quinta-feira, 6 de outubro de 2016

A UTILIDADE OU  NÃO DE VOTAR

Por Renato Sant’Ana

Colunista convidado da Folha de S. Paulo, Joel Pinheiro da Fonseca (economista e mestre em filosofia) publicou artigo intitulado "Votar não faz sentido", título que exprime a tese da coluna. Embora não contundente, ele dissemina a descrença: "O voto não decisivo é estritamente inútil." Daí, esta questão análoga: "Que mal há em jogar meu lixo no rio, se eu sozinho não posso causar nenhum impacto ambiental?"

Ora, parece plausível o paralelo: se "votar não faz sentido" porque um voto não pode mudar a realidade, então, considerando que uma pessoa sozinha não vai degradar o planeta, ninguém poderia ser censurado por achar que pode jogar o lixo em qualquer lugar, atropelando o imperativo de preservar o ambiente.

Para ser justo, advirto que seu artigo nada tem de vulgar, abordando tópicos interessantes. E talvez haja tido ele pouca sorte, já que pôs em dúvida o "sentido" de votar no dia exato em que as urnas deram um recado muito claro e insofismável ao PT. Se não, vejamos. Comparado com o desempenho dos demais, o número de prefeitos eleitos pelo PT em todo o Brasil faz que o partido haja encolhido para o DÉCIMO LUGAR!

Afirma Fonseca ser difícil sustentar a racionalidade do voto, eis que, para o eleitor, só vale a pena o esforço de votar se o voto alterar o resultado final: "Se for ficar tudo na mesma, votar é irrelevante."

A vida pensada exclusivamente do ponto de vista individual é bem assim! Já a noção de ser parte de uma comunidade traz outra perspectiva. Entra aqui um aspecto conflitante com a opinião do texto: é ingenuidade acreditar num controle racional da vida, da sociedade, ou do que quer que englobe a complexidade das relações humanas. Ao longo da história, toda tentativa nesse sentido redundou em assombrosos espetáculos de irracionalidade. Não é caso de desvalorizar o exercício da razão, mas conclamar a que sejamos mais humildes, reconhecendo nossas limitações e abdicando de pretender um racional controle de tudo.

Ademais, ao reconhecer a impossibilidade de tal controle, compreendemos que muito de nossas relações baseia-se em crenças. Destruí-las, simplesmente, como pretendem ideologias totalitárias, é desumano. Posto isso, fica mais fácil aceitar a existência de uma crença positiva no "exercício do voto": no mínimo, é melhor acreditar que desdenhar. Ou seriam uns tolos aqueles milhões de brasileiros que, um dia, lutaram pelas "diretas já!"?

Mas Fonseca não deixa por menos: "Nas urnas quem manda é a irracionalidade. O melhor que a razão pode fazer é, talvez, eliminar candidatos francamente inaptos e corruptos." Pode ser. Não foi o que se viu nestas eleições? Milhões de brasileiros, quem sabe muitos sem uma compreensão cabal dos fatos, expressaram sua rejeição ao PT, a seu projeto de impor uma hegemonia e sua estratégia de transformar a corrupção em método para tomar o poder.

Registre-se. É muito grande o número dos que votaram em branco, anularam o voto ou simplesmente se abstiveram. São brasileiros que, descrentes, se recusaram a tomar parte em um singular evento histórico - como a dizerem "se não sou protagonista, então prefiro não participar!". Aliás, embora os considere equivocados, aprendi a ter-lhes respeito. Mas, oxalá, o resultado das urnas haja estimulado alguns a se descobrir em parte de uma comunidade e a acreditarem no valor de sua contribuição - pequena que seja. Praticar a generosidade é sempre Melhor do que ser tacanho, agindo conforme as pistas que cada momento oferece (e só o coração interpreta), praticando ora grandes gestos, ora simples acenos de humildade. Aí está uma crença positiva! Aí está uma baliza para a vida!

Faz sentido, sim, votar. E pode ser um ato de bondade. Também tem pleno sentido, se condimentada com humilde apego à verdade, a crença em que o empenho por ser racional qualifica nosso voto, aproximando-nos da verdade, da justiça e da convivência fraterna.


Renato Sant'Ana é Psicólogo e Bacharel em Direito.
Fonte: Alerta Total


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