CHICANAS & METÁFORAS
João Eichbaum
“Admitida a acusação contra o Presidente da
República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a
julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou
perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”. Assim está
determinado no art. 86 da Constituição Federal.
A
clareza do dispositivo dispensa qualquer outra interpretação, que não seja a
literal: a Câmara é a primeira instância, pela qual passará a denúncia, nos
crimes comuns. O procedimento só terá curso judiciário no STF, se for aprovado
por dois terços da Câmara.
Não
foi isso que aconteceu com a segunda denúncia oferecida contra Michel Temer.
Antes que a denúncia chegasse à Câmara, quem tomou conhecimento dela foram os
advogados de Temer.
E
os causídicos não perderam tempo. Não lhes permitindo o rito constitucional
qualquer manifestação nos autos, eles usaram de um expediente barato:
pediram a devolução da denúncia à PGR ou a suspensão de seu encaminhamento à
Câmara, por haver, na peça, notícia de crime praticado fora do exercício do
mandato.
Pior
fez o ministro Facchin: recebeu o pedido dos advogados e o submeteu ao pleno.
Ora, qualquer juiz sabe que, com relação à denúncia, só há as seguintes
alternativas: recebê-la, não recebê-la, ou rejeitá-la. O titular da denúncia,
em crime de ação pública, é o MP. Não cabe ao juiz devolver-lhe a peça
acusatória, com recomendações para ajustá-la à lei.
A
CF não oferece ao Supremo as alternativas acima mencionadas, senão depois de
admitida a acusação por dois terços da Câmara. O que restava a Facchin então, seria
simplesmente ignorar o pedido dos advogados, por falta de figura legal e forma
de juízo.
O
resultado não foi outro: na guerra do verbo ocioso, Gilmar Mendes levou dez a
um. De seu discurso, alimentado menos por razões constitucionais do que por
impulsos de conveniência, se infere o disparate de que o art. 86 da CF não
passa de metáfora.
Sobre
a força da literalidade, não prevalecem circunlóquios, conversas que rastejam,
sem chegar a lugar nenhum. Alguns ministros, querendo mostrar erudição,
acabaram revelando falta de objetividade e pobreza de raciocínio. O ministro
Barroso, por exemplo, chegou a dizer que se tratava de um tema de “extrema
complexidade”. Donde se pode imaginar quão imensa teria sido a dificuldade de
seus mestres em alfabetizá-lo.
Mas,
enfim, uns e outros, ainda que por caminhos tortuosos, impediram que o Direito
fornicasse com a chicana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário