A TRAGÉDIA DA
JUSTIÇA: ÚLTIMO ATO
João Eichbaum
Adornar um currículo
com título de doutor, obtido lá no Piauí da Alemanha, é fácil. Difícil é ter
sabedoria, perspicácia e talento para desconstruir o óbvio. O voto do ministro
Herman Benjamin foi prolixo e, algumas vezes, repetitivo, mas cadenciado pela
serenidade. E no seu curso, a prolixidade e a insistência foram paulatinamente
fermentando razões incontestáveis.
Para começar, Herman
armou sua tese com argumentos de Gilmar Mendes. Havendo encontrado no processo
“indícios graves de crimes”, exigindo novas investigações, Gilmar evitara seu
arquivamento, que tinha sido determinado por Maria Thereza de Assis Moura (como
vocês estão pensando, é aquela mesma, que mandou soltar a mulher do Cabral).
Ao notar onde Herman
queria chegar, mostrando um lado que o comprometeria, Gilmar Mendes abespinhou-se
e, apanhado de surpresa, sem argumentação razoável, partiu para a agressão
verbal, taxando de “falacioso” o discurso do relator. E, a partir dali,
abandonou a liturgia da presidência, para se transformar em contendor de
Herman.
Prestes a ter
desmascarada sua incoerência, o presidente não teve mais compostura. Além de se
permitir intervenções que deslustraram o rito do julgamento, destratou o
Ministério Público e repeliu como “desrespeito ao Tribunal” uma arguição de
suspeição levantada contra Admar Gonzaga. Admar fora advogado de Dilma, mas
naquele momento, vestia toga de ministro, para julgar causa de interesse de sua
antiga cliente.
Ao votar, com voz tonitruante,
o olhar tresloucado de quem tem ódio do mundo e se desforrando dos próprios
argumentos, Gilmar adotou o discurso esdrúxulo da “soberania popular”, para
salvar o mandado de Temer. Cego pela ira, não se deu conta de que caminhava
para o abismo do descrédito, ao invocar um princípio estranho e infenso ao seu
próprio voto, quando o mesmo processo, que continha “indícios graves de crimes”,
mirava apenas a cassação de Dilma Rousseff.
Como todas as
tragédias, a da Justiça também terminou mal. Não apagou as más impressões,
deixou trapos e farrapos. Mas desse inventário de erros se extrai uma lição: se
não for exercida como um sacerdócio, a magistratura não pode servir de exemplo,
de farol, apontando onde mora a dignidade, porque se despe da força arrasadora
da confiança.
Quem não é levado por vocação para ter assento
nos tribunais, não tem capacidade de distinguir entre “defender uma causa” e
“fazer justiça”. E o peso da responsabilidade de fazer justiça não lhes pesa
sobre os ombros, porque esses não passam de simples cabides de toga.
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