terça-feira, 27 de junho de 2017

ARRANCANDO CARRAPICHO DO PELEGO
João Eichbaum

A erudição na área do vernáculo pressupõe sólidos conhecimentos de latim e de grego. Sem isso, ela pode se decompor em desarranjos verbais. Observe-se o excerto abaixo, da lavra do ministro Edson Fachin, transcrito por Reinaldo Azevedo na Folha SP: "No caso presente, ainda que, individualmente, não considere ser a interpretação literal o melhor caminho hermenêutico para a compreensão da regra extraível do art. 53, § 2º, da CR (...), entendo que o locus adequado a essa consideração é o da colegialidade do Pleno."
 O advérbio “individualmente” não tem sentido no texto. Trata-se de advérbio de modo, que serve apenas para modificar ações de cada indivíduo num grupo, mas não do sujeito singular. Foi usado de forma incorreta, como sinônimo bastardo de “pessoalmente”. E mais: interpretação e hermenêutica são sinônimos. Uma não pode ser “caminho” para a outra.
O adjetivo “extraível”, vocábulo em desuso, provavelmente foi catado no dicionário. É absolutamente inadequado para modificar, nesse caso, o substantivo “regra”. Não se extrai regra da lei. A lei já é uma regra, é a própria regra. O que se pode extrair, sim, é o sentido da regra, a finalidade perseguida pela lei.
Não existe a palavra “locus” no vocabulário brasileiro. Locus é palavra latina, substantivo masculino da segunda declinação, com nominativo terminado em “us” e genitivo em “i”. “Locus” significa lugar.
Também não existe no vocabulário brasileiro esse polissílabo horrível, dissonante, que machuca os ouvidos: “colegialidade”. O sufixo “dade” provém do latim “tas” e refere substantivos abstratos, de conotação adjetiva, indicando modo de ser, estado, propriedade: “felicitas”, “bonitas”, “humilitas”, que significam, respectivamente, felicidade, bondade e humildade. “Colegialidade” não é “locus” (lugar) de coisa nenhuma.
Na construção do discurso, há uma impropriedade que lhe desmancha a lógica. A oração subordinada adverbial concessiva, iniciada pela locução conjuntiva “ainda que”, não empresta força dialética para a oração principal, que inicia com o verbo “entendo”. Essa não depende daquela, para se afirmar como juízo de valor. A relação que as duas guardam entre si é a mesma que existe entre as têmporas e os esfíncteres.

Mas, desenovelando-se as ideias, mais enleadas do que carrapicho em pelego, é possível obter um texto limpo, claro e inteligível, assim: “no caso presente, ainda que pessoalmente não considere o sentido literal como a melhor fonte de interpretação para art. 53, § 2º da CF, entendo que compete ao Pleno do Tribunal o conhecimento da causa”. Pronto. Linguagem sóbria, sem inúteis, insípidos, senão ridículos rebuscamentos.

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