A UTILIDADE OU NÃO DE VOTAR
Por Renato Sant’Ana
Colunista convidado da Folha de S.
Paulo, Joel Pinheiro da Fonseca (economista e mestre em filosofia) publicou
artigo intitulado "Votar não faz sentido", título que exprime a tese
da coluna. Embora não contundente, ele dissemina a descrença: "O voto não
decisivo é estritamente inútil." Daí, esta questão análoga: "Que mal
há em jogar meu lixo no rio, se eu sozinho não posso causar nenhum impacto
ambiental?"
Ora, parece plausível o paralelo: se
"votar não faz sentido" porque um voto não pode mudar a realidade,
então, considerando que uma pessoa sozinha não vai degradar o planeta, ninguém
poderia ser censurado por achar que pode jogar o lixo em qualquer lugar, atropelando
o imperativo de preservar o ambiente.
Para ser justo, advirto que seu artigo
nada tem de vulgar, abordando tópicos interessantes. E talvez haja tido ele
pouca sorte, já que pôs em dúvida o "sentido" de votar no dia exato
em que as urnas deram um recado muito claro e insofismável ao PT. Se não,
vejamos. Comparado com o desempenho dos demais, o número de prefeitos eleitos
pelo PT em todo o Brasil faz que o partido haja encolhido para o DÉCIMO LUGAR!
Afirma Fonseca ser difícil sustentar a
racionalidade do voto, eis que, para o eleitor, só vale a pena o esforço de
votar se o voto alterar o resultado final: "Se for ficar tudo na mesma,
votar é irrelevante."
A vida pensada exclusivamente do ponto
de vista individual é bem assim! Já a noção de ser parte de uma comunidade traz
outra perspectiva. Entra aqui um aspecto conflitante com a opinião do texto: é
ingenuidade acreditar num controle racional da vida, da sociedade, ou do que
quer que englobe a complexidade das relações humanas. Ao longo da história,
toda tentativa nesse sentido redundou em assombrosos espetáculos de
irracionalidade. Não é caso de desvalorizar o exercício da razão, mas conclamar
a que sejamos mais humildes, reconhecendo nossas limitações e abdicando de
pretender um racional controle de tudo.
Ademais, ao reconhecer a
impossibilidade de tal controle, compreendemos que muito de nossas relações
baseia-se em crenças. Destruí-las, simplesmente, como pretendem ideologias
totalitárias, é desumano. Posto isso, fica mais fácil aceitar a existência de
uma crença positiva no "exercício do voto": no mínimo, é melhor
acreditar que desdenhar. Ou seriam uns tolos aqueles milhões de brasileiros
que, um dia, lutaram pelas "diretas já!"?
Mas Fonseca não deixa por menos:
"Nas urnas quem manda é a irracionalidade. O melhor que a razão pode fazer
é, talvez, eliminar candidatos francamente inaptos e corruptos." Pode ser.
Não foi o que se viu nestas eleições? Milhões de brasileiros, quem sabe muitos
sem uma compreensão cabal dos fatos, expressaram sua rejeição ao PT, a seu
projeto de impor uma hegemonia e sua estratégia de transformar a corrupção em
método para tomar o poder.
Registre-se. É muito grande o número
dos que votaram em branco, anularam o voto ou simplesmente se abstiveram. São
brasileiros que, descrentes, se recusaram a tomar parte em um singular evento
histórico - como a dizerem "se não sou protagonista, então prefiro não
participar!". Aliás, embora os considere equivocados, aprendi a ter-lhes
respeito. Mas, oxalá, o resultado das urnas haja estimulado alguns a se
descobrir em parte de uma comunidade e a acreditarem no valor de sua contribuição
- pequena que seja. Praticar a generosidade é sempre Melhor do que ser tacanho,
agindo conforme as pistas que cada momento oferece (e só o coração interpreta),
praticando ora grandes gestos, ora simples acenos de humildade. Aí está uma
crença positiva! Aí está uma baliza para a vida!
Faz sentido, sim, votar. E pode ser um
ato de bondade. Também tem pleno sentido, se condimentada com humilde apego à
verdade, a crença em que o empenho por ser racional qualifica nosso voto,
aproximando-nos da verdade, da justiça e da convivência fraterna.
Renato Sant'Ana é Psicólogo e Bacharel
em Direito.
Fonte: Alerta Total