terça-feira, 11 de outubro de 2016

A IMACULADA HONRA DO GILMAR MENDES
João Eichbaum

O sistema funciona assim: os políticos escrevem a Constituição e botam a toga de ministro do Supremo em seus apadrinhados, escolhidos a dedo para interpretá-la. E não é preciso desenhar aqui o tipo de gente que compõe o Legislativo brasileiro: o recente processo de impeachment mostrou - como diz o povão, “ao vivo e a cores” - a estatura cultural e moral daquelas figuras.

A Constituição brasileira, como não poderia deixar de ser, é a cara de quem a escreveu: uma colcha de retalhos, na qual pouco espaço sobra para a ciência do Direito Constitucional. No meio de normas específicas da constituição do Estado, foram enxertadas miudezas do dia a dia, próprias da legislação ordinária.

Por exemplo, “o direito à indenização pelo dano material ou moral”, usado por Gilmar Mendes contra a atriz e apresentadora Mônica Iozzi. A moça o havia criticado, porque ele tinha mandado soltar um autor de 52 estupros, condenado a 278 anos de prisão. Como jornalista, ela profligou esse estupefaciente absurdo, usando de sua “liberdade de manifestação de pensamento”, também assegurada na mesma Constituição.

Se soubesse separar o Direito Constitucional da lei ordinária, o juiz não teria condenado Mônica Iozzi, como a condenou, ao pagamento de 30 mil reais em favor de Mendes. O magistrado teria ido ao Código Civil para examinar o direito invocado tanto pelo ministro como pela defesa da moça.

Os princípios constitucionais não se submetem ao rito do processo civil, nem exigem prova, porque não se confundem com as picuinhas do cotidiano, como as ofensas pessoais. Mas, nem todos os juízes conseguem se livrar da estupidez jurídica que se alastra pela Constituição brasileira, misturando alhos com bugalhos.

E aí acontece isso: a honra do Gilmar Mendes é tão diáfana, tão transparente, tão tênue, tão intocável, como um hímen de virgem. Contra ela, resguardada para os encantos do poder, não prevalecem os princípios constitucionais que asseguram ao cidadão comum o direito de opinião.


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