A BELA DE BRASILIA
João Eichbaum
Ela passou rente a mim, cheirosa, com seus passos de leoa bela, olhando para a frente, fazendo caminho entre o povo que, entregue ao vazio da espera, fazia fila com cara de abestalhado, num porão sem janelas, sem ar corrente e sem a luz do sol, que servia como “sala de embarque” no aeroporto de Brasília.
Era uma mulher simplesmente bela. Uso o advérbio de propósito: simplesmente. Porque não necessitava de adereços, de maquiagem, de brincos e correntes, de unhas ardentemente vermelhas, de “pearsons, Era simplesmente bela, repito. A beleza estava nela mesma, naquele olhar duro, alheio aos idiotas que se postavam na fila, sabe-se lá quanto tempo antes do embarque. Era uma mulher tão bela, que existiu um só instante, mas permaneceu para sempre.
Primeiro me pareceu loira. Depois, examinando-a com uma observação lúbrica, vi que não era uma loira original, mas uma castanha clara, com fios dourados, que certamente haviam sido preparados num salão de beleza. A pele, essa sim, não era produto de maquiagem, mas uma pele verdadeira, clara e macia, parecendo polpa de maçã. Os olhos, acentuadamente negros, ofereciam o contraste perfeito para os fios dourados dos cabelos.
Pelos meus cálculos, já havia passado bem dos trinta. Não era nenhuma moçoila, nem gatinha descompromissada, mas tinha um corpo que imantava a qualquer homem: fofa, sem ser gorda; elegante, sem ser magra; coxas carnudas, bunda fornida, bem desenhada pela calça de brim, que não deixava um pedacinho de carne sequer, sem desenho. A blusa clara, solta, lhe escondia discretamente os seios, mas não impedia de lhes revelar a forma: eram grandes e duros.
Passou por mim, - dizia eu - de cenhos franzidos. E voltou, de cenhos franzidos, sem esconder sua beleza, e se postou próxima ao fim da fila, felizmente numa posição em que pude admirar seu rosto, sempre franzido, sem deixar de ser belo.
Ali, naquela posição ficou, por um tempo longo, mas para mim insuficiente, porque sua beleza superava a qualquer dimensão de tempo.
Viajamos no mesmo voo. Duas fileiras adiante lá estava ela e, em São Paulo, foi a primeira a se postar no corredor, para desembarcar, sem bagagem de mão alguma, apenas uma bolsinha de tamanho insignificante.
Eu nunca havia visto uma mulher tão linda e, ao mesmo tempo, tão carrancuda. Mas parecia que sua carranca era produzida especialmente para espantar as cantadas, as aproximações inconvenientes, os bobalhões e belos de plantão.
Que faria uma mulher daquelas entre Brasília e São Paulo?
Um executiva? Não. Uma executiva veste terninho, e usa o celular a todo o momento. Uma mãe aflita? Não. Ela não tinha jeito de mãe aflita, nervosa, com respiração curta, ansiosa, dessas que ficam a apertar um crucifixo contra os magníficos ubres. Uma filha, chamada ao leito de morte da mãe? Também não: não demonstrava desespero, nem impaciência, nem rezava por alma nenhuma.
Então, só restava uma hipótese: era a amante de um deputado, ou senador, ou ministro dos tribunais de Brasília, que ia a São Paulo, para quebrar qualquer galho pro seu amante e chefe. Por isso estava de cenho franzido: para não receber cantadas, para preservar o seu emprego na cama do deputado, do senador, ou do ministro.
Coisas comuns em Brasília, a corte.
Essa conclusão foi o meu consolo, ao vê-la descer apressada, rebolando discretamente aquela bunda carnuda e deixando um enorme vazio no avião cheio de gente.
É por isso, gente! É por isso que tanto marmanjo quer ser deputado, senador, ministro de tribunal, assessor de porra nenhuma ou até presidente da república, se não tiver coisa melhor: pra comer belas mulheres em Brasília, à nossa custa.
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