terça-feira, 25 de outubro de 2016

JUSTIÇA INDIGESTA

João Eichbaum

“O cordão umbilical era muito curto e a placenta havia ficado próxima de sua parede abdominal, que não se fechou, deixando as vísceras expostas”. Esse quadro, (Síndrome de Body Stalk) que a ecografia revelou num feto, desatou um rosário de medidas judiciais em Goiânia.

Para iniciar, um “alvará”, requerido pelos pais, perante a 1ª Vara Criminal, para realização do aborto, deferido. Depois, pedido de “habeas corpus” de um padre perante o TJ de Goiás, para suspender o procedimento médico, também deferido. A seguir, ação de indenização contra o padre, negada em primeiro e segundo grau de Goiás, mas julgada procedente, 11 anos depois, no STJ.

O Judiciário errou do primeiro ao último grau de jurisdição. Antes de mais nada, porque não existe lei que autorize a expedição de “alvará”, para a prática de aborto. Tal expediente não passa de um disparate transformado em jurisprudência. “Mutatis mutandis”, equivaleria a um “alvará” concedido ao marido para matar o amante da esposa, em legítima defesa da honra.
 O aborto por recomendação médica é uma excludente de ilicitude, e a excludente não pode ser reconhecida antes do fato. A única medida judicial cabível, em tese, no caso de Goiânia, seria “habeas corpus” preventivo contra possível processo penal.
Esse erro gerou outro:  o segundo grau de Goiás, deferiu ao padre um “habeas corpus” incabível, por sua natureza e a teor dos artigos 647 e 648 do Código de Processo Penal. Seria o mesmo que impetrar HC para não ser vítima de latrocínio por parte de algum delinquente liberado pela justiça.
Erraram o primeiro e o segundo grau de Goiânia, porque a ação cível contra o padre não poderia ter prosperado: o erro do TJ de Goiás, deferindo o HC, concedeu ao padre um falso direito, que o protege contra ação de indenização (art. 188 do Código Civil). Além disso, sendo o erro do Tribunal a causa direta do dano produzido, a ação cível comportava litisconsórcio passivo necessário: (art.113 e 114 do Código de Processo Civil) contra o padre e contra o Estado.
O Superior Tribunal de Justiça, que não se dá conta dos estragos causados pelo poder, ignorou o erro do advogado do casal ao não requerer a citação do Estado, e fez tábula rasa do CPP, do CPC e do CC. E assim foram engolidos os indigestos erros judiciários, os maus julgados que engrossam a desconfiança de que a Justiça está passando mal.




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