indicador,
Dom Cardume deu a ordem
e Kid Legume avançou.

Com o dedo mindinho,
deu a ordem Capo Dentinho,
e Joe “Scare” Burburinho avançou.

Capitela lá no palco,
esfregando o mastro ou pau,
percebeu a calamidade
e amoleceu
tal qual mingau,
sabendo que era aquela
a hora da verdade.

Kid e Joe, frente a frente,
mostraram um ao outro
o que é ser cabra valente.
Caíram juntos no chão,
Kid com um tiro no peito,
Joe com o peito desfeito.

Ao seguir da confusão
um bafafá alarmante,
Cardume saiu por um lado,
Dentinho pelo outro,
para evitar o flagrante.

Naquela noite agitada,
quando quase não dormiu,
Dom Cardume tomou uma decisão
e na manhã seguinte,
bem cedinho
e apesar do frio,
convocou Capo Dentinho
para uma reunião.

Mal ele chegou
e sentou,
Dom Cardume depôs nele
um olhar gelado,
daqueles de tirar o brio.

Capo Dentinho devolveu
com um cinzento,
de causar calafrio.

Durante cinco minutos
se encararam,
em silêncio.
Então a ficha caiu
para os dois,
no mesmo momento.

Dom Cardume sorriu
e Capo Dentinho remexeu,
como se seus cabelos
estivessem
pelo vento agitados.
Perceberam que estavam
mutuamente apaixonados.

Ninguém sabe descrever
a loucura que seguiu:
abraços voluptuosos,
beijos linguados,
mãos nos lugares volumosos,
ofegos candentes,
uis e ais pungentes,
tremeliques, calafrios
e alucinantes desvarios.

Nunca mais brigaram
e em amorosa paz viveram
como um casal de sabiás
canoros,
enfeitando o crime organizado
com seu doce arrulhar
sonoro.

Capitela,
pobre dela,
ficou a ver navios.

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