A IMACULADA HONRA
DO GILMAR MENDES
João Eichbaum
O sistema funciona assim: os políticos escrevem a Constituição e
botam a toga de ministro do Supremo em seus apadrinhados, escolhidos a dedo
para interpretá-la. E não é preciso desenhar aqui o tipo de gente que compõe o
Legislativo brasileiro: o recente processo de impeachment mostrou - como diz o
povão, “ao vivo e a cores” - a estatura cultural e moral daquelas figuras.
A Constituição brasileira, como não poderia deixar de ser, é a
cara de quem a escreveu: uma colcha de retalhos, na qual pouco espaço sobra
para a ciência do Direito Constitucional. No meio de normas específicas da
constituição do Estado, foram enxertadas miudezas do dia a dia, próprias da
legislação ordinária.
Por exemplo, “o direito à indenização pelo dano material ou moral”,
usado por Gilmar Mendes contra a atriz e apresentadora Mônica Iozzi. A moça o
havia criticado, porque ele tinha mandado soltar um autor de 52
estupros, condenado a 278 anos de prisão. Como jornalista, ela profligou esse estupefaciente absurdo, usando de sua “liberdade de manifestação
de pensamento”, também assegurada na mesma Constituição.
Se soubesse separar o Direito Constitucional da
lei ordinária, o juiz não teria condenado Mônica Iozzi, como a condenou, ao
pagamento de 30 mil reais em favor de Mendes. O magistrado teria ido ao Código
Civil para examinar o direito invocado tanto pelo ministro como pela defesa da
moça.
Os princípios constitucionais não se submetem
ao rito do processo civil, nem exigem prova, porque não se confundem com as
picuinhas do cotidiano, como as ofensas pessoais. Mas, nem todos os juízes
conseguem se livrar da estupidez jurídica que se alastra pela Constituição
brasileira, misturando alhos com bugalhos.
E aí acontece isso: a honra do Gilmar Mendes é
tão diáfana, tão transparente, tão tênue, tão intocável, como um hímen de
virgem. Contra ela, resguardada para os encantos do poder, não prevalecem os
princípios constitucionais que asseguram ao cidadão comum o direito de opinião.
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