QUANDO O RIDÍCULO SE
ENROSCA NA TOGA
João Eichbaum
O ridículo não é
impedido de entrar nos tribunais, porque se enrosca nas togas. Ele, que nunca
pede licença para entrar onde quer que seja, que se mete nas conversas sem ser
chamado, que destrava a língua nas horas mais impróprias, pode se sentir muito
à vontade entre deuses, tomando o lugar destinado às pompas e circunstâncias,
onde têm assento as excelências na ciência do Direito.
Mas, o que é barrado
geralmente é o senso do ridículo. E quando esse se ausenta, sua excelência, em pleno
julgamento, com o peito ofegante, esbraveja, vomita a bile estragada pela ira,
grita com o mundo, ignora os ritos processuais, treme os lábios como um bebê
chorão, e chora mesmo, engolindo, por alguns segundos, sua empáfia.
Quando o cincerro da
prudência e da boa compostura deixa de emitir seu alarme, o meritíssimo se
entrega aos desvarios do ridículo, ameaça degolar detratores, invoca a lei do
Profeta, mistura o Alcorão com a Bíblia, e puxa lá do fundo de sua sabedoria
pensamentos que recita de viva voz e de corpo presente, para alegria dos editores
da antologia do ridículo.
Togados deixados à
mercê de sua inteligência, fora do alcance do radar do ridículo, estão sujeitos
a estragar os pensamentos com frases emboloradas, provindas do desassossego
febril do ego ferido, como essa: “se o Supremo Tribunal Federal me colocou na
lista tríplice, é porque tenho saber jurídico e reputação ilibada”!
Só o senso do
ridículo deixa as pessoas menos caricatas e as impede de ficar dançando ao som
de disparates, para causar estranheza e arrancar interjeições.
Ridículo não combina
com sabedoria, com circunspecção, com prudência, com educação e civilidade. A
inteligência não convive com o ridículo, como o evitam também a dignidade e a
elegância na expressão e no trato com interlocutores.
Por tudo isso, o
ridículo deveria ser impedido de entrar nos tribunais desacompanhado do
respectivo senso. Só assim, sabendo que, antes de começarem o julgamento dos
outros, eles próprios estão sendo julgados, os juízes se comportariam como
juízes. E nos poupariam de lembranças menos dignas, como a de comparar votos, sentenças
e acórdãos com a necessária, mas indesejável função fisiológica de desocupar as
entranhas.
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