NO MUNDO DO FUTEBOL
Paulo Wainberg
A melhor análise que já vi sobre a ‘inteligentzia’ futebolística brasileira – isto é, a crônica esportiva – foi feita por Dunga, técnico da seleção na copa de 2010:
“Se a seleção ganha não vale, porque jogou mal; se a seleção ganha e joga bem não vale, porque não deu espetáculo; se a seleção ganha, joga bem e deu espetáculo não vale, porque o adversário era fraco; e se a seleção perde, o técnico é burro”.
O que dizer?
Pois é exatamente assim que a imprensa nacional, como um todo, opina sobre futebol e, principalmente sobre a Seleção.
Em todas as mídias.
A repetitiva e pobre cobertura das redes de televisão dá sono: torcidas festejando, torcidas chorando, restaurantes-torcida de todas as cores, casa de jogadores com mães, tios e irmãos torcendo, beira do mar, na serra, na cidade, entra ano, sai ano, entra copa do mundo, sai copa do mundo, é sempre a mesma cena, numa brutal falta de imaginação dos programadores e produtores.
Os programas esportivos, então, são de doer. Diariamente, após os jogos, as mesmas caras, as mesmas figuras carimbadas e as mesmas opiniões eivadas de parcialidade para o bem e para o mal, dependendo do time para o qual torce o respeitável comentarista, do jogador que ele queria que estivesse jogando, do jogador que ele não queria que estivesse jogando.
O que me leva, aqui D’El Rey!, ao restrito âmbito, intelectual, dos comentários esportivos.
A primeira coisa que um venerável comentarista esportivo faz é mudar o nome das posições dos jogadores, para explicar os sistemas táticos empregados pelos técnicos.
Os antigos centro-médios, meias-direita e meias-esquerda são hoje conhecidos como volantes.
De acordo com a nova terminologia, os volantes se distinguem por duas categorias: os volantes de contenção e os volantes de armação.
Raramente vemos um time com dois volantes de armação. Isso torna o time muito ofensivo e deixa desprotegida a zaga, antigamente conhecida como a defesa.
Portanto os times jogam com dois volantes de contenção e apenas um, de armação.
O que significa que os volantes de contenção protegem a zaga mas devem ter ‘qualidade’ para rapidamente sair no contra-ataque, através, é claro, do volante de armação.
Marquei de propósito a palavra ‘qualidade’, a da moda, utilizada pelos comentaristas: o jogador, ou tem ou não tem qualidade. E isto é definitivo!, jogo a jogo.
O mesmo jogador que no jogo anterior não tinha qualidade, neste pode ter. Quando o jogador erra o passe, é porque não tem qualidade. Quando acerta, dependendo ainda das idéias pré-fixadas do comentarista da ocasião, foi por acaso ou... porque tem qualidade.
Mas como? No jogo anterior não tinha qualidade e agora passou a ter? Como foi isso? Em menos de uma semana?
Os antigos laterais – esquerdo e direito – foram promovidos a alas.
O ala é esquerdo e direito e sua função é mais de atacar do que defender.
Como, segundo os comentaristas, futebol não tem mais ponteiros, limitando-se o ataque a um centroavante e até um ‘atacante de chegada’, diferente do centroavante, que ‘fica mais enfiado’, cabe aos alas a função de, quando o time ataca, fazer as vezes de ponteiros e, quando se defende, as de laterais.
Simples assim, bem como estou dizendo.
Você, minha ilustre senhora, meu erudito senhor, está percebendo.
Os alas são utilizados quando o esquema é três cinco dois. No esquema quatro dois quatro usam-se os velhos laterais.
Segundo nossos analistas esportivas, os dois esquemas acima podem ter suas variantes e um time, dependendo das circunstâncias do jogo, pode alternar para um três sei um, passando por quatro três três ou, na hora da afobação, quando se põe a técnica de lado e se apela para o chuveirinho, um dois oito, embora o mais tradicional seja a armação com duas linhas de quatro, um volante saindo pela direita, outro pela esquerda e o terceiro mais fixo, protegendo o quarto zagueiro.
Gostam, nossos comentaristas, de utilizar seus conhecimentos de psicologia aplicada, tecendo observações sobre a disposição anímica do time, identificando desleixos, desinteresses e, até mesmo, uma certa indolência, quando a auto estima cai e o aspecto anímico transcende, recomendando ou douto interprete, quando isso acontece, o acompanhamento de um psicólogo ou o uso de um técnico motivacional para melhorar animicamente a equipe.
É, como se vê, uma simples questão de filosofia de futebol, geralmente adotada pelo treinador que, por definição é teimoso, burro, com idéias pré concebidas em busca do equilíbrio do time, isto é, firme na defesa, criativo no meio do campo e eficaz no ataque.
Segundo a nomenclatura vigente, calhou um lateral de fazer gol e... vira ala. Calhou de um ala de tirar uma bola de dentro da própria área... vira lateral, na cobertura ao zagueiro.
Nesse emaranhado tecnológico tergiversam narradores, comentaristas, repórteres, técnicos e... jogadores de futebol.
Falei em repórteres? Sim, falei. E, tendo falado, entro no campo das reportagens e entrevistas esportivas.
Em geral são da espécie salvadordaliniana, a mais inacreditável delas feita por repórteres de rádio que narram a descida dos jogadores do ônibus, na chegada do estádio:
– Aí vem fulano, passou beltrano, logo atrás o preparador físico, em seguida, muito ovacionado, sicrano...
E eu, ouvinte atento, fico assim com a perfeita noção de tudo o que está se passando, antes do jogo.
Acredito, piamente, que se eu não souber a ordem da descida dos jogadores do ônibus, metade da graça da partida se perderá.
Ou no meio da torcida que está perdendo o jogo:
– E aí, meu? Tá feia a coisa hein? Dá pra reverter?
– Reverter como, cacete? Tá quatro a zero pra eles! Tem que mudar essa diretoria, mandar embora esses jogadores de merda...
– Opa, opa, olha a educação, desculpe ouvinte, tem gente que...
Ou no meio da torcida que está ganhando:
– E aí meu, contente com o resultado?
– É isso aí!!!! Vamo ser campeão!!!! Dááááá-lhe....!!!!!
Eu, ouvinte assíduo, fico feliz em saber como se sentem os perdedores e os ganhadores, numa demonstração de que reportagem esportiva é, também, psicologia.
Entrevista com jogador no final do jogo, pouco mais do que lamentavelmente não, agora é erguer a cabeça e pensar na próxima, é isso aí o time jogou bem e fomos felizes nas conclusões, informou Praxedes, a pomada que não deixa seu saco assar!!!!
Tem também o repórter de televisão, fazendo entrevistas com a torcida que almoça no restaurante, durante o jogo, e assiste pelo telão:
– Estamos aqui no restaurante Xis onde uma grande torcida está reunida, aproveitando o jogo para fazer uma boquinha. O senhor aqui, essa senhora é sua esposa?
– Namorada.
– Veja só, que beleza. Ele e a namorada torcem juntos. O que vocês estão comendo? Deixa eu ver. Olha só fulano (fulano é o narrador), estão comendo peixe. Vocês gostam de peixe?
E aponta o microfone para a moça:
– Adoro.
– Que peixe é esse?
– Sei lá.
– Mas tá bom, né?
– Muito.
– É isso aí, Galvão, diretamente do restaurante Xis para os nossos telespectadores.
E o narrador, quando a câmera volta para ele:
– Muito bom, fulano (fulano é o repórter). Excelente. Você nos traz uma imagem nítida de como este jogo é importante.
Eu, inarredável telespectador, me regozijo com mais essa manifestação de cultura popular.
Agora, meu caro neófito futebolístico, você possui os ingredientes indispensáveis para uma boa cobertura de um jogo de futebol, da chegada dos jogadores aos programas posteriores, terminando tudo com a inefável classificação do campeonato, após mais uma rodada.
Pessoalmente, o que mais gosto é ouvir os analistas de arbitragem. Em geral, ex-juizes de futebol aposentados, mestres em identificar erros e acertos do juiz do jogo, após assistir dez vezes o mesmo lance, por diversos ângulos e closes, pela televisão.
Esses, detêm a impressionante média de cem por cento de acerto, esclarecendo-nos, após os replays, o que aconteceu no lance que o juiz do jogo teve que resolver na hora, numa fração de segundo.
E como eles gostam quando o juiz erra.
O tira-teima, que o juiz do jogo não dispõe, é a gloria dos comentaristas de arbitragem.
Tudo a dar mais colorido à transmissão.
Eu, assistente integral, concordo plenamente. Mesmo que eu também tenha visto que foi impedimento, não ouso afirmar que foi sem o abalizado parecer do comentarista de arbitragem que viu a mesma coisa que eu, na TV.
E sem remorso resmungo: - Juiz ladrão!
Existem, também, a alegrar nosso futebol, os narradores telepatas, que nos dizem, com precisão absoluta, o que o jogador pensou, quando executou ou não determinado lance. Que nos esclarecem a mais sutil das intenções do centroavante, ao dominar a bola pela esquerda e cruzar para área com muita força, justo para onde não havia ninguém para receber o cruzamento. Ou que tentaram o cruzamento e acabaram acertando o gol.
Adoro quando o narrador me informa que fulano, na verdade, tentou erguer a bola para a grande de área e, sem querer, marcou o gol.
Entendo, com clareza meridiana que o tal jogador NÃO queria fazer o gol, ele queria outra coisa. Por azar errou e fez o gol da vitória do seu time.
Coitado.
Duas horas da manhã? Vá para a cama, rapaz, amanhã é segunda-feira, você tem que trabalhar.
Mais inacreditavelmente surreal do que as coberturas esportivas, só conheço uma coisa: narração, em rádio, de desfiles de carnaval.
Por aqui tem.
E, impressionantemente, funciona.
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