JUSTIÇA INDIGESTA
João Eichbaum
Para iniciar, um “alvará”, requerido pelos pais, perante a 1ª
Vara Criminal, para realização do aborto, deferido. Depois, pedido de “habeas
corpus” de um padre perante o TJ de Goiás, para suspender o procedimento médico,
também deferido. A seguir, ação de indenização contra o padre, negada em
primeiro e segundo grau de Goiás, mas julgada procedente, 11 anos depois, no
STJ.
O Judiciário errou do primeiro ao último grau de jurisdição.
Antes de mais nada, porque não existe lei que autorize a expedição de “alvará”,
para a prática de aborto. Tal expediente não passa de um disparate transformado
em jurisprudência. “Mutatis mutandis”, equivaleria a um “alvará” concedido ao
marido para matar o amante da esposa, em legítima defesa da honra.
O aborto por recomendação
médica é uma excludente de ilicitude, e a excludente não pode ser reconhecida
antes do fato. A única medida judicial cabível, em tese, no caso de Goiânia, seria
“habeas corpus” preventivo contra possível processo penal.
Esse erro gerou outro: o segundo
grau de Goiás, deferiu ao padre um “habeas corpus” incabível, por sua natureza
e a teor dos artigos 647 e 648 do Código de Processo Penal. Seria o mesmo que
impetrar HC para não ser vítima de latrocínio por parte de algum delinquente
liberado pela justiça.
Erraram o primeiro e o segundo grau de Goiânia, porque a ação
cível contra o padre não poderia ter prosperado: o erro do TJ de Goiás,
deferindo o HC, concedeu ao padre um falso direito, que o protege contra ação
de indenização (art. 188 do Código Civil). Além disso, sendo o erro do Tribunal
a causa direta do dano produzido, a ação cível comportava litisconsórcio
passivo necessário: (art.113 e 114 do Código de Processo Civil) contra o padre
e contra o Estado.
O Superior Tribunal de Justiça, que não se dá conta dos estragos
causados pelo poder, ignorou o erro do advogado do casal ao não requerer a
citação do Estado, e fez tábula rasa do CPP, do CPC e do CC. E assim foram
engolidos os indigestos erros judiciários, os maus julgados que engrossam a
desconfiança de que a Justiça está passando mal.
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