De Antonio Bemfica, do Canadá, recebo comentário sobre crônica passada, na qual discuto o projeto de lei de um deputado comunista do Rio Grande do Sul, que pretende policiar a língua:
Assunto interessante esse, Janer. Infelizmente a tua obsessão em analisar as coisas sob uma ótica anticomunista diminui o impacto da crônica (presumo que desejes obter o efeito oposto, ou talvez nem notes isso...). Já ouviste aquela máxima que diz "Nunca atribua à malícia o que pode ser adequadamente explicado pela estupidez"? Também vale nesse caso!Mas voltando ao assunto original, acho que desconheces as leis sobre língua francesa na província de Québec, no Canadá. Em conjunto são conhecidas como "loi 101" (apesar de em verdade serem mais de uma lei) e formalmente como "Charte de la langue française". É a lei que estabelece a primazia do francês como língua de Québec e define em detalhe regras tais como a que exige que em placas e sinais comerciais o texto em francês seja sempre maior de que o texto em qualquer outra língua ou que requer que atendentes no comércio interpelem ou cumprimentem clientes sempre em francês primeiro, mesmo em regiões em Québec nas quais o inglês predomina. Existe também, é claro, o Office québécois de la langue française, que é o órgão que faz cumprir a lei, recebe reclamações públicas, recomenda vocabulário francês equivalente aos termos ingleses comuns no francês (bem como o deputado aí no Sul quer), etc. Outra das funções do órgão é promover "la francisation". Veja lá: "... la Charte oblige les entreprises employant 100 personnes ou plus au Québec à s’engager dans une démarche de francisation et à instituer un comité de francisation".A lei 101 é de 1977 e foi já contestada na Suprema Corte daqui, que decidiu que a lei é inconstitucional. O sistema federalista canadense é meio complicado, e um dos privilégios das províncias é o de poder invocar a cláusula "não-obstante" em casos como esse. "Não obstante" ser a lei 101 inconstitucional, é facultado ao governo de Québec não rescindi-la. Por isso a cada quatro anos a lei deve ser re-aprovada pela assembléia de Québec. Atenção, nos sites do governo de Québec vais encontrar termos como "Assemblée nationale", que não se refere ao parlamento canadense, mas sim à legislatura provincial de Québec, que se considera como nação e usa o termo "national" com certa liberalidade.Bom proveito, Antonio
Meu caro Antônio:Para começar, não vejo nenhum demérito em ser anticomunista. Vinte anos depois da queda do Muro de Berlim, o mundo está repleto de neo-anticomunistas. Eu era anticomunista uns bons trinta anos antes da queda do Muro. Ou seja, há meio século. Nos anos 60, qualquer pessoa honesta que tivesse um mínimo de informação histórica não podia ser comunista. Se era, no fundo se tratava de um oportunista que queria extrair dividendos do prestígio pós-guerra da tirania.Continuando, os três políticos que tentaram policiar a língua no Brasil – Aldo Rebelo, Luiza Erundina e Raul Carrion – são comunistas. Não há de ser por mera coincidência. Comunistas gostam de reger a vida toda do cidadão, inclusive seu modo de falar. Isto foi genialmente abordado por George Orwell, em 1984, ao criar o conceito de novilíngua.
Adelante! Desde há muito há um conflito entre o Quebec e o Canadá. O Quebec é a maior província do país. Cerca de 80% da população do Quebec tem origens francesas, em contraste com as outras províncias do país, cujos habitantes são em sua maioria descendentes de ingleses ou escoceses. Há uma outra distinção de origem religiosa. Enquanto o Quebec é majoritariamente católico, o Canadá é protestante. Ou seja, há um choque de culturas. Não é o caso do Brasil.
Seja como for, a Charte de la Langue Française recomenda o emprego da língua francesa. Não o torna compulsório. Se o artigo 7º da Carta diz que o francês é a língua da legislação e da justiça, diz também que os projetos de lei são impressos, publicados e adotados em francês e inglês e as leis são impressas e publicadas nas duas línguas. O francês e o inglês podem ser utilizados em pé de igualdade nos tribunais do Quebec e os julgamentos devem ser traduzidos em uma e outra língua, conforme o pedido das partes. O que me parece muito normal em uma província bilíngüe. Não é o caso do Brasil. O nhengatu morreu com o marquês de Pombal.
Por outro lado, o francês é obrigatório nos cartazes e na sinalização do tráfego. O projeto gaúcho pretende regulamentar a propaganda, publicidade ou meio de comunicação por meio da palavra escrita sempre que houver em nosso idioma palavra ou expressão equivalente. O que gera uma pergunta interessante: os jornais do centro do país serão proibidos de atravessar o Mampituba? Pago para ver.
Pergunto a meu interlocutor se há legislação semelhante no Canadá: "Existem, claro, leis que definem as línguas oficiais do país e de cada província ou que garantem acesso a educação e serviços para minorias linguísticas, etc., mas legislação como essa de Québec, para proteger e regulamentar o uso da língua, só existe lá, e só quanto à língua francesa".
Nacionalismos tacanhos, eu diria. Em função de nacionalismos tacanhos, a Espanha vive problema semelhante. Que no Parlamento europeu se falem 23 línguas se entende. Se em 1958 lá se falavam as quatro línguas dos seis países fundadores, (alemão, francês, italiano e holandês), a Comunidade Européia inchou. Em 1973, foram acrescentados o inglês, o dinamarquês e o irlandês. Em 1981, foi a vez do grego, espanhol e o português. Em 1986, o finlandês, em 1995, o sueco. Em 2004, o estoniano, o húngaro, o letão, o lituano, o maltês, o polaco, o checo, o eslovaco e o esloveno. Desde janeiro de 2007, com a adesão da Romênia e da Bulgária, a União Européia conta oficialmente com 23 línguas. Até aí, muito compreensível.
Difícil de entender é a decisão do Senado espanhol, que autorizou debates nas cinco línguas distintas do país, com intérpretes convertendo suas palavras em um idioma que todos falam perfeitamente: o espanhol castelhano. A iniciativa de permitir que os senadores falem em catalão, galego, valenciano e basco converteu a Casa em uma torre de Babel. Em nome de nacionalismos tacanhos, os políticos fingem agora que não entendem a língua-mãe e fazem teatro falando línguas regionais.De acordo com a mídia espanhola, os 25 intérpretes necessários para converter as diferentes línguas em castelhano custam ao Senado € 12 mil por dia (R$ 27 mil), ou € 350 mil por ano (R$ 795 mil). O que talvez explique a motivação do comunossauro gaúcho. Depois da criação de cursos de tradutor e intérprete nas universidades, uma larga faixa de acadêmicos caiu na vala do desemprego. Como comunista adora uma boquinha estatal, crie-se uma lei para dar emprego aos desocupados.
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